Notícia
Portugal e o desafio de redescobrir o Japão
Portugal tem laços históricos e culturais antigos com o Japão, mas não tem sabido tirar partido deles para fazer negócios. Os japoneses dizem ter uma relação especial com os portugueses, mas guardam deles uma imagem com 500 anos. O potencial existe, saberemos aproveitá-lo?
É uma das primeiras cenas do filme "Silêncio". Os padres jesuítas que vão ao Japão em busca do português Cristóvão Ferreira são surpreendidos por um japonês numa caverna. Temem pela vida: estão na ilha de forma clandestina, porque o regime Tokugawa proibira o cristianismo e expulsara os portugueses. A tensão desaparece quando ouvem o japonês perguntar: "Padre?" Em português.
É um episódio que evidencia a forma como os portugueses enraizaram a cultura lusa no país, a reboque da religião. Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao Japão, em 1543, e todos os japoneses aprendem isso na escola. Por isso, sentem uma afinidade especial com Portugal, garante o embaixador japonês em Lisboa, Hiroshi Azuma.
Uma afinidade que se alicerça nas 300 palavras de origem portuguesa que são actualmente usadas na língua japonesa - entre as mais conhecidas (em alfabeto romaji) estão bidoro (vidro), pan (pão), tabako (tabaco), furasuku (frasco), karameru (caramelo), birodo (veludo) ou kirisitu (Cristo). Mas não arigato, que tem sido erradamente associada aos portugueses.
A imagem de Portugal está muito ligada a esse período de há quase 500 anos, que terminou de forma trágica e violenta. O retomar das relações tem sido feito de forma muito lenta, com um aparente desinteresse da República Portuguesa. Apesar da longa história entre os dois países, o Japão, que é a terceira maior economia mundial, é apenas o 37.º maior cliente das exportações nacionais, uma posição muito modesta.
"Continuamos a não saber aproveitar a proximidade que existe", reconhece a investigadora Ana Fernandes Pinto, que se especializou na História do Japão e doutorou-se em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa.
E porquê? As razões são variadas. A distância e a língua são barreiras naturais, mas há muitas oportunidades ainda por aproveitar. "O mercado japonês tem um enorme potencial para os produtos portugueses e há margem para explorá-lo mais, não só em volume, mas sobretudo em valor", diz fonte oficial da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP).
A AICEP vê o Japão como um mercado estratégico desde 2014 e até criou uma equipa de seis "scouts" - especialistas focados na captação de investimento - no país. Em Fevereiro, o ainda presidente da agência, Miguel Frasquilho, esteve três dias no Japão para um "roadshow" de captação de investimento, que deverá resultar no reforço de empresas japonesas em Portugal "em diversas áreas".
Actualmente, há 77 empresas japonesas em Portugal, perto de duas dezenas delas com funcionários japoneses. O Japão esteve sempre à frente de Portugal nas trocas comerciais, por ser uma economia "fortemente orientada para exportações de produtos com muito valor acrescentado" e ter "uma indústria forte e competitiva, que está em posições cimeiras e mesmo de liderança em vários sectores", justifica a AICEP. Nos anos 1999 e 2000, as importações de bens do Japão ultrapassaram os mil milhões de euros. Nesses anos, Portugal exportou 100 e 119 milhões, respectivamente. Mais recentemente, o país melhorou as exportações e o Japão passou a vender menos.
Apesar de algumas empresas portuguesas estarem há já várias décadas no Japão, como a Corticeira Amorim, só existem outras quatro companhias lusas instaladas no País do Sol Nascente: Hovione (produtos farmacêuticos), 1756 Portuguese Wine Company (vinho), Martifer Solar (energia solar) e Lizmontagens (equipamento industrial). Ainda assim, prossegue a AICEP, há "largas centenas de empresas portuguesas a exportar para o Japão". No ano passado, eram 865. A Bial, Hovione e a Ikea de Paços de Ferreira são as principais exportadoras nacionais.
