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Paulo Teixeira Pinto: Viver e morrer de pé, como as árvores

Poeta, pintor, curador, editor, consultor. É o que faz hoje Paulo Teixeira Pinto, longe já do papel de banqueiro que o deu a conhecer. Ou quase, porque a máscara permaneceu. A biografia agora publicada tenta revelá-lo.

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"Desde sempre que nutro uma paixão por livros. E livros muito diferentes. Mas nunca apreciei um género em particular: as biografias. Logo, se não gosto de as ler, também jamais intentaria escrever uma. Muito menos sobre a minha pessoa." Paulo Teixeira Pinto não gosta de biografias. Mas vê agora ser publicada a sua, escrita pela jornalista Sílvia de Oliveira. Depois de uma primeira recusa, só agora em 2017 autorizou a sua biografia, sem restrições e limitações. Sob o compromisso: "não há mentiras"; com a certeza: não contaria algo que não quisesse; e uma preocupação: que no final "a sua filha e os seus netos [três], aqueles que ama e o amam, não se entristeçam com o que lerem".

Sílvia de Oliveira - que passou pelo Negócios, Dinheiro Vivo e Diário Económico - acredita ter conseguido acautelar essa preocupação, apesar de a própria história de Paulo Teixeira Pinto ser de muitas tristezas. O que pode não corresponder tanto ao desejo do biografado é o foco grande à sua passagem pelo BCP.

Entrar no maior banco privado

Foi em Novembro de 1995 que Paulo Teixeira Pinto entrou, pela primeira vez, no BCP enquanto trabalhador. "Paulo não conhecia ninguém no BCP", e nos primeiros cinco anos o contacto com Jardim Gonçalves foi esporádico, lê-se na biografia "De que cor é o medo."

Só em 2000 passa a secretário-geral do banco e a secretário da sociedade. Foi escalando até chegar a director-geral e, segundo o livro, foi ganhando poder. Tinha acesso a mais informação do que alguns dos administradores. Dessa altura, os elogios chegam de toda a gente: linear, objectivo, despido de enfeites, exemplar. É assim que a passagem nesses cargos é caracterizada. E foi Paulo Teixeira Pinto que, trabalhando junto da administração, liderou o plano Millennium. A rampa de lançamento para o que aí viria.

Vivia-se ainda um clima de paz. "Os conselhos corriam de forma fluída, ainda que Jardim Gonçalves fosse um presidente muito interventivo e que sabia exercer, sem vacilar, a sua vontade, reconhecidamente forte. Não se recorda duma imposição do presidente, sem o apoio do restante conselho, mas verificava, quase sempre, pouca apetência dos outros para discordar. Os administradores de Jardim tinham crescido sob a sua influência e protecção, tinham chegado ao conselho pela sua mão, o que os limitava e inibia na sua liberdade de expressão. (...) Havia debate, mas o espaço para propostas alternativas, que pudessem melindrar o presidente, era pouco", lê-se no livro.

Demorou mais cinco anos a atingir o topo: a presidência do BCP, sucessor de Jardim Gonçalves. Ou, como prefere dizer, o segundo presidente do BCP.

Chegar à Presidência "de supetão"

Dez anos de BCP chegaram para que o fundador do banco e seu presidente desde então, Jardim Gonçalves, escolhesse Paulo Teixeira Pinto para um novo ciclo. E explica assim a escolha: "Nunca teve uma falha, não usou mal a autoridade e o poder que tinha. Era competente, inteligente, ponderado e respeitador. Só tinha qualidades." Jardim Gonçalves nega que o tivesse escolhido por também integrar a Opus Dei. Certo é que Teixeira Pinto, durante o mandato no BCP, desvinculou-se da ordem (em Março de 2006) e depois disso saiu da presidência e do banco. Isso seria mais tarde.

Naquele ano de 2005, no entanto, Teixeira Pinto foi escolhido para a presidência do BCP. Sem transcendências, nas palavras de Jardim Gonçalves, e sem, acrescentou, uma peregrinação a Fátima.

