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Vinte anos a fazer diferente

Duas décadas é muito pouco na vida de uma empresa de vinhos, mas é bem possível que, no caso do Monte d ‘Oiro, seja suficiente para percebermos que estamos perante vinhos com ADN próprio.

23 de Setembro de 2017 às 13:00
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Um Reserva de 2013 estará ainda marcado pela fruta jovem, mas o 2011 está no ponto perfeito. Um Monte d´Oiro não gosta de pressas. Cada garrafa custará cerca dE €32.                

Se é piada assumirmos que a velhice começa quando vamos às urgências hospitalares e damos de caras com um médico/a que tem idade para ser nosso filho/a, eu, que até faço parte deste rol, fico ainda mais ralado quando sou convidado para jantares de celebração de produtores de vinho que comemoram o vigésimo, o vigésimo quinto e o trigésimo ano de vida. Produtores que, digamos assim, vi nascer. Caramba. 

Na mesma semana em que João Portugal Ramos comemorou 25 anos com a marca que leva o seu nome, José Bento dos Santos assinalou o vigésimo aniversário da Quinta do Monte d’Oiro. São marcos históricos no processo de modernização da viticultura portuguesa, mas, hoje, ocupemo-nos deste último.

Antes e depois de ser produtor de vinhos, José Bento dos Santos é uma das personalidades da cultura gastronómica portuguesa que mais mundo tem para nos dar. Alguns dirão que, actualmente, há muita gente viajada no mundo da gastronomia. É verdade. Mas, para memória futura, convém registar que há 20, 30 ou 40 anos as coisas não eram assim. Muita gente teve contacto com vinhos e produtos raríssimos porque o antigo jogador de râguebi os oferecia com generosidade nas mesas das suas casas.

Dou um exemplo pessoal. A primeira bottarga (ova de tainha seca do Mediterrâneo) que comi foi-me servida com o ritual apropriado por Bento dos Santos. Uma, não, porque, com o tradicional espírito didáctico, serviu ovas de Itália da Grécia. Tirando o facto de me ter viciado num produto caro, agradeço-lhe a experiência.

Donde, se Bento dos Santos era e é assim com os outros, quando se lhe meteu na cabeça comprar e fazer vinhos na Quinta do Monte d’Oiro, no concelho de Alenquer, está bem de ver que as exigências seriam estratosféricas. Primeiro, os solos foram estudados durante anos por especialistas israelitas (coisa nunca vista), segundo, as plantas de Syrah, Viognier, Marsanne e Petit Verdot vieram dos melhores viveiros franceses, terceiro, as produções dos primeiros anos foram para chão e, quarto, a monda em verde dos cachos passou a ser uma regra na quinta de região de Lisboa, o que, segundo se diz, levou o padre das redondezas a classificar Bento dos Santos como um herege (se Deus dava as uvas, não seria o homem a atirá-las ao chão).

Como é fácil de imaginar, o perfil dos vinhos de qualquer produtor muda com o tempo. No caso da Quinta do Monte d’Oiro, julgo que a única mudança digna de registo é a redução do papel das barricas de madeira nova no estágio e fermentação dos vinhos. Há 20 anos ainda se apreciava e discutia as notas e as tostas das barricas de carvalho. De tal forma que a primeira edição do famoso tinto de homenagem a António Carqueijeiro nos chegava com 200% de madeira nova!

Pese embora o tremendo sucesso do vinho então, julgo que, hoje, Bento dos Santos, o filho Francisco e a enóloga Graça Gonçalves não repetiriam tal experiência.

Agora, para o que nos interessa, uma prova recente com vinte colheitas de diferentes marcas da quinta indicaram que os vinhos brancos e tintos evoluem muito bem, sendo que o exercício recuou até 1997.

Mais. A prova demonstrou que a divisão da quinta por microparcelas de vinhas de Syrah tem grande impacto na diferenciação dos vinhos e – mais importante – esse perfil está, vinte anos passados, bem definido. No caso dos brancos, excelente compromisso entre fruta, salinidade, estrutura e trabalho de barrica; no caso dos tintos emblemáticos da quinta feitos à base de Syrah, um perfil que, com frequência, nos atira para coisas que provamos nas Cotes du Rhone, mas sempre com uma matriz fresca, vegetal e mineral – algo que tem muito que ver com o terroir da Quinta do Monte d’Oiro.

Se 20 anos é muito pouco tempo na vida de um produtor, isso não nos impede de sentir a presença de um perfil Monte d’Oiro quando provamos os vinhos com a idade certa, em particular quando estamos perante os brancos Madrigal e, claro, os tintos Monte d’Oiro Reserva.
A partir de produções em regime de agricultura biológica, estes tintos adquirem sempre mistério com a passagem do tempo. Se o Monte d’Oiro 2013 ainda está marcado pela fruta jovem e alguma madeira de estágio, o 2011 está numa fase extraordinária, com finura e elegância que – sem querer ofender – sentimos em garrafas francesas.

Quem quiser sentir o terroir Monte d’Oiro, deve começar pelos rosés (em especial o reserva) e trepar pelas restante marcas, mas se a ideia do leitor é mesmo provar um tinto de categoria e algo diferente do que se faz na região de Lisboa, então Monte d’Oiro Reserva tinto é a escolha certa.
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