A esperteza dos holandeses
A História também explica por que razão a relação entre Portugal e Japão tem sido tão distante. Depois da chegada em 1543 ao Japão, Portugal iniciou a cristianização do território ao mesmo tempo que se assumia como o principal interlocutor dos japoneses no comércio com a China. A introdução da arma de fogo (o arcabuz) no Japão permitiu estabilizar um país que estava envolto numa guerra civil e com um poder meramente simbólico nas mãos do governo militar do shogun. Quem detinha o poder, de facto, eram os daimyos, ou senhores locais, que lutavam entre si para controlar mais território.
O Japão era um país desagregado, sem um poder firme, e isso facilitou a expansão do cristianismo. A arma de fogo permitiu que as disputas fossem diminuindo, terminando eventualmente com a ascensão ao poder do shogun Tokugawa. Nessa altura, regressou ao país o poder centralizado.
Os holandeses aproveitaram a nova conjuntura. "Um dos unificadores do Japão sabia que atrás dos missionários vêm os conquistadores, o poder militar. E os holandeses, que também já tinham chegado ao Japão, aproveitaram a desconfiança que já existia face a Portugal e propagandearam a ideia de que os portugueses iriam levar o poder militar para o país", explica Ana Fernandes Pinto. "E disseram que eles também não queriam fazer a cristianização, porque eram protestantes."
Após a expulsão dos portugueses, os holandeses tomam-lhes o lugar como principais parceiros de negócios e são o único país ocidental que continua a ter via aberta com Tóquio no período de isolamento face ao Ocidente - o período Edo, que duraria até 1868.
Após a reabertura ao Ocidente, a Holanda não ficou à espera. "O primeiro tratado que os japoneses fazem nessa altura é com os Estados Unidos e depois com a Holanda, e nós vamos a reboque da Holanda", observa. "Os holandeses têm trabalhado nesse legado histórico até à exaustão. Nós não lhe ligamos. É muito estranho, porque os japoneses valorizam, e muito, esse legado", afiança Ana Fernandes Pinto.
Prova disso são as relações comerciais entre a Holanda e o Japão: os holandeses exportaram 3,4 mil milhões de euros para o País do Sol Nascente no ano passado. Esse valor equivale a todas as exportações de Portugal para o Japão desde… 1991. As importações de bens desde o Japão também são outro campeonato: 8,1 mil milhões de euros no ano passado (o equivalente a todos os bens que Portugal comprou ao Japão desde o ano 2000).
José Miguel Pinto dos Santos, professor na AESE Business School, em Lisboa, doutorou-se em Finanças na Universidade de Hiroxima, e confirma que os holandeses aproveitaram a oportunidade. "Na ilha de Kyushu [ilha mais a sul do Japão], há muitas referências aos portugueses, mas nada que se compare aos holandeses", exemplifica. Porém, "a relação sentimental existe" e, como no Japão as relações comerciais "são muito baseadas nas relações pessoais, pode ser uma vantagem referir esse passado comum".
Redescoberta a reboque de Abe
Ana Fernandes Pinto diz que "ser português é uma enorme porta aberta". E os japoneses confirmam. O embaixador Hiroshi Azuma garante que Portugal é "muito especial para todos os japoneses", até "mais especial do que outros países europeus. Temos uma grande afinidade com os portugueses e uma imagem muito boa. Todos os japoneses conhecem Portugal, sabem que foram os primeiros europeus a chegar, sabem que levaram as armas de fogo."
Azuma conta até que os netos de Cavaco Silva, que passaram um mês em terras nipónicas, ficaram muito surpreendidos "porque quando diziam a alguém que eram portugueses, via-se um brilho nos olhos dos japoneses. Porque conheciam Portugal! Se perguntássemos a pessoas de outros países, não sei se conheceriam Portugal. No Japão, toda a gente conhece Portugal." Mas essa relação não foi bem nutrida. "Infelizmente, a imagem que os japoneses têm é a imagem de há 470 anos." Por isso, Azuma diz que a sua missão "é levar para o Japão o Portugal dos dias de hoje".
A visita do primeiro-ministro japonês Shinzo Abe ao país, em 2014, foi o primeiro passo. "Foi a primeira vez que um primeiro-ministro japonês em funções veio em Portugal", realça Azuma. "Foi um momento histórico e pensámos, na altura, que deveríamos aproveitá-lo para expandir as relações bilaterais a nível económico, cultural e histórico. Foi assinado um comunicado conjunto" para expandir as relações, acrescenta, e o Japão passou a ser membro observador da CPLP, de modo a reforçar as relações com países como Angola ou Moçambique.
O próprio Shinzo Abe não fazia ideia do avanço do país em determinadas áreas. "Quando recebi o primeiro-ministro Abe, percebi que tínhamos de mudar essa imagem." "Levei-o à Fundação Champalimaud, que tem investigação muito avançada em neurociências e no estudo do cancro. Ele ficou surpreendido e mudou a perspectiva. Percebeu que Portugal era um país mais moderno."
A seguir a Abe, as empresas japonesas também reforçaram o investimento em território português. "Quando cheguei cá, em Outubro de 2013, a Marubeni não tinha ninguém, e agora há nove japoneses enviados por eles. Instalaram o escritório em Lisboa." Actualmente, a empresa é responsável por "quase 23% da produção de electricidade" de Portugal, por via das aquisições que entretanto concretizou.
Os exemplos sucedem-se: a Fujitsu tem um "call center" em Lisboa, onde emprega 900 pessoas, e abriu recentemente outro em Braga, onde emprega outras 300 - "mais de mil pessoas!", contabiliza. Existem depois várias empresas que produzem componentes automóveis, a Tunipex que, em Olhão, exporta atum rabilho para as bancas de sushi japonesas, a Mitsubishi Fuso, que produz camiões no Tramagal, e a Kagome, que compra tomate português a 300 produtores nacionais e exporta sob as formas de ketchup e puré para o Japão.
Mas a visita de Abe abriu "um novo capítulo e novos desafios principalmente do lado português", que agora "quer promover mais os produtos nacionais: os vinhos, o azeite, o mel". Azuma lembra que "Assunção Cristas foi ao Japão para promover os bens agrícolas, mas também a carne de porco, que esteve proibida no Japão até Dezembro de 2013" e que já voltou a ser exportada.
O low-Cost que agrada
Azuma destaca, neste particular, a empresa Primor, de Vila Nova de Famalicão, que já exporta carne de porco para o Japão. "Visitei a fábrica e fiquei muito impressionado, porque tem uma zona dedicada ao Japão. Fiquei surpreendido e emocionado. O importador japonês faz muitas exigências, a nível da embalagem, quer que tudo seja feito de determinada forma. E é muito difícil responder a estas exigências. A Primor fez um grande esforço para cumpri-las e isso é muito importante."
E por que razão é que as empresas japonesas escolhem Portugal? "Os portugueses são muito honestos e falam bem inglês. Quase todos os jovens falam e têm boas competências. E não há muitas greves." E o "mais importante: os custos baixos. Sim, sim. Os custos laborais são relativamente baixos. Não é bom para vocês… mas, para investidores estrangeiros, é muito importante. É muito competitivo. Por isso, investem em Portugal e não em Espanha." Um exemplo? A instalação da Howa Tramico (que produz componentes para carros) em Viana do Castelo. "Vão produzir estas peças para a fábrica da Peugeot Citroën em Vigo. Não instalaram a fábrica lá, mas sim em Portugal. É um sinal muito bom. Preferiram Portugal" precisamente por causa do menor custo. Da Fujitsu, "dizem-me que em Espanha ou França não falam inglês como em Portugal".
A simpatia pelo portugal do passado
Tanto no Japão como em Portugal, as respectivas diásporas são em número reduzido. Dados do Observatório da Emigração apontam para entre 400 a 600 portugueses a viver no Japão em 2014. Em Portugal, também não existem muitos japoneses - cerca de 600. Acaba por ser nas gerações mais velhas que há maior ligação a Portugal. "A maioria das pessoas da geração mais velha de japoneses (50, 60 anos) já ouviu falar de Portugal e, no geral, tem bastante curiosidade e vontade de visitar", conta Liliana Morais, uma portuguesa que está em Tóquio a tirar um doutoramento em Sociologia sobre ceramistas estrangeiros no Japão.
Paulo Duarte, que tem uma loja em Quioto onde comercializa castela, um bolo tipicamente japonês baseado no pão-de-ló português, diz que "quando se fala de Portugal, os japoneses conhecem Cristiano Ronaldo e depois andam 500 anos para trás", algo que atribui à "falta de aposta na divulgação" e à distância entre os países. Ainda assim, "Portugal é muito bem visto", porque "trouxemos muita coisa nova para aqui. Há uma certa simpatia, mas por esse Portugal antigo."
"Os japoneses adoram comida e têm muita curiosidade sobre a culinária portuguesa, especialmente por causa das palavras que entraram no Japão", realça, por outro lado, Liliana Morais, acrescentando que a televisão japonesa tem emitido "programas de viagens como os que passam na NHK e o foco do conhecimento é na história e nos lugares turísticos". O embaixador do Japão confirma. "Há muitos programas sobre Portugal. E há muitos actores japoneses famosos que vêm viver uma semana para Lisboa."
O impacto desses programas no aumento do turismo é "muito grande", certifica Hiroshi Azuma, e funciona em ambas as direcções. "Há três anos, só seis mil portugueses tinham visitado o Japão. Mas, no ano passado, foram 18 mil pessoas. Triplicou! E com os japoneses é igual. Em 2013, foram 60 mil japoneses e, no ano passado, o número quase duplicou, para cerca de 120 mil turistas japoneses. E este ano serão mais", afiança, entre sorrisos.
E produtos portugueses no supermercado, encontram-se? Liliana Morais costuma encontrar vinho. "Normalmente, há sempre algum vinho português, especialmente vinho verde." Paulo Duarte diz que consegue encontrar alguns produtos. "No início, comprávamos azeite e conservas a um importador", mas muitos abandonam os produtos portugueses porque não têm procura para eles. "Temos azeites muito melhores do que os italianos, mas a marca Itália é muito mais forte. É muito mais fácil vender um mau azeite italiano do que um bom azeite português. O mesmo acontece com os vinhos. É mais fácil vender um mau vinho francês que um bom português."
A língua portuguesa tem uma fonética que chega a ser parecida com alguns sons japoneses, mas isso não traz nenhuma vantagem quando é preciso aprender a língua. Nem isso, nem as palavras de origem portuguesa. "A gramática portuguesa é bastante simples, a fonética também, mas o vocabulário exige um grande esforço de memória, porque os sons são completamente diferentes para as várias palavras", sublinha José Miguel Pinto dos Santos.
Em 2013, existiam 31 cursos de Português em universidades japonesas, num total de 5.035 alunos, de acordo com a tese de mestrado de Íris Rocha sobre o ensino de português no país.
A redescoberta ganha asas
Os esforços dos últimos anos já devem surtir efeito em 2017. O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Japonesa, Paulo Ramos, projecta para este ano um aumento das exportações. "O Japão é efectivamente um mercado com muito potencial e este ano já se poderá ver a tradução do reforço institucional que surgiu com a visita de Abe em 2014", e que "se traduz numa maior promoção do intercâmbio comercial de ambos os lados".
Com 127 milhões de habitantes, o mercado japonês é considerado pela AICEP "se não o mais competitivo, um dos mais competitivos do mundo". E Portugal volta a ter vantagem no facto de a procura japonesa coincidir, "em grande medida, com a oferta portuguesa". "A moda (vestuário e calçado de couro), os têxteis-lar, os materiais de construção, as cerâmicas utilitárias, os produtos alimentares, os vinhos, o mobiliário, as energias renováveis e o econegócio" são exemplos de sectores onde os exportadores portugueses "podem ter uma palavra a dizer".
Não é fácil, contudo, entrar. "É essencial ir lá e ser persistente, e não desesperar com a lentidão do processo de decisão, que vive de confirmação sistemática, para eles terem a certeza de que é exactamente como querem", alerta Ana Fernandes Pinto. "No Japão, nada se faz depressa, porque tudo se faz muito bem feito", lê-se numa nota da AICEP. Adicionalmente, há um "défice de imagem dos produtos portugueses". Paulo Ramos lamenta os custos da promoção e a falta de massa crítica das empresas portuguesas.