Mas para o visado foi uma surpresa. O convite foi-lhe endereçado pelo líder da Têxtil Manuel Gonçalves. Em Famalicão, António Manuel Gonçalves (presidente à data do conselho superior do banco, no qual tinham assento os principais accionistas) foi directo ao assunto. Teixeira Pinto tinha sido escolhido para a liderança do BCP. A reunião demorou cerca de uma hora e não teve dúvidas em aceitar. Nessa mesma noite, informa a mulher - na altura ainda era casado com a ex-ministra da Justiça e deputada Paula Teixeira da Cruz - e os dois filhos (Catarina e Paulo Guilherme, mais conhecido por Guga). Como disse, foi um convite "de supetão".

A confirmação chegaria na assembleia-geral do BCP a 14 de Março de 2005, dia em que Guga completou 18 anos.

Assim começavam os três anos que lhe deram a exposição pública e que seriam também o início - sem saber - da biografia que é agora editada. Sílvia de Oliveira conta ao Negócios que nunca se tinha cruzado com Teixeira Pinto antes desta nomeação. Mas ficou curiosa com aquela presença, seráfica e misteriosa. Queria tirar-lhe a máscara. No livro, Paulo (como é tratado) surge como nunca tinha sido visto e hoje Sílvia de Oliveira diz que "é o melhor protagonista da sua intensa e inesperada história". A autora revela que só uma biografia autorizada lhe poderia revelar algo do verdadeiro Teixeira Pinto, de outra forma acredita que seria um sumário de tantos perfis que foram sendo feitos.

Tentou comprar um banco na Roménia e lançou a famosa OPA (Oferta Pública de Aquisição) sobre o BPI. Uma seguiu-se à outra. Filipe Pinhal, que foi primeiro seu administrador e depois seu opositor, comentou, a propósito destas acções, que "foi como o trapezista que falha o mortal [BCR, na Roménia] e sobe logo para dar outro [BPI], para que todos vejam que é o herói." Castro Henriques, outro dos seus administradores, comenta agora que Teixeira Pinto "tem uma tendência para metas inalcançáveis e números muito grandes". António Mexia, presidente da EDP (accionista do BCP), diz agora também que a OPA foi um passo maior do que a perna. Mais de 10 anos depois dessa "aventura", a biografia acaba por conceder que "se soubesse o que sabe hoje, Paulo não teria lançado a OPA". Mas lançou. E falhou. Por essa altura já lhe tinha sido diagnosticada a doença de Parkinson (o que aconteceu em 2005, num exame de rotina do banco), mas nada se soube. Aliás, o seu médico garante na biografia que atestaria, naquele tempo, que não ha
veria qualquer razão médica que o limitasse no exercício das funções.

Falhados os dois negócios, a terceira grande mudança que preconizou foi o início da sua derrota. Queria alterar o modelo de governação do BCP, criando o conselho geral e de supervisão, que tem a função de fiscalização do conselho de administração. Ambos os conselhos seriam eleitos pelos accionistas. Jardim Gonçalves contrapôs: o conselho geral e de supervisão é que deveria nomear a administração. Era o ponto quase final. Revela no livro: "Senti-me algo perplexo e, ao mesmo tempo, desiludido. Senti que alguma coisa tinha mudado e que já não havia, provavelmente, condições para refazer o ambiente de confiança mútua que deve sempre velar estas funções."

O conselho de administração dividiu-se agora de forma visível. Filipe Pinhal, Christopher de Beck, António Rodrigues, Bastos Gomes e Alípio Dias aliaram-se a Jardim Gonçalves. Teixeira Pinto tinha a seu lado Castro Henriques, Francisco Lacerda e Boguslaw Kott. Também os accionistas se partiram. Jardim tinha os sócios tradicionais; Teixeira Pinto, os novos apoios que integraram, o que acabou por ficar conhecido como o grupo dos 7: João Pereira Coutinho, Bernardo Moniz da Maia, Manuel Fino, Joe Berardo, Vasco Pessanha, Diogo Vaz Guedes e Filipe de Botton. Numa primeira assembleia-geral, Jardim Gonçalves acaba por retirar a sua proposta, já que CGD, EDP e Fortis estariam ao lado do grupo dos 7. Mas a guerra continuou. Até que Teixeira Pinto leva à assembleia-geral, de 27 de Agosto de 2007, a proposta de destituição dos administradores seus opositores. Cada vez mais sozinho, é agora a vez de o grupo dos 7 retirar as propostas. Teixeira Pinto sai derrotado. De vez. 31 de Agosto de 2007 foi a última vez que entrou
no gabinete da Rua Augusta, em Lisboa, para ir buscar as suas coisas.

