Notícia
O filão dos Portos sem idade
Os tawnies muito velhos são bons para a imagem do vinho do Porto, mas haverá alguém no sector a pensar estrategicamente nas outras categorias mais acessíveis? Temos dúvidas
25 de Agosto de 2018 às 19:00
Este Very Old Tawny, que assinala os 380 anos da Kopke, é feito com tawnies dos anos 20 e 30 e como um Colheita de 1900. Está marcado pelas notas aromáticas de vinagrinho e melaço. A boca é vibrante, quente, algo química e com muito boa acidez. Cada garrafa custa 1500€
Sou um entusiasta da estratégia das empresas de vinho do Porto no lançamento de tawnies com muita idade. Se por um lado as firmas colocam no mercado vinhos centenários carregados de mistério e desafiantes na prova (como é possível viverem tanto tempo?), por outro conseguem, de forma eficaz, chamar a atenção dos consumidores para a riqueza de um produto português que é património da humanidade.
A moda dos very old tawnies começou em 2008 com o lançamento do Taylor's Scion, um Porto com 150 anos e que não só prestava tributo à história do Douro vinhateiro como realçava a fidelidade do grupo Fladgate Partnership à cultura do vinho do Porto. Como se sabe, a Fladgate é o único grupo empresarial de grande dimensão que não se dedica à produção de vinhos DOC Douro. São gente do Porto e ponto final.
Acontece que a partir do sucesso do Scion, vendido a preço de ouro, todas as restantes empresas de Gaia lembraram-se de que, se calhar, também tinham uns Portos velhinhos lá nas caves e que, com algumas afinações, poderiam ser transformados em ícones, atraindo a atenção de jornalistas, dos enófilos, de algumas garrafeiras e dos escanções de restaurantes de referência.
Tudo isso foi muito bem pensado, tudo isso fez sentido e tudo isso foi eficaz do ponto de vista comunicacional. Se a colheita de Porto Vintage 2011 foi o que foi, a verdade é que foram os tawnies velhos pós-Scion (já perdemos a conta) a colocar o vinho do Porto nas bocas do mundo. No fundo, a riqueza do vinho do Porto estava guardada há centenas de anos nas caves. Misteriosamente, ninguém lhes ligava.
Como é evidente, só alguém destituído de bom gosto poderá recusar a prova de vinhos nascidos no tempo dos nossos tetravós, ainda por cima quando nos chegam com uma vida impressionante. Rodar inúmeras vezes o copo para perceber em que família caem os aromas e sabores que detectamos é um exercício fantástico. Especiarias, madeiras exóticas, pastelaria, frutos secos, vinagrinhos, melaços, ervas secas e aromáticas... é só tentar encaixar.
Agora - e façamos uma pausa - se calhar esta moda do lançamento dos Portos velhos está a esgotar-se. Não no sentido dos vinhos em si, porque há stocks das adegas de Gaia e do Douro que darão sempre origem a tawnies muito velhos, mas no sentido em que as empresas vão ter de desenhar estratégias de aproveitamento desta onda de notoriedade dos vinhos misteriosos para captar os consumidores para os Portos mais jovens, sejam eles das categorias elementares ou das categorias nobres. Mas isso não se sente nem se imagina.
Lisboa e Porto foram entregues ao negócio do turismo (já para não falar do Algarve), mas não existe qualquer estratégia de promoção ou de educação para o consumo de vinho do Porto, quer por parte do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, quer por parte dos produtores, das suas associações, dos distribuidores ou dos restaurantes.
Não estou a sugerir que tal estratégia nasça com um estalar dos dedos ou com um programa desenhado por um guru qualquer estrangeiro, mas a verdade é que, internamente, fazemos muito pouco pelo vinho do Porto. Pior ainda. Quando se fala em vinho do Porto, fala-se de categorias nobres (tawnies datados ou vintage), necessariamente caros, como é óbvio. Mas, entre um Porto de sonho e um Porto branco, um Ruby, um LBV (tão bom e tão barato), um tawny 10 anos ou até um Colheita novo, há um leque de vinhos a que a classe média e os turistas podem chegar. Mas, coitados, tais vinhos estão entregues à sua sorte ou à curiosidade de um nicho de consumidores esclarecidos. Temos pena.
