Notícia
A escola dos vinhos doces
Já não bastava Paulo Cruz ser o guia para os amantes do Vinho do Porto. A partir de agora, o Extravaganza passou a ser, também, uma escola de vinho Madeira e vinho Moscatel. E, se calhar, não fica por aqui.
07 de Abril de 2018 às 13:00
Algum leitor poderá estranhar o facto de voltarmos a destacar as iniciativas de Paulo Cruz e do seu Bar do Vinho, mas não há volta a dar. Não é possível passarmos ao lado do trabalho do dono de uma loja de vinhos (não é responsável institucional) que, com arrojo, risco e bom gosto, tudo faz para dar a conhecer vinhos raríssimos em eventos com grande componente didáctica. Por mais que eu tenha aprendido numa pós-graduação com professores como Bento Amaral ou António Graça e por mais provas excepcionais que faça nalgumas casas do Vinho do Porto, nada se compara ao Porto Extravaganza que ocorre em Sintra. E isto porque, além dos vinhos raríssimos em prova, os convidados que os comentam têm percursos que os elevam à categoria de catedráticos.
Sobre vinho Madeira falou Ricardo Diogo (vinhos Barbeito), sobre Moscatel, Domingos Soares Franco (José Maria da Fonseca) e sobre Porto, Ana Rosas, master blender da Ramos Pinto. Como não assisti à aula desta última só me pronuncio sobre Madeiras e Moscatéis.
Provei - tomem lá nota - um Malvasia de 1860 (colecção Manuela Vasconcelos), um Malvasia de 1864 e um Boal de1868 (família Favilla), um Terrantez de 1870 (Manuela Vasconcelos), um Verdelho de 1885 (colecção Mário Barbeito,) um Sercial de 1891 (Araújo de Barros), um Verdelho de 1900 (Joseph Fernandes), um Boal velhíssimo (mais de 150 anos sem indicação de produtor), um Malvasia de 1901 (Francisco Fernandes), um Sercial 1910 (colecção de Mário Barbeito), um Boal de 1957 (Vinhos Barbeito) e os Tinta Negra de 1950 e 1954, da Fazenda do Ribeiro Real.
Nunca tinha assistido a algo parecido (em raridade, quantidade e qualidade) e gente mais experiente garantia que é impossível repetir tal prova, visto que as últimas garrafas de determinadas colheitas foram abertas neste evento.
E se pessoalmente destaco o Verdelho de 1885, o Malvasia de 1864 e Malvasia de 1860 como os melhores vinhos em prova pela complexidade aromática e pelo nível de acidez que desafia as leis da enologia (vinhos de "fazer cair as orelhas", como se diz na ilha), aprendi com Ricardo Diogo que a ideia romântica de um vinho Madeira a viver eternamente em casco não é aconselhável. A partir de determinada altura, o vinho degrada-se, pelo que, depois dos 50 anos, um vinho Madeira deve viver no garrafão, à espera do momento certo de engarrafamento. A pior coisa que podemos sentir num Madeira é o carácter pastoso e enjoativo. Um Madeira velho não é, por si só, sinónimo de qualidade. Um Madeira velho deve ser sempre expressivo e vibrante na boca.
Quanto aos Moscatéis da JMF, a coisa complica-se porque as categorias são muitas, sendo que o carácter irrequieto de Domingos Soares Franco na feitura dos lotes baralha ainda mais as coisas. Ele é o Torna Viagem de 2014 para o Brasil e para os EUA, o Moscatel de 98 feito com Armagnac ou com Cognac, um Alambre de 20 anos e um Moscatel Roxo com a mesma idade, os Apoteca de 1911 e 1955 (este último, soberbo), o mítico e terminal Bastardinho 40 anos e o Trilogia, que junta numa garrafa vinhos de 1900, 1934 e 1965.
E se há um factor que me atrai nestes vinhos doces é a capacidade do enólogo juntar colheitas tão distantes no tempo e conjugá-las de forma a surpreender-nos. É o que acontece com este Trilogia - ainda disponível no mercado - que realça no copo aromas que misturam madeiras antigas com frutos secos ou cânfora com bolo inglês, com a boca a destacar a doçura, é certo, mas sempre com a acidez presente.
