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Uma casa para as outras artes portuguesas

A criação e o artesanato português, nas mais variadas disciplinas e temas, nunca estiveram tão fortes, mas podem morrer rapidamente, se este importante sector não ganhar profissionalismo e visibilidade.

17 de Dezembro de 2016 às 10:15
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É preciso ser paciente, disciplinado e meticuloso, mas o tempo empregado e a caminhada pelas mais variadas geografias nacionais, normalmente, geram recompensa. Falamos, claro, do mais caótico e incontrolável, mas também do mais entusiasmante, protótipo de mercado nacional, aquele que agrupa, sem ordem possível, os criadores, designers e artesãos fora dos circuitos comerciais estabelecidos e das artes mais consagradas.

Num esforço titânico para dar alguma ordem à múltipla desordem, será porventura útil, antes de tudo o mais, enunciar o que está excluído deste mundo, em traços gerais. Estão obviamente excluídas as artes mais normalizadas, como a pintura e a fotografia e as antiguidades, porque, apesar de tudo, possuem um circuito e um mercado validado, e todas as produções que metam design, mas que tenham a produção em série como estratégia.

Assim, o que constitui este protótipo de mercado é uma panóplia de produções que são de autor, que surgem em peças únicas ou em séries muito limitadas, e que dão sempre uma importância grande ao vector estético, a par do funcional. Com estes padrões, temos um quadro nacional que toca muitos temas, como cerâmica, madeira, papel, têxteis, pele, ferro, e as mais variadas expressões, do azulejo aos aparadores, passando pelas carteiras, pela moda, pelos candeeiros, pelos blocos de nota, e por mais um número considerável de objectos.

Quem acompanha esta paisagem nacional de há muito nota certamente um aceleramento fantástico nos últimos cinco anos. De repente, parece que se passou da ausência para a explosão de criadores e artesãos, e para a oferta inesgotável de produtos e objectos. Há, obviamente, várias explicações para isto. As plataformas, nós e fluxos virtuais permitiram a aquisição de conhecimento, a compra a preços baixos de matéria-prima, e a comercialização da produção. Ao mesmo tempo, algumas das culturas dominantes do momento, do empreendedorismo ao espaço partilhado, fizeram os criadores acreditar que se podiam lançar sozinhos e vingar.

Assim sendo, devíamos estar no paraíso, isto é, os criadores a comercializarem com êxito a sua produção, e nós, agentes da procura, satisfeitos com as novas possibilidades e o nosso apoio ao sangue novo. Infelizmente, esta vivência do paraíso só está acessível a uma minoria de criadores e consumidores. Vários problemas maiores contribuem para esta desolação, mas os fundamentais são o amadorismo e a falta de visibilidade dos criadores. O amadorismo manifesta-se de várias maneiras. Um criador que defende que produz peças de autor ou séries limitadas, e depois não as assina e numera, perde toda a credibilidade. O mesmo acontece, claro, quando um criador não tem uma ficha da sua peça, nem um certificado de autenticidade. E ainda, noutra dimensão, quando apresenta um preço absurdo para uma peça, procurando assim garantir a liquidez, está a abater a sua marca, porque a concorrência, hoje, encontra-se muito acessível.

A visibilidade, no entanto, é o problema maior. É certo que começam a aparecer espaços partilhados, novas opções de espaços comerciais, feiras e mostras, e todos os criadores têm, claro, a sua "lojinha" no Facebook ou no Instagram, ou num site de "template" predefinido. Mas não chega. O que existe neste momento é um enorme território vazio, o da visibilidade do produto perante os consumidores, que tem de ser eliminado por uma entidade com interesse neste mercado. Pode ser uma associação representativa dos criadores, pode ser uma edilidade, pode ser o Estado central, mas alguém tem de criar uma rede de postos de colocação e venda dos produtos. Se tal não acontecer, os criadores e os seus objectos morrem todos os dias, como está a acontecer. E com eles morrem alternativa, património, emprego e receita fiscal.


*Nota ao leitor: Os bens culturais, também classificados como bens de paixão, deixaram de ser um investimento de elite, e a designação inclui hoje uma panóplia gigantesca de temas, que vão dos mais tradicionais, como a arte ou os automóveis clássicos, a outros totalmente contemporâneos, como são os têxteis, o mobiliário de design ou a moda. Ao mesmo tempo, os bens culturais são activos acessíveis e disputados em mercados globais extremamente competitivos. Semanalmente, o Negócios irá revelar algumas das histórias fascinantes relacionadas com estes mercados, partilhando assim, de forma independente, a informação mais preciosa.


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