Notícia
Uma penalização para os traficantes de património
As Nações Unidas poderão discutir, a curto prazo, uma resolução de combate ao tráfico ilícito de propriedade cultural com origem em zonas de conflito armado.
05 de Novembro de 2016 às 10:15
São várias as discussões decisivas, e sempre adiadas, sobre o tema da violação e preservação de antiguidades com valor histórico e com valor de património da humanidade. A mais conhecida, porque a mais mediática, é a da propriedade legítima de artefactos com enorme valor histórico, verdadeiro património humano, e opõe, como não poderia deixar de ser, os Estados outrora colonizados às potências imperiais.
O que está em causa, de um modo simples, é que os Estados que foram colonizados defendem, com razão, que as nações colonialistas tomaram posse dos artefactos e os transportaram para os seus países. Nesta disputa, longe de estar resolvida, os Estados mais activos adoptam duas estratégias distintas. O Egipto e a Turquia, por exemplo, escolhem os tribunais, enquanto a China oscila entre os tribunais e a compra particular ou em leilão.
Uma outra discussão, mais silenciosa, mas não menos importante, é a da penalização dos Estados que não asseguram a protecção e a preservação dos bens e, nesta área, pouco se tem evoluído, pela dificuldade técnica de forçar Estados com soberania a serem penalizados.
Nos últimos anos, muito por força da destruição de património cultural em zonas de conflito armado como o Afeganistão, o Mali, o Iémen, o Iraque e a Síria, duas novas linhas de debate foram levantadas. Uma tem que ver com a possibilidade de criminalização dos autores, individuais e colectivos, da destruição de património, passando este tipo de acto a ser incluído nos crimes de guerra. É uma hipótese que circula nos corredores da ONU, entre outros, apoiada pela UNESCO, e que poderia servir como elemento intimidatório de alto valor.
Uma outra hipótese é, obviamente, a responsabilização, e eventual criminalização, dos agentes que permitem a circulação dos bens culturais adquiridos ilegalmente e que são os "dealers" de antiguidades e as casas leiloeiras. Nesta frente, sempre combatida pelo forte "lobby" dos agentes referidos, abriu-se agora uma nova frente, desencadeada por Chipre, um Estado com grande experiência no tema, que assumiu recentemente a presidência do Conselho da Europa. O que Chipre propôs ao Conselho de Segurança da ONU, e espera que os Estados-membros aprovem num espaço de tempo curto, é uma resolução que, na prática, é uma inversão simples da prova no capítulo do tráfico ilícito de propriedade cultural. Para Chipre, em zonas de conflito armado, a prova de comércio legítimo, ou seja, de que um Estado legítimo cedeu ou comercializou legalmente um bem, deve passar a ser feita, ao contrário do que acontece até agora, pelos agentes comerciais, isto é, os referidos "dealers" e casas leiloeiras.
Como era de esperar, a proposta está a ser ferozmente combatida pelos que se consideram atingidos. Não deveria ser assim, porque a quantidade de argumentos hipócritas que os agentes citados apresentam nos últimos anos para se justificarem - de que é impossível obter um documento ou que estão a proteger o património - é verdadeiramente avassaladora. Na verdade, o património de uma zona de conflito deve ficar no lugar a que pertence, ou, em caso de perigo, deve ser transportado para organizações sem fins lucrativos que o protejam, como a ONU.
*Nota ao leitor: Os bens culturais, também classificados como bens de paixão, deixaram de ser um investimento de elite, e a designação inclui hoje uma panóplia gigantesca de temas, que vão dos mais tradicionais, como a arte ou os automóveis clássicos, a outros totalmente contemporâneos, como são os têxteis, o mobiliário de design ou a moda. Ao mesmo tempo, os bens culturais são activos acessíveis e disputados em mercados globais extremamente competitivos. Semanalmente, o Negócios irá revelar algumas das histórias fascinantes relacionadas com estes mercados, partilhando assim, de forma independente, a informação mais preciosa.
O que está em causa, de um modo simples, é que os Estados que foram colonizados defendem, com razão, que as nações colonialistas tomaram posse dos artefactos e os transportaram para os seus países. Nesta disputa, longe de estar resolvida, os Estados mais activos adoptam duas estratégias distintas. O Egipto e a Turquia, por exemplo, escolhem os tribunais, enquanto a China oscila entre os tribunais e a compra particular ou em leilão.
Nos últimos anos, muito por força da destruição de património cultural em zonas de conflito armado como o Afeganistão, o Mali, o Iémen, o Iraque e a Síria, duas novas linhas de debate foram levantadas. Uma tem que ver com a possibilidade de criminalização dos autores, individuais e colectivos, da destruição de património, passando este tipo de acto a ser incluído nos crimes de guerra. É uma hipótese que circula nos corredores da ONU, entre outros, apoiada pela UNESCO, e que poderia servir como elemento intimidatório de alto valor.
Uma outra hipótese é, obviamente, a responsabilização, e eventual criminalização, dos agentes que permitem a circulação dos bens culturais adquiridos ilegalmente e que são os "dealers" de antiguidades e as casas leiloeiras. Nesta frente, sempre combatida pelo forte "lobby" dos agentes referidos, abriu-se agora uma nova frente, desencadeada por Chipre, um Estado com grande experiência no tema, que assumiu recentemente a presidência do Conselho da Europa. O que Chipre propôs ao Conselho de Segurança da ONU, e espera que os Estados-membros aprovem num espaço de tempo curto, é uma resolução que, na prática, é uma inversão simples da prova no capítulo do tráfico ilícito de propriedade cultural. Para Chipre, em zonas de conflito armado, a prova de comércio legítimo, ou seja, de que um Estado legítimo cedeu ou comercializou legalmente um bem, deve passar a ser feita, ao contrário do que acontece até agora, pelos agentes comerciais, isto é, os referidos "dealers" e casas leiloeiras.
Como era de esperar, a proposta está a ser ferozmente combatida pelos que se consideram atingidos. Não deveria ser assim, porque a quantidade de argumentos hipócritas que os agentes citados apresentam nos últimos anos para se justificarem - de que é impossível obter um documento ou que estão a proteger o património - é verdadeiramente avassaladora. Na verdade, o património de uma zona de conflito deve ficar no lugar a que pertence, ou, em caso de perigo, deve ser transportado para organizações sem fins lucrativos que o protejam, como a ONU.
A negligência portuguesa No caso português, notam-se dois traços muito importantes de má preservação do património. O primeiro é uma quase negligência criminosa, que vai da permissão passiva de destruição à falta de financiamento de trabalho arqueológico e museológico. O segundo é o silêncio em relação às ex-colónias, que, quando possuem capital financeiro, como é o caso de Angola, optam por recuperar as peças em leilão.
*Nota ao leitor: Os bens culturais, também classificados como bens de paixão, deixaram de ser um investimento de elite, e a designação inclui hoje uma panóplia gigantesca de temas, que vão dos mais tradicionais, como a arte ou os automóveis clássicos, a outros totalmente contemporâneos, como são os têxteis, o mobiliário de design ou a moda. Ao mesmo tempo, os bens culturais são activos acessíveis e disputados em mercados globais extremamente competitivos. Semanalmente, o Negócios irá revelar algumas das histórias fascinantes relacionadas com estes mercados, partilhando assim, de forma independente, a informação mais preciosa.