Nestes eventos do Extravaganza, o silêncio é quase sempre a regra na sala (com um ou outro aparte e tal), mas quando a cerimónia acaba é ver toda a gente a discutir os vinhos ou as ideias dos enólogos/produtores, sendo que a conversa poderá durar horas. E, no ano que vem, os mesmos maluquinhos continuarão a falar de todas as colheitas como se as tivessem provado na véspera, descrevendo-as ao detalhe. Como costumo pensar, se a condição para entrar no Paraíso (acho que esta ainda não foi revogada) depender do conhecimento dos grandes vinhos doces do mundo, a clientela do Extravaganza está safa.
PS - No sábado, os turistas que quisessem provar vinhos no Solar de Vinho do Porto não teriam sorte porque funcionários da casa, seguramente com a concordância do IVDP , fecharam portas na sexta, no sábado e no domingo, fim-de-semana da Páscoa. E se nada disto é novo e se tudo isto se repetirá para o ano, que ao menos tenham a decência de agradecer em inglês sem gralhas. É que dá muito má imagem acabar um cartaz de encerramento com "tank you".
Sobre vinho Madeira falou Ricardo Diogo (vinhos Barbeito), sobre Moscatel, Domingos Soares Franco (José Maria da Fonseca) e sobre Porto, Ana Rosas, master blender da Ramos Pinto. Como não assisti à aula desta última só me pronuncio sobre Madeiras e Moscatéis.
Nunca tinha assistido a algo parecido (em raridade, quantidade e qualidade) e gente mais experiente garantia que é impossível repetir tal prova, visto que as últimas garrafas de determinadas colheitas foram abertas neste evento.
E se pessoalmente destaco o Verdelho de 1885, o Malvasia de 1864 e Malvasia de 1860 como os melhores vinhos em prova pela complexidade aromática e pelo nível de acidez que desafia as leis da enologia (vinhos de "fazer cair as orelhas", como se diz na ilha), aprendi com Ricardo Diogo que a ideia romântica de um vinho Madeira a viver eternamente em casco não é aconselhável. A partir de determinada altura, o vinho degrada-se, pelo que, depois dos 50 anos, um vinho Madeira deve viver no garrafão, à espera do momento certo de engarrafamento. A pior coisa que podemos sentir num Madeira é o carácter pastoso e enjoativo. Um Madeira velho não é, por si só, sinónimo de qualidade. Um Madeira velho deve ser sempre expressivo e vibrante na boca.
Quanto aos Moscatéis da JMF, a coisa complica-se porque as categorias são muitas, sendo que o carácter irrequieto de Domingos Soares Franco na feitura dos lotes baralha ainda mais as coisas. Ele é o Torna Viagem de 2014 para o Brasil e para os EUA, o Moscatel de 98 feito com Armagnac ou com Cognac, um Alambre de 20 anos e um Moscatel Roxo com a mesma idade, os Apoteca de 1911 e 1955 (este último, soberbo), o mítico e terminal Bastardinho 40 anos e o Trilogia, que junta numa garrafa vinhos de 1900, 1934 e 1965.
E se há um factor que me atrai nestes vinhos doces é a capacidade do enólogo juntar colheitas tão distantes no tempo e conjugá-las de forma a surpreender-nos. É o que acontece com este Trilogia - ainda disponível no mercado - que realça no copo aromas que misturam madeiras antigas com frutos secos ou cânfora com bolo inglês, com a boca a destacar a doçura, é certo, mas sempre com a acidez presente.
Nestes eventos do Extravaganza, o silêncio é quase sempre a regra na sala (com um ou outro aparte e tal), mas quando a cerimónia acaba é ver toda a gente a discutir os vinhos ou as ideias dos enólogos/produtores, sendo que a conversa poderá durar horas. E, no ano que vem, os mesmos maluquinhos continuarão a falar de todas as colheitas como se as tivessem provado na véspera, descrevendo-as ao detalhe. Como costumo pensar, se a condição para entrar no Paraíso (acho que esta ainda não foi revogada) depender do conhecimento dos grandes vinhos doces do mundo, a clientela do Extravaganza está safa.
PS - No sábado, os turistas que quisessem provar vinhos no Solar de Vinho do Porto não teriam sorte porque funcionários da casa, seguramente com a concordância do IVDP , fecharam portas na sexta, no sábado e no domingo, fim-de-semana da Páscoa. E se nada disto é novo e se tudo isto se repetirá para o ano, que ao menos tenham a decência de agradecer em inglês sem gralhas. É que dá muito má imagem acabar um cartaz de encerramento com "tank you".