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À volta do tema da democracia

Tzvetan Todorov foi um dos mais entusiasmantes pensadores ocidentais das últimas décadas. Este seu livro ajuda-nos a perceber o labirinto onde as democracias parecem perdidas.

11 de Março de 2017 às 12:15
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Tzvetan Todorov
Os Inimigos Íntimos da Democracia
Edições 70, 222 páginas, 2017


Há livros que são uma fonte inesgotável de reflexões sobre a sociedade actual. Necessárias, sobretudo na idade das pós-verdades e das verdades relativas, onde se assiste ao falsear militante das notícias e ao afunilamento do debate e do contraponto de ideias. "Os Inimigos Íntimos da Democracia", de Tzvetan Todorov (o filósofo búlgaro falecido já este ano), é por isso mesmo um livro que nos obriga a pensar e a questionar.

Diferentes áreas abrangem as reflexões de Todorov neste livro editado originariamente em França em 2012 mas que continua extremamente actual. Todas elas se reconduzem ao desconforto do sistema democrático, algo que sentimos neste mundo global, mas estilhaçado por nacionalismos, onde o neoliberalismo se tornou uma verdadeira religião que, de forma sibilina, foi criando uma lógica de vida e de pensamento extremamente duvidosa para a felicidade humana.

Todorov vai ao passado para explicar o presente e recorda as palavras de do ensaísta francês Charles Péguy, no início do século XX (segundo o escritor, a Declaração dos Direitos do Homem tinha o suficiente para declarar a guerra a tudo e a todos), para mostrar como a sociedade está a ser moldada por valores de destruição. E diz mesmo que Péguy tinha razão, porque a grande ameaça à paz mundial não é o extremismo religioso ou o terrorismo transfronteiriço, mas começa com os devotos modernos da democracia, cujo afã de defesa dos "direitos humanos" foi desenhado por quem cresceu debaixo de um regime totalitário. O resultado foi um conjunto de desastres de cada vez que o Ocidente tentou "ajudar" outros países a ser como ele próprio, do Afeganistão ao Iraque ou mesmo ao Kosovo (hoje governado por grupos de criminosos e onde a discriminação contra os sérvios é total e estes passaram as ser as vítimas).

Um alvo potencial de Todorov é o teólogo cristão Santo Agostinho, cuja influência é determinante no pensamento neoconservador e, claro, na deslocação do mundo onde as leis eram fulcrais para um mundo em que os contratos são hegemónicos (aquele em que a globalização aposta). E vislumbra aquilo que começa a ser notório nalgumas sociedades: "Doravante, enquanto os benefícios continuam a ser individuais, os riscos são socializados. Trata-se de um 'neoliberalismo de Estado', contradição nos termos que faz duvidar da coerência interna do projecto. Constant não previra que o Estado podia, simultaneamente, reforçar o seu controlo sobre a vida dos indivíduos e colocar-se ao serviço de alguns deles. (...) O liberalismo partilha também com o marxismo a convicção segundo a qual a vida social dos homens depende essencialmente da economia. Já não se trata simplesmente de isolar a economia das outras actividades humanas, mas de lhe atribuir um papel dominante. (...) Hoje, a globalização, outra característica deste novo período, leva a que os actores da vida económica escapem facilmente ao controlo dos governos locais: ao primeiro entrave, a empresa multinacional desloca as suas fábricas para um país mais acolhedor. São os empresários que, hoje, aplicam a antiga palavra de ordem marxista, impondo a união dos proletários de todos os países...". Ou melhor, como extremos se tocam neste mundo que volta a ser de bons e maus.



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