Seja como for, aproveitemos hoje para destacar este Kopke CNK (grupo Sogevinus), que assinala a fundação da empresa criada há 380 anos por Cristiano Nicolau kopke. Quando penso em datas destas, costumo ficar algum tempo em silêncio, sempre com a mesma pergunta: em que outros sectores económicos cá na pátria encontramos empresas com tanta idade? Só isso deveria fazer-nos consumidores regulares e inteligentes de vinho do Porto. Nós, portugueses, deveríamos saber falar de vinho do Porto como um francês da região na Nova Aquitânia sabe falar de foie gras. É assim uma empreitada tão complexa?
Sou um entusiasta da estratégia das empresas de vinho do Porto no lançamento de tawnies com muita idade. Se por um lado as firmas colocam no mercado vinhos centenários carregados de mistério e desafiantes na prova (como é possível viverem tanto tempo?), por outro conseguem, de forma eficaz, chamar a atenção dos consumidores para a riqueza de um produto português que é património da humanidade.
Acontece que a partir do sucesso do Scion, vendido a preço de ouro, todas as restantes empresas de Gaia lembraram-se de que, se calhar, também tinham uns Portos velhinhos lá nas caves e que, com algumas afinações, poderiam ser transformados em ícones, atraindo a atenção de jornalistas, dos enófilos, de algumas garrafeiras e dos escanções de restaurantes de referência.
Tudo isso foi muito bem pensado, tudo isso fez sentido e tudo isso foi eficaz do ponto de vista comunicacional. Se a colheita de Porto Vintage 2011 foi o que foi, a verdade é que foram os tawnies velhos pós-Scion (já perdemos a conta) a colocar o vinho do Porto nas bocas do mundo. No fundo, a riqueza do vinho do Porto estava guardada há centenas de anos nas caves. Misteriosamente, ninguém lhes ligava.
Como é evidente, só alguém destituído de bom gosto poderá recusar a prova de vinhos nascidos no tempo dos nossos tetravós, ainda por cima quando nos chegam com uma vida impressionante. Rodar inúmeras vezes o copo para perceber em que família caem os aromas e sabores que detectamos é um exercício fantástico. Especiarias, madeiras exóticas, pastelaria, frutos secos, vinagrinhos, melaços, ervas secas e aromáticas... é só tentar encaixar.
Agora - e façamos uma pausa - se calhar esta moda do lançamento dos Portos velhos está a esgotar-se. Não no sentido dos vinhos em si, porque há stocks das adegas de Gaia e do Douro que darão sempre origem a tawnies muito velhos, mas no sentido em que as empresas vão ter de desenhar estratégias de aproveitamento desta onda de notoriedade dos vinhos misteriosos para captar os consumidores para os Portos mais jovens, sejam eles das categorias elementares ou das categorias nobres. Mas isso não se sente nem se imagina.
Lisboa e Porto foram entregues ao negócio do turismo (já para não falar do Algarve), mas não existe qualquer estratégia de promoção ou de educação para o consumo de vinho do Porto, quer por parte do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, quer por parte dos produtores, das suas associações, dos distribuidores ou dos restaurantes.
Não estou a sugerir que tal estratégia nasça com um estalar dos dedos ou com um programa desenhado por um guru qualquer estrangeiro, mas a verdade é que, internamente, fazemos muito pouco pelo vinho do Porto. Pior ainda. Quando se fala em vinho do Porto, fala-se de categorias nobres (tawnies datados ou vintage), necessariamente caros, como é óbvio. Mas, entre um Porto de sonho e um Porto branco, um Ruby, um LBV (tão bom e tão barato), um tawny 10 anos ou até um Colheita novo, há um leque de vinhos a que a classe média e os turistas podem chegar. Mas, coitados, tais vinhos estão entregues à sua sorte ou à curiosidade de um nicho de consumidores esclarecidos. Temos pena.
Seja como for, aproveitemos hoje para destacar este Kopke CNK (grupo Sogevinus), que assinala a fundação da empresa criada há 380 anos por Cristiano Nicolau kopke. Quando penso em datas destas, costumo ficar algum tempo em silêncio, sempre com a mesma pergunta: em que outros sectores económicos cá na pátria encontramos empresas com tanta idade? Só isso deveria fazer-nos consumidores regulares e inteligentes de vinho do Porto. Nós, portugueses, deveríamos saber falar de vinho do Porto como um francês da região na Nova Aquitânia sabe falar de foie gras. É assim uma empreitada tão complexa?