Notícia
No mundo da Rota da Seda
Numa altura em que tanto se volta a falar da Rota da Seda, o livro faz um percurso histórico sobre esta grande teia de conexões comerciais e étnicas.
Peter Frankopan
As Rotas da Seda
Relógio D'Água, 727 páginas, 2018
Passados tantos séculos, a Rota da Seda continua a fascinar historiadores, políticos ou simples curiosos. Até porque a China, com a sua tentativa de introduzir uma nova Rota da Seda, deu um novo impulso a esse imaginário que nos faz sempre recordar Marco Polo, as repúblicas italianas e, depois, a aventura marítima portuguesa até à Índia, que haveria de colocar em causa todo este comércio.
Peter Frankopan, neste excelente livro sobre a evolução da Rota da Seda até ao presente, faz-nos perceber melhor esta magnífica rede de contactos comerciais, culturais e civilizacionais. Não era apenas uma estrada de troca de produtos. O centro da sua narrativa é a Ásia Central, a Ásia Menor, o Cáucaso, a China e o Médio Oriente, tudo zonas que acabaram por estar seriamente influenciadas por esta conexão. É curiosamente Frankopan que nos faz ver que, apesar desta centralidade, essa Euroásia continua a ser extremamente exótica e misteriosa.
Reaprender o que foi a Rota da Seda, na sua múltipla complexidade, é uma forma de entendermos melhor tudo aquilo que se discute hoje no Médio Oriente e mesmo na Ásia Central. Ou nas relações entre o Ocidente, a China e a Rússia. Para mostrar a corrente ignorância sobre o tema, o autor apresenta-nos documentos recentes americanos que mostram a ignorância total de responsáveis sobre a vasta região, o seu passado e os desafios que daí decorrem. Frankopan recorda as ligações civilizacionais que ali aconteceram, desde a história do imperador indiano Ashoka, cuja vida foi transformada por Buda à civilizada Síria do século VII, que fazia as delícias de um viajante chinês. A sua análise económica também é muito lúcida: a seda era não apenas um produto de luxo, mas uma moeda de troca internacional.
O autor conta-nos múltiplas histórias à volta da Rota da Seda e isso ajuda-nos a recalibrar a nossa visão da História sobre um território tão vasto. Muitas vezes, encaramos sempre a História sobre um ponto de vista ocidental e isso faz com que olhemos para o centro do mundo não no Mediterrâneo, mas algures entre a Mesopotâmia e o Cáucaso, sobretudo na zona iraniana. As rotas da seda são, na verdade, artérias onde pessoas, mercadorias, ideias, religiões, doenças e outras coisas circulavam. Afinal, a ideia de "rota da seda" é bastante recente, tendo sido cunhada em 1877 pelo geógrafo alemão Ferdinand von Richthofen, tio do conhecido ás aviador da I Guerra Mundial.
Muitas das mais férteis rotas entre a China e o Mediterrâneo percorriam aquilo que hoje encaramos como países muito perigosos (Afeganistão, Iraque e Paquistão). A ideia de que o centro do mundo foi em tempos a Pérsia não é uma ideia nova. No século XIX, havia muito essa convicção, quando se percebeu a riqueza das civilizações que ali germinaram, com os seus conhecimentos culturais, científicos e outros. Há dois mil anos, as sedas chinesas eram usadas pela corte de Cartago, os iranianos ricos usavam loiça da Provença e algumas especiarias indianas faziam parte da cozinha romana.
As Rotas da Seda
Relógio D'Água, 727 páginas, 2018
Passados tantos séculos, a Rota da Seda continua a fascinar historiadores, políticos ou simples curiosos. Até porque a China, com a sua tentativa de introduzir uma nova Rota da Seda, deu um novo impulso a esse imaginário que nos faz sempre recordar Marco Polo, as repúblicas italianas e, depois, a aventura marítima portuguesa até à Índia, que haveria de colocar em causa todo este comércio.
Reaprender o que foi a Rota da Seda, na sua múltipla complexidade, é uma forma de entendermos melhor tudo aquilo que se discute hoje no Médio Oriente e mesmo na Ásia Central. Ou nas relações entre o Ocidente, a China e a Rússia. Para mostrar a corrente ignorância sobre o tema, o autor apresenta-nos documentos recentes americanos que mostram a ignorância total de responsáveis sobre a vasta região, o seu passado e os desafios que daí decorrem. Frankopan recorda as ligações civilizacionais que ali aconteceram, desde a história do imperador indiano Ashoka, cuja vida foi transformada por Buda à civilizada Síria do século VII, que fazia as delícias de um viajante chinês. A sua análise económica também é muito lúcida: a seda era não apenas um produto de luxo, mas uma moeda de troca internacional.
O autor conta-nos múltiplas histórias à volta da Rota da Seda e isso ajuda-nos a recalibrar a nossa visão da História sobre um território tão vasto. Muitas vezes, encaramos sempre a História sobre um ponto de vista ocidental e isso faz com que olhemos para o centro do mundo não no Mediterrâneo, mas algures entre a Mesopotâmia e o Cáucaso, sobretudo na zona iraniana. As rotas da seda são, na verdade, artérias onde pessoas, mercadorias, ideias, religiões, doenças e outras coisas circulavam. Afinal, a ideia de "rota da seda" é bastante recente, tendo sido cunhada em 1877 pelo geógrafo alemão Ferdinand von Richthofen, tio do conhecido ás aviador da I Guerra Mundial.
Muitas das mais férteis rotas entre a China e o Mediterrâneo percorriam aquilo que hoje encaramos como países muito perigosos (Afeganistão, Iraque e Paquistão). A ideia de que o centro do mundo foi em tempos a Pérsia não é uma ideia nova. No século XIX, havia muito essa convicção, quando se percebeu a riqueza das civilizações que ali germinaram, com os seus conhecimentos culturais, científicos e outros. Há dois mil anos, as sedas chinesas eram usadas pela corte de Cartago, os iranianos ricos usavam loiça da Provença e algumas especiarias indianas faziam parte da cozinha romana.