Porém, quando a porta se abre, ela fica aberta. "Se o produto tiver qualidade, serão parceiros fiéis. Depois de conquistada a confiança, ela mantém-se", afiança Ana Fernandes Pinto.
Um voo directo entre Lisboa e Tóquio ajudaria essas relações? Hiroshi Azuma concorda e diz que já pediu para se estudar essa ligação. "A All Nippon Airways (ANA) e a Japan Airlines (JAL) estão a examinar se podemos ter um voo directo. Ainda não sabemos. Mas, se tivermos, ele vai acelerar as relações bilaterais."
Depois de todos estes séculos, Portugal está agora a redescobrir o Japão. Tadaima!
É um episódio que evidencia a forma como os portugueses enraizaram a cultura lusa no país, a reboque da religião. Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao Japão, em 1543, e todos os japoneses aprendem isso na escola. Por isso, sentem uma afinidade especial com Portugal, garante o embaixador japonês em Lisboa, Hiroshi Azuma.
A imagem de Portugal está muito ligada a esse período de há quase 500 anos, que terminou de forma trágica e violenta. O retomar das relações tem sido feito de forma muito lenta, com um aparente desinteresse da República Portuguesa. Apesar da longa história entre os dois países, o Japão, que é a terceira maior economia mundial, é apenas o 37.º maior cliente das exportações nacionais, uma posição muito modesta.
"Continuamos a não saber aproveitar a proximidade que existe", reconhece a investigadora Ana Fernandes Pinto, que se especializou na História do Japão e doutorou-se em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa.
E porquê? As razões são variadas. A distância e a língua são barreiras naturais, mas há muitas oportunidades ainda por aproveitar. "O mercado japonês tem um enorme potencial para os produtos portugueses e há margem para explorá-lo mais, não só em volume, mas sobretudo em valor", diz fonte oficial da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP).
A AICEP vê o Japão como um mercado estratégico desde 2014 e até criou uma equipa de seis "scouts" - especialistas focados na captação de investimento - no país. Em Fevereiro, o ainda presidente da agência, Miguel Frasquilho, esteve três dias no Japão para um "roadshow" de captação de investimento, que deverá resultar no reforço de empresas japonesas em Portugal "em diversas áreas".
Actualmente, há 77 empresas japonesas em Portugal, perto de duas dezenas delas com funcionários japoneses. O Japão esteve sempre à frente de Portugal nas trocas comerciais, por ser uma economia "fortemente orientada para exportações de produtos com muito valor acrescentado" e ter "uma indústria forte e competitiva, que está em posições cimeiras e mesmo de liderança em vários sectores", justifica a AICEP. Nos anos 1999 e 2000, as importações de bens do Japão ultrapassaram os mil milhões de euros. Nesses anos, Portugal exportou 100 e 119 milhões, respectivamente. Mais recentemente, o país melhorou as exportações e o Japão passou a vender menos.
Apesar de algumas empresas portuguesas estarem há já várias décadas no Japão, como a Corticeira Amorim, só existem outras quatro companhias lusas instaladas no País do Sol Nascente: Hovione (produtos farmacêuticos), 1756 Portuguese Wine Company (vinho), Martifer Solar (energia solar) e Lizmontagens (equipamento industrial). Ainda assim, prossegue a AICEP, há "largas centenas de empresas portuguesas a exportar para o Japão". No ano passado, eram 865. A Bial, Hovione e a Ikea de Paços de Ferreira são as principais exportadoras nacionais.
A esperteza dos holandeses
A História também explica por que razão a relação entre Portugal e Japão tem sido tão distante. Depois da chegada em 1543 ao Japão, Portugal iniciou a cristianização do território ao mesmo tempo que se assumia como o principal interlocutor dos japoneses no comércio com a China. A introdução da arma de fogo (o arcabuz) no Japão permitiu estabilizar um país que estava envolto numa guerra civil e com um poder meramente simbólico nas mãos do governo militar do shogun. Quem detinha o poder, de facto, eram os daimyos, ou senhores locais, que lutavam entre si para controlar mais território.
O Japão era um país desagregado, sem um poder firme, e isso facilitou a expansão do cristianismo. A arma de fogo permitiu que as disputas fossem diminuindo, terminando eventualmente com a ascensão ao poder do shogun Tokugawa. Nessa altura, regressou ao país o poder centralizado.
