Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Não há tomate como o Coração de Boi do Douro

A terceira edição do Concurso do Tomate Coração de Boi do Douro desencadeou o processo de criação de uma Indicação Geográfica Protegida. Tanta riqueza tem de ser melhor aproveitada.

O melhor tomate foi o da Quinta do Orgal. Em segundo lugar, ficou a Quinta da Boavista e, em terceiro, a Quinta da Gaivosa. Nuno André Ferreira
01 de Setembro de 2018 às 19:00
  • ...
Aquele que nasceu como um encontro informal entre amigos é bem capaz de, hoje, ser o mais importante evento sobre tomate que se realiza no país. O Concurso de Tomate Coração de Boi do Douro é uma festa, sim, mas uma festa que olha para o fruto como um património do terroir do Douro e como um elemento de criação de riqueza para a região. Na terceira edição, que decorreu na semana passada na Quinta do Vallado, o júri, através de prova cega, considerou que o melhor tomate foi criado na Quinta do Orgal (Douro Superior). Em segundo lugar ficou a Quinta da Boavista (Cima Corgo) e, em terceiro, a Quinta da Gaivosa (Baixo Corgo).

Apesar do ano climático esquizofrénico, originando oscilações nos períodos de maturação de todos os frutos, o presidente do júri, Francisco Pavão, entendeu que, nesta edição, havia "uma considerável homogeneidade de qualidade de alguns dos 22 concorrentes". Entre outras razões, é bem possível que tal se deva ao envio para a prova de frutos no ponto de maturação correcta. E esta é uma lição que deveria ser espalhada por todo o país: o tomate para salada deve estar maduro, e não meio maduro, coisa que nem se adequa ao nosso organismo.

De ano para ano nota-se que há uma preocupação acrescida dos responsáveis das quintas concorrentes na questão da qualidade do tomate e na forma como o apresentam ao júri. Os tomateiros andavam a apanhar chuva e frio no Verão e alguns concorrentes ligavam preocupados com o atraso nas maturações. Não era o caso de Abílio Tavares da Silva - um dos organizadores do concurso -, para quem "a natureza acaba sempre por orientar bem as coisas". De maneira que tomate maduro não faltou para os jurados, para os chefes Miguel Castro Silva, Leopoldo Calhau e Daniel Gomes, para o público que pôde provar tomate de cada concorrente e até o mercado de rua que decorreu na Capela de Arroios - evento popular aberto à população de Vila Real e arredores.

No país que se orgulha - e bem - de produzir tomate para a indústria de altíssima qualidade, a produção e venda de tomate de salada é um processo bem mal amanhado. Com excepção de algumas feiras biológicas de meia dúzia de cidades - onde podemos ver inúmeras variedades de tomate - ou de um ou outro mercado municipal, as grandes cadeias de distribuição oferecem tomate de má qualidade. Frutos de estufa com estágio prolongado em câmaras de frio, todos calibrados, sem pingo de cheiro e sabor. Uma vergonha. É escola da horticultura de Almeria no seu melhor.

Ora, mais importante do que o concurso propriamente dito, o evento tem como objectivo chamar a atenção dos gastrónomos viajantes que o Douro não é só vinho e paisagem. O Douro é um terroir extraordinário para a produção de um sem-número de frutos e vegetais de alta qualidade.

Hoje falamos de tomate coração-de-boi, mas poderíamos falar da amêndoa do Douro (tão abandonada, valha-nos Deus ), do figo do Douro, da laranja do Douro ou até das favas com as quais se fazem os famosos "cornelhos" .

Como é evidente, nada disso se faz sem gente. Toda a horta da Quinta do Vallado causou espanto naqueles que passaram pela festa no passado dia 24. Exuberante, riquíssima na variedade, está a cargo de Manuel Rodrigues, o hortelão da casa que até tem, neste momento, uma área de produção de alcachofras - planta que ele nem conhecia há um ano... Manuel Rodrigues não sabe qual é a origem do tomate coração-de-boi, nem sabe nada de avaliações de teor Brix dos frutos, que isso é coisa para gente da ciência. Mas há uma coisa que sabemos bem: se pedíssemos a um académico para fazer uma horta de tomate, duvido que ele fizesse uma igual à de Manuel Rodrigues. Conclusão: há que juntar cientistas e hortelões. Ambos fazem parte do terroir do Douro. Uma região que se preze deve promover todos aqueles que se destacam.

E, como estamos perante produtos perecíveis, a sua degustação é muito mais interessante quando nos deslocamos ao território onde são produzidos, razão pela qual vários restaurantes do Douro aderiram à ideia de apresentar, durante a campanha do tomate, pratos especiais com tomate de coração-de-boi. Não deixa de ser curioso ver gente fora da região chegar ao restaurante Toca da Raposo (um templo gastronómico em Ervedosa do Douro) e, antes de se sentar à mesa, perguntar se há ou não tomate na casa. Há três anos, nada disto acontecia.

A novidade nesta edição do concurso foi o anúncio de uma associação que tem como objectivo desencadear a criação de uma Indicação Geográfica Protegida para o Tomate Coração de Boi do Douro, visto que, de acordo com Celeste Pereira - organizadora do concurso através da Greengrape -, "facilmente se conclui que em nenhum outro território do país esta variedade atinge tanta qualidade nos parâmetros de doçura, textura, firmeza, aroma e sabor". Mais difícil será meter um conjunto de entidades públicas e políticas em sintonia, mas, enfim, esperemos que a boa ideia finte as malhas da nossa tradicional burocracia - essa, sim, já merecedora de um selo de Denominação de Origem Protegida.


Ver comentários
Saber mais Tomate Douro Vila Real Arroios Quinta do Vallado Quinta do Orgal Quinta da Boavista Quinta da Gaivosa Miguel Castro Silva Leopoldo Calhau
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio