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Os múltiplos trabalhos da Europa

Facções políticas, mais à direita, ou mais à esquerda, não entendem que a Europa, sem se reformar a sério, será cada vez mais um museu de história. Questionar é o destino desta Europa, a personagem principal de uma peça teatral.

01 de Outubro de 2016 às 12:30
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Filomena Oliveira/Miguel Real, "Europa, Europa" Vega, 73 páginas, 2016



Vive-se, na Europa, e em Portugal, um momento em que parece que a racionalidade foi esquecida. Viajamos numa nova Nave dos Loucos, onde os interesses de cada um se sobrepõem ao da sociedade no seu conjunto. Facções políticas, mais à direita, ou mais à esquerda, não entendem que a Europa, sem se reformar a sério, será cada vez mais um museu de história, apenas propício para visitantes chineses em busca do que não têm no seu país. A Alemanha continua a alimentar a esperança que as exportações para a China substituam a quebra dos países da periferia da zona euro (não é por acaso que, em nove anos, foi sete vezes a Pequim).

A UE continua a encarar as reformas do Estado Social apenas na perspectiva dos cortes no custo do trabalho e na diminuição de rendimentos e prestações sociais. Tudo é visto pelo prisma das entidades financeiras que ocuparam o pensamento do Estado. Do lado da esquerda, o realismo também é de barricada ideológica: basta ver o documento de quatro economistas portugueses, onde até o aforro dos comuns mortais em dívida pública do seu país é posta em causa como se fosse um investimento "capitalista" e, portanto, "imoral". Diferentes fés ideológicas imolam a Europa só para satisfazer interesses individuais. A Europa que vive no condomínio privado de Bruxelas e que frequenta as recepções nos paraísos de ar condicionado de Berlim e Frankfurt, com um fraco poder económico, sem força militar (excepção da Grã-Bretanha e da França), e tendo deixado de ser um farol de valores democráticos, reduz-se à sua insignificância para glória alemã.

Este livro é o resultado da aventura teatral de Filomena Oliveira, dramaturga e encenadora, e de Miguel Real, escritor e ensaísta, que, partindo da mitologia grega (e dos conhecidos 12 trabalhos a que Hércules teve de se sujeitar para conquistar a imortalidade), acaba por ser uma crítica bem construída sobre o estado actual deste velho continente.

A personagem principal chama-se, claro, Europa, e vai saltando pelos 12 quadros da peça, fazendo-nos chocar com as duras realidades que ensombram os sonhos em que foi construída a ideia de unidade europeia e de solidariedade entre povos díspares. O sonho da personagem Europa é um espaço onde a liberdade, os direitos humanos e do ambiente, sejam pilares da imortalidade do continente. Ela, que agora se confronta com a mortalidade dos seus desígnios, face aos muitos desafios e apelos contraditórios a que está sujeita.

Para se realizar em liberdade, a personagem precisa de vencer os 12 trabalhos de Hércules. Conseguirá ainda. Europa sonha: "Os meus pais vieram de longe. Contaram-me o medo que sentiram, os perigos que ultrapassaram para aqui chegar, comigo nos braços. Atravessaram o Mediterrâneo em busca da terra da felicidade. Deram-me o nome da terra onde ambicionavam viver - Europa".

Mas a personagem defronta-se com os desafios: as fronteiras cerradas, a cobiça humana, a inveja, a poluição, o consumismo ou o poder da tecnologia ou do capital financeiro. Não há aqui palavras meigas. Há ideias fortes de inquietação. Que nos conduzem à reflexão. Questionar é o destino desta Europa e dos seus ideais através da peça teatral dos autores. Uma bela obra sobre a perplexidade e sobre os desafios que a todos se nos colocam.


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