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O governo das esquerdas e os seus dilemas

A solução governativa actual tanto poderá ser uma influência para a Europa, como poderá significar o fim das “alternativas” à hegemonia ideológica actual. O livro de André Freire abre um interessante debate.

18 de Fevereiro de 2017 às 12:15
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André Freire
Para lá da "Geringonça"
Contraponto, 230 páginas, 2017


A esquerda democrática a que nos habituámos, talvez por conveniência, a chamar social-democracia, tem hoje o dilema de Robinson Crusoe. Basta lembrarmos a história do famoso náufrago criado por Daniel Defoe que, exausto, chega a uma praia, onde acaba por encontrar partes do barco destroçado e vai tirando tábuas para construir uma barraca. E sobrevive.

São os restos de naufrágios recentes que ainda podem, neste mundo complexo, ser o começo de uma nova era para a social-democracia? Ou a economia financeira global, com o seu cada vez mais evidente conflito com a democracia política, são o canto do cisne de um modelo que teve a sua glória nos anos de ouro do pós-Segunda Guerra Mundial?

A experiência, pela primeira vez em Portugal, de um "governo de esquerdas" (PS, apoiado no Parlamento pelo BE e pelo PCP) reforça o debate sobre este tema. A questão talvez tenha a ver com a falta de um imaginário alternativo, suficientemente sólido para o PS. Quando, muito antes de morrer, o filósofo Zygmunt Bauman fez um discurso num encontro que assinalava o 150.º aniversário da morte do fundador do moderno movimento social-democrata alemão, Ferdinand Lassalle colocou o dedo na ferida.

Perguntou exactamente aquilo que os militantes da esquerda democrática se questionam há algum tempo: porque é que a social-democracia tem sido incapaz de utilizar a crise financeira e económica pós-2008 e de ter uma resposta para amplos sectores da população, que sofreram na pele esta crise devastadora, para mobilizar votos e renovar a identidade? Bauman recordou Lassalle, que pediu a unificação de grupos diferentes que desejassem a sociedade justa.

É de tudo isso que também fala André Freire neste muito estimulante "Para lá da 'Geringonça'", reflexão cuidada e arguta sobre os dilemas e contradições da esquerda portuguesa (e europeia) no pós-guerra.

André Freire sintetiza as razões porque a esquerda portuguesa está dividida há muito. E isso não passa apenas por questões de imaginários, mas atravessa questões como a divisão sindical, o papel do PCP em 1975 ou o peso das políticas de austeridade nos anos da troika. E acrescenta: "A inclusão da esquerda radical na esfera governativa poderá também trazer uma pressão significativa no sentido de uma Europa mais social e mais democrática, que proteja mais as minorias territoriais (isto é, os pequenos Estados), sobretudo se contagiar outros países.

Por isso também há tanta pressão das forças na Europa, mormente alinhadas à direita, para que tal não suceda". Essa é uma questão pertinente: a solução portuguesa, se resultar, poderá, no entender de André Freire, contagiar outros países. Se falhar, poderá fechar em grande parte a lógica de "alternativa" à hegemonia ideológica que é reinante na Europa, onde se defende que só as políticas liberais seguidas são as correctas.

O estudo cuidado que encontramos nestas páginas, fruto de uma análise dos tempos modernos e de uma reflexão extremamente importante, abre novos horizontes para um debate necessário. Este livro é um excelente farol para iluminar um debate que pode e deve ser feito.

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