Os holandeses aproveitaram a nova conjuntura. "Um dos unificadores do Japão sabia que atrás dos missionários vêm os conquistadores, o poder militar. E os holandeses, que também já tinham chegado ao Japão, aproveitaram a desconfiança que já existia face a Portugal e propagandearam a ideia de que os portugueses iriam levar o poder militar para o país", explica Ana Fernandes Pinto. "E disseram que eles também não queriam fazer a cristianização, porque eram protestantes."
Após a expulsão dos portugueses, os holandeses tomam-lhes o lugar como principais parceiros de negócios e são o único país ocidental que continua a ter via aberta com Tóquio no período de isolamento face ao Ocidente - o período Edo, que duraria até 1868.
Após a reabertura ao Ocidente, a Holanda não ficou à espera. "O primeiro tratado que os japoneses fazem nessa altura é com os Estados Unidos e depois com a Holanda, e nós vamos a reboque da Holanda", observa. "Os holandeses têm trabalhado nesse legado histórico até à exaustão. Nós não lhe ligamos. É muito estranho, porque os japoneses valorizam, e muito, esse legado", afiança Ana Fernandes Pinto.
Prova disso são as relações comerciais entre a Holanda e o Japão: os holandeses exportaram 3,4 mil milhões de euros para o País do Sol Nascente no ano passado. Esse valor equivale a todas as exportações de Portugal para o Japão desde… 1991. As importações de bens desde o Japão também são outro campeonato: 8,1 mil milhões de euros no ano passado (o equivalente a todos os bens que Portugal comprou ao Japão desde o ano 2000).
José Miguel Pinto dos Santos, professor na AESE Business School, em Lisboa, doutorou-se em Finanças na Universidade de Hiroxima, e confirma que os holandeses aproveitaram a oportunidade. "Na ilha de Kyushu [ilha mais a sul do Japão], há muitas referências aos portugueses, mas nada que se compare aos holandeses", exemplifica. Porém, "a relação sentimental existe" e, como no Japão as relações comerciais "são muito baseadas nas relações pessoais, pode ser uma vantagem referir esse passado comum".
Redescoberta a reboque de Abe
Ana Fernandes Pinto diz que "ser português é uma enorme porta aberta". E os japoneses confirmam. O embaixador Hiroshi Azuma garante que Portugal é "muito especial para todos os japoneses", até "mais especial do que outros países europeus. Temos uma grande afinidade com os portugueses e uma imagem muito boa. Todos os japoneses conhecem Portugal, sabem que foram os primeiros europeus a chegar, sabem que levaram as armas de fogo."
Azuma conta até que os netos de Cavaco Silva, que passaram um mês em terras nipónicas, ficaram muito surpreendidos "porque quando diziam a alguém que eram portugueses, via-se um brilho nos olhos dos japoneses. Porque conheciam Portugal! Se perguntássemos a pessoas de outros países, não sei se conheceriam Portugal. No Japão, toda a gente conhece Portugal." Mas essa relação não foi bem nutrida. "Infelizmente, a imagem que os japoneses têm é a imagem de há 470 anos." Por isso, Azuma diz que a sua missão "é levar para o Japão o Portugal dos dias de hoje".
A visita do primeiro-ministro japonês Shinzo Abe ao país, em 2014, foi o primeiro passo. "Foi a primeira vez que um primeiro-ministro japonês em funções veio em Portugal", realça Azuma. "Foi um momento histórico e pensámos, na altura, que deveríamos aproveitá-lo para expandir as relações bilaterais a nível económico, cultural e histórico. Foi assinado um comunicado conjunto" para expandir as relações, acrescenta, e o Japão passou a ser membro observador da CPLP, de modo a reforçar as relações com países como Angola ou Moçambique.
O próprio Shinzo Abe não fazia ideia do avanço do país em determinadas áreas. "Quando recebi o primeiro-ministro Abe, percebi que tínhamos de mudar essa imagem." "Levei-o à Fundação Champalimaud, que tem investigação muito avançada em neurociências e no estudo do cancro. Ele ficou surpreendido e mudou a perspectiva. Percebeu que Portugal era um país mais moderno."