"Há uma coisa que não gostaria. De ser relembrado apenas pelos três anos em que assumiu a presidência do BCP. (...) Paulo não acha correcta essa faceta única que, a partir daí, apague a sua multiplicidade, tudo o que faz dele o homem que é, de bom e de mau." Teixeira Pinto admite divergências, Jardim Gonçalves continua a não admiti-las. Sílvia de Oliveira, mesmo depois de tudo o que ouviu e presenciou, assume que ainda hoje não conhece a verdade. Talvez já seja a biógrafa a falar, quando se pergunta quem teve razão: "Jardim Gonçalves não. Teixeira Pinto cometeu erros, mas não houve qualquer má-fé ou má intenção sua no processo."

Tudo muda

O BCP passou a ser passado. Mas a doença era o seu presente. Recusou entregar-se a ela. E partiu outro laço na sua vida. Divorciou-se de Paula Teixeira da Cruz e assumiu a relação com Mónica, com quem entretanto casou e com quem vive hoje em Tavira (onde, aliás, vai inaugurar o Museu Zero). Com ela mudou o estilo de vida, mais calmo e talvez por isso tenha conseguido um "extra time". Quando lhe foi diagnosticada a doença, há 12 anos, os médicos apontavam para 10 anos de vida autónoma. A pensar, ou não, nesse prazo, já fez o seu testamento vital: não quer prolongar a vida de forma artificial; os órgãos podem ser doados e o seu corpo pode ser utilizado para experiências científicas e médicas; e "pretende ter junto de si e por tempo adequado" Mónica Félix. O documento está assinado. E o desejo já foi também transmitido àquela que quer ter junto de si: se possível, quer morrer de pé, como as árvores.

Teixeira Pinto não se inibe de falar da doença. E, não se entregando a ela, olha-a de frente. Há 11 anos, entrevistado pelo Negócios, assumia que pensava na morte: "Não sou mórbido, tenho muita alegria na vida, mas é a única coisa certa que temos." Já sabia - ainda em silêncio - a doença neurológica que tinha. Mas ainda não tinha passado por outra provação. A morte de um filho.

Guga tinha 22 anos. Estava a jogar às cartas com a irmã, a 1 de Novembro de 2008, Dia de Todos os Santos, quando se sentiu mal. O INEM não conseguiu a reanimação. A autópsia foi inconclusiva, mas aponta-se para um problema cardíaco. De um homem que falte a mulher diz-se viúvo; a um filho que fica sem pai chama-se órfão; mas não há palavra para um pai que fica sem filho - recorda Teixeira Pinto.

Nem esse momento o fez "voltar" a Deus. Mas também não o culpa. E socorre-se de Blaise Pascal para dizer que está numa situação parecida: não tendo a certeza da existência de Deus, vive como se existisse.

Paulo Teixeira Pinto, que assumiu, quando não era usual, a sua pertença à Opus Dei - mesmo quando integrou o governo de Cavaco Silva, onde chegou a secretário de Estado (e também nunca escondeu ser monárquico) -, diz-se hoje "errante". Mas sempre procurando fazer o melhor. "Nunca fui um homem que perdesse tempo a remexer memórias. Vivo toda a minha vida com uma intensidade tal que só muito dificilmente poderia sobrar espaço algum para me deixar prender nas teias do passado. Em compensação, vivi desde sempre a tentar antecipar o futuro. Estou quase pronto. Quase."



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