Notícia
Meu rico vinho
Abrir agora uma garrafa de Casa de Santar Dão Nobre de 2013 é um acto que justifica penalização no IRS. O vinho deve ser comprado agora, é certo, mas só bebido daqui por 5, 10 ou 15 anos.
07 de Janeiro de 2017 às 16:00
Encheram-se 3000 garrafas deste Casa de Santar Dão Nobre 2013. Cada uma custará uns €70.
Um crítico de vinhos também tem as suas angústias. E a minha é, perante determinadas vinhos recentes enviados pelos produtores ou comprados por mim, decidir se abro ou não as garrafas. Na realidade, abro-as sempre - não há outro remédio - mas são muitas as vezes em que, com o saca-rolhas na mão, começo a sentir aquela sensação de que estou prestes a destruir um vinho. E isso chateia.
Assim sendo, o leitor poderá perguntar por que razão o produtor não lança o vinho quando ele está no auge? Bom, porque todos os produtores têm contas para pagar, sendo que, nos tempos que correm, facturar com lucro é uma bênção. De resto, no sector do vinho (e não só), assiste-se a uma descapitalização considerável das empresas. Não há produtores que aguentam os seus vinhos vários anos antes de os mandarem para a prateleira? Há, mas contam-se pelos dedos de uma mão.
Toda esta história vem a propósito do Casa de Santar Nobre Dão Nobre 2013, que é o primeiro tinto a atingir a categoria Dão Nobre desde que, em 2014, a Comissão Vitivinícola Regional do Dão (CVRD) aprovou um conjunto de alterações metodológicas para se chegar com maior frequência ao top da qualidade de um vinho do Dão. De então para cá, quando o somatório das pontuações dos provadores da CVRD atinge 90 pontos em 100 possíveis, esse vinho passa a ostentar a designação de Nobre. Neste momento, há dois vinhos com tal galardão: o tinto Casa de Santar de 2013 e o branco Fonte do Ouro 2015, de Nuno Cancela de Abreu.
E o que tem de especial este tinto do Dão? Primeiro, nasce numa propriedade com história e muita diversidade vitícola nos seus 100 hectares. Segundo, é da autoria de Osvaldo Amado - um dos melhores enólogos portugueses. E, terceiro, vem rodeado de cuidados extremos. Se as uvas das castas Touriga Nacional, Alfrocheiro, Tinta Roriz e Jaen foram escolhidas como os produtores japoneses de chá Gyokuro recolhem os mais delicados rebentos das plantas camellia sinensis, o estágio do vinho em barricas foi controlado ao detalhe. Das 75 barricas que a colheita 2013 deu, Osvaldo escolheu 15 (parte delas do primeiro ano e parte já usadas) que, em sua opinião, dariam um lote final de qualidade superior.
Se, no universo de whisky, a barrica tem grande peso na definição do produto final, no vinho acontece algo de semelhante. O mesmo lote de vinho colocado em barricas diferentes - ainda que da mesma tanoaria, do mesmo conjunto de aduelas e todas com o mesmo nível de tosta - pode seguir por caminhos distintos. São os chamados mistérios da madeira.
Temos então um tinto muito jovem, ainda fechado no aroma (embora se sintam notas de casca de ameixa e massas vínicas), com uma boca austera e herbácea, com taninos poderosos, mas - lá está a história - revelando um potencial tremendo. É um vinho grave e sério.
Em certo sentido, o tinto parece estar a gozar connosco, dando a entender que cometemos um erro imperdoável com a abertura da garrafa nesta altura. Eu cá, perante coisas destas, fico triste e sempre com aquela vontade de retirar o ar da garrafa aberta, voltar a colocar a rolha na perfeição, fazer umas festas à botelha e deixar passar o tempo. Anos. Mas, enfim, é um pensamento inútil. Resta-me fechar os olhos e imaginar a nobreza deste tinto depois de 2020.