A seguir a Abe, as empresas japonesas também reforçaram o investimento em território português. "Quando cheguei cá, em Outubro de 2013, a Marubeni não tinha ninguém, e agora há nove japoneses enviados por eles. Instalaram o escritório em Lisboa." Actualmente, a empresa é responsável por "quase 23% da produção de electricidade" de Portugal, por via das aquisições que entretanto concretizou.
Os exemplos sucedem-se: a Fujitsu tem um "call center" em Lisboa, onde emprega 900 pessoas, e abriu recentemente outro em Braga, onde emprega outras 300 - "mais de mil pessoas!", contabiliza. Existem depois várias empresas que produzem componentes automóveis, a Tunipex que, em Olhão, exporta atum rabilho para as bancas de sushi japonesas, a Mitsubishi Fuso, que produz camiões no Tramagal, e a Kagome, que compra tomate português a 300 produtores nacionais e exporta sob as formas de ketchup e puré para o Japão.
Mas a visita de Abe abriu "um novo capítulo e novos desafios principalmente do lado português", que agora "quer promover mais os produtos nacionais: os vinhos, o azeite, o mel". Azuma lembra que "Assunção Cristas foi ao Japão para promover os bens agrícolas, mas também a carne de porco, que esteve proibida no Japão até Dezembro de 2013" e que já voltou a ser exportada.
O low-Cost que agrada
Azuma destaca, neste particular, a empresa Primor, de Vila Nova de Famalicão, que já exporta carne de porco para o Japão. "Visitei a fábrica e fiquei muito impressionado, porque tem uma zona dedicada ao Japão. Fiquei surpreendido e emocionado. O importador japonês faz muitas exigências, a nível da embalagem, quer que tudo seja feito de determinada forma. E é muito difícil responder a estas exigências. A Primor fez um grande esforço para cumpri-las e isso é muito importante."
E por que razão é que as empresas japonesas escolhem Portugal? "Os portugueses são muito honestos e falam bem inglês. Quase todos os jovens falam e têm boas competências. E não há muitas greves." E o "mais importante: os custos baixos. Sim, sim. Os custos laborais são relativamente baixos. Não é bom para vocês… mas, para investidores estrangeiros, é muito importante. É muito competitivo. Por isso, investem em Portugal e não em Espanha." Um exemplo? A instalação da Howa Tramico (que produz componentes para carros) em Viana do Castelo. "Vão produzir estas peças para a fábrica da Peugeot Citroën em Vigo. Não instalaram a fábrica lá, mas sim em Portugal. É um sinal muito bom. Preferiram Portugal" precisamente por causa do menor custo. Da Fujitsu, "dizem-me que em Espanha ou França não falam inglês como em Portugal".
A simpatia pelo portugal do passado
Tanto no Japão como em Portugal, as respectivas diásporas são em número reduzido. Dados do Observatório da Emigração apontam para entre 400 a 600 portugueses a viver no Japão em 2014. Em Portugal, também não existem muitos japoneses - cerca de 600. Acaba por ser nas gerações mais velhas que há maior ligação a Portugal. "A maioria das pessoas da geração mais velha de japoneses (50, 60 anos) já ouviu falar de Portugal e, no geral, tem bastante curiosidade e vontade de visitar", conta Liliana Morais, uma portuguesa que está em Tóquio a tirar um doutoramento em Sociologia sobre ceramistas estrangeiros no Japão.
Paulo Duarte, que tem uma loja em Quioto onde comercializa castela, um bolo tipicamente japonês baseado no pão-de-ló português, diz que "quando se fala de Portugal, os japoneses conhecem Cristiano Ronaldo e depois andam 500 anos para trás", algo que atribui à "falta de aposta na divulgação" e à distância entre os países. Ainda assim, "Portugal é muito bem visto", porque "trouxemos muita coisa nova para aqui. Há uma certa simpatia, mas por esse Portugal antigo."
