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Em busca da culpa e da inocência

Margaret Atwood é uma das maiores escritoras das últimas décadas, como se pode ver na sua obra. Com a adaptação televisiva de alguns dos seus romances, volta a ficar debaixo dos holofotes.

15 de Setembro de 2018 às 17:00
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Margaret Atwood
Chamavam-lhe Grace
Bertrand Editora,
478 páginas, 2018


Margaret Atwood é uma das grandes damas da literatura universal. Os seus livros, frescos sobre o presente e, sobretudo, sobre o futuro, são intromissões no pensamento bem comportado que nos gere na sociedade de consumo rápida. Fazem-nos pensar. "A História de uma Serva" (que teve uma versão televisiva recente e recolocou os holofotes sobre a obra de Atwood) era o relato, na primeira pessoa, de uma jovem mulher que vive mergulhada num regime chauvinista e totalitário num futuro não muito distante. Nesse país de pesadelo, a República de Gileade (como se chamam então os actuais Estados Unidos), a taxa de natalidade é perigosamente baixa e assim a narradora é forçada a tornar-se uma serva de um alto funcionário, com um único propósito: procriar. O regime é profundamente totalitário e masculino. O nível de vida dos cidadãos depende do sexo e da raça.

"Chamavam-lhe Grace", editada originalmente em 1996, teve agora também uma adaptação da Netflix. Baseia-se num caso real de assassinato no Canadá em 1843, quando a emigrante irlandesa Grace Marks e James McDermott são condenados pela morte de Thomas Kinnear (na casa de qual trabalhavam) e da sua amante Nancy Montgomery. McDermott foi enforcado e Grace condenada a prisão perpétua. Atwood busca perceber se Grace é inocente ou culpada, no meio de um grande sentimento antiemigrantes de uma sociedade de castas e classes. A versão de Grace dos factos é alterada pelo advogado, pervertida pela imprensa sensacionalista e distorcida por divertimento da própria, face a tudo o que viu na vida. Sobretudo o que os homens que mandavam tinham para lhe oferecer.

O livro evoca o estilo da época em que decorre, onde há uma percepção muito gótica. Atwood gosta de explorar e dramatizar certas ideias e faz isso como poucos. Os temas sobre os quais reflecte são, muitas vezes, mais importantes do que as personagens. Atwood olha clinicamente para a sociedade e busca perceber o que a motiva em determinados momentos. A personalidade individual de Grace serve aqui perfeitamente para Atwood percorrer os temas da culpa e da inocência, da classe, da criminalidade e do género.

É aí que entra um jovem doutor de Massachussetts, Simon Jordan, contratado por um grupo de cidadãos que querem reabilitar Grace. Ele procura que Grace recupere a sua memória desse tempo. A novela alterna os pontos de vista de Grace com uma narração na terceira pessoa e que descreve sobretudo as acções de Simon Jordan. Algo que também nos permite perceber o mundo da elite de Toronto nessa altura do século XIX. As actividades domésticas de quem pertencia às classes menos abastadas são aqui descritas com acuidade, o que dá ainda mais colorido a este livro poderoso e estimulante como é típico na prosa de Atwood. "Chamavam-lhe Grace" é um emblemático livro desta escritora de grande dimensão e que tem sido capaz, ao longo dos anos, de abrir janelas para discussões sobre temas que têm que ver com a nossa vida em sociedade. E este livro, para ler antes de se ver a série, é fascinante.



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