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Os oito lados da existência

Em Octaedro o escritor argentino Julio Cortázar escreve oito contos como se quisesse que observássemos a realidade a partir de muitos e variados pontos.

16 de Setembro de 2017 às 12:00
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Julio Cortázar
Octaedro
Cavalo de Ferro,
125 páginas, 2017

Muitas vezes, Julio Cortázar utilizou o formato de oito textos para construir um livro. "Octaedro" utiliza o mesmo conceito, como se quisesse que observássemos a realidade a partir de muitos e variados pontos. Ou seja, o escritor quer dizer-nos que as acções humanas são impossíveis de analisar através de um único prisma. Isso é claro no primeiro conto do livro. Narrado na primeira pessoa, traz-nos Liliana, que acompanha os últimos dias de um doente terminal. Ela vai antecipando o velório a partir de um café, onde tudo se vai transformar numa verdadeira festa, por acção do álcool e da comida. Mas há o outro lado, o de quem acha que Liliana vai iniciar outra vida a seguir, quando tudo terminar.

Nestes contos há também o lugar para a ambiguidade suprema, como em "Lugar Chamado Kindberg", onde um cidadão de meia idade dá boleia a uma jovem "hippie" à beira de uma estrada deserta. A relação que se estabelece entre os dois, visível nos diálogos num hotel que parece não ter mais ninguém, é curiosa: ele pensa em sexo, mas ao mesmo tempo vai tentando convencer a jovem de que o desencanto com a vida não é uma coisa positiva.

No mundo da escrita fantástica de outros escritores da América Latina, Cortázar é muito mais reservado nos delírios. Ainda assim, em "Verão", um casal que está de regresso à cidade acolhe uma menina e, enquanto esta dorme, surge um cavalo enlouquecido no quintal. Será este o fruto de um sonho da menina? No fundo, o que Cortázar aqui nos traz é um conjunto de histórias que, sendo diferentes, poderiam ser partes integrantes de um todo, as diferentes faces de uma verdadeira figura que tentamos conhecer, apesar de isso ser impossível.

Ao longo das páginas vamos encontrando uma série de amores ardentes, viagens comuns e outras violentas, mistérios existenciais e outros simplesmente comovedores. O autor parece desejar que cada conto seja uma forma de o leitor acabar por não ficar num lugar cómodo. Instiga à reflexão. Todos os contos confrontam o leitor com questões como a solidão, a dor, a nostalgia e, sobretudo, a vida.

As surpresas que encontramos em cada história são um jogo que o autor propõe ao leitor, como se jogasse uma carta e quisesse uma réplica. Entre o irreal e o fantástico, Cortázar acaba por transformar sinais abstractos em acontecimentos concretos, mas com diferentes pontos de vista possíveis.

Nos contos constroem-se pequenas conexões com o nosso subconsciente, transportando-nos para um mundo onde os sonhos podem ou não ser. É um labirinto onde nos vamos perdendo e, ao mesmo tempo, encontrando.

A capacidade criativa do autor atira-nos exactamente para esse território das situações menos comuns, onde o que às vezes importa é a escrita e os sonhos que ela transporta para defronte dos nossos olhos. E, isso, Cortázar sabe fazer com grande capacidade e qualidade. Buscamos a essência do ser humano. Mas esse é um desafio sem fim.


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