"Os japoneses adoram comida e têm muita curiosidade sobre a culinária portuguesa, especialmente por causa das palavras que entraram no Japão", realça, por outro lado, Liliana Morais, acrescentando que a televisão japonesa tem emitido "programas de viagens como os que passam na NHK e o foco do conhecimento é na história e nos lugares turísticos". O embaixador do Japão confirma. "Há muitos programas sobre Portugal. E há muitos actores japoneses famosos que vêm viver uma semana para Lisboa."
O impacto desses programas no aumento do turismo é "muito grande", certifica Hiroshi Azuma, e funciona em ambas as direcções. "Há três anos, só seis mil portugueses tinham visitado o Japão. Mas, no ano passado, foram 18 mil pessoas. Triplicou! E com os japoneses é igual. Em 2013, foram 60 mil japoneses e, no ano passado, o número quase duplicou, para cerca de 120 mil turistas japoneses. E este ano serão mais", afiança, entre sorrisos.
E produtos portugueses no supermercado, encontram-se? Liliana Morais costuma encontrar vinho. "Normalmente, há sempre algum vinho português, especialmente vinho verde." Paulo Duarte diz que consegue encontrar alguns produtos. "No início, comprávamos azeite e conservas a um importador", mas muitos abandonam os produtos portugueses porque não têm procura para eles. "Temos azeites muito melhores do que os italianos, mas a marca Itália é muito mais forte. É muito mais fácil vender um mau azeite italiano do que um bom azeite português. O mesmo acontece com os vinhos. É mais fácil vender um mau vinho francês que um bom português."
A língua portuguesa tem uma fonética que chega a ser parecida com alguns sons japoneses, mas isso não traz nenhuma vantagem quando é preciso aprender a língua. Nem isso, nem as palavras de origem portuguesa. "A gramática portuguesa é bastante simples, a fonética também, mas o vocabulário exige um grande esforço de memória, porque os sons são completamente diferentes para as várias palavras", sublinha José Miguel Pinto dos Santos.
Em 2013, existiam 31 cursos de Português em universidades japonesas, num total de 5.035 alunos, de acordo com a tese de mestrado de Íris Rocha sobre o ensino de português no país.
A redescoberta ganha asas
Os esforços dos últimos anos já devem surtir efeito em 2017. O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Japonesa, Paulo Ramos, projecta para este ano um aumento das exportações. "O Japão é efectivamente um mercado com muito potencial e este ano já se poderá ver a tradução do reforço institucional que surgiu com a visita de Abe em 2014", e que "se traduz numa maior promoção do intercâmbio comercial de ambos os lados".
Com 127 milhões de habitantes, o mercado japonês é considerado pela AICEP "se não o mais competitivo, um dos mais competitivos do mundo". E Portugal volta a ter vantagem no facto de a procura japonesa coincidir, "em grande medida, com a oferta portuguesa". "A moda (vestuário e calçado de couro), os têxteis-lar, os materiais de construção, as cerâmicas utilitárias, os produtos alimentares, os vinhos, o mobiliário, as energias renováveis e o econegócio" são exemplos de sectores onde os exportadores portugueses "podem ter uma palavra a dizer".
Não é fácil, contudo, entrar. "É essencial ir lá e ser persistente, e não desesperar com a lentidão do processo de decisão, que vive de confirmação sistemática, para eles terem a certeza de que é exactamente como querem", alerta Ana Fernandes Pinto. "No Japão, nada se faz depressa, porque tudo se faz muito bem feito", lê-se numa nota da AICEP. Adicionalmente, há um "défice de imagem dos produtos portugueses". Paulo Ramos lamenta os custos da promoção e a falta de massa crítica das empresas portuguesas.
Porém, quando a porta se abre, ela fica aberta. "Se o produto tiver qualidade, serão parceiros fiéis. Depois de conquistada a confiança, ela mantém-se", afiança Ana Fernandes Pinto.
Um voo directo entre Lisboa e Tóquio ajudaria essas relações? Hiroshi Azuma concorda e diz que já pediu para se estudar essa ligação. "A All Nippon Airways (ANA) e a Japan Airlines (JAL) estão a examinar se podemos ter um voo directo. Ainda não sabemos. Mas, se tivermos, ele vai acelerar as relações bilaterais."
Depois de todos estes séculos, Portugal está agora a redescobrir o Japão. Tadaima!