Notícia
Património rural: Um encanto na vida dura
Um livro de fascínio, de um designer de topo, combate o esquecimento e devolve o devido valor ao património rural português.
No essencial, o livro de Jasper Morrison, um dos mais respeitados designers no activo, é uma partilha, primeiro, e o resultado do fascínio do autor, depois, pelos objectos utilitários criados durante décadas no contexto do mundo rural português. O acesso aos objectos não foi feito através de uma campanha de Morrison no terreno, mas após repetidas, e de acesso ilimitado, visitas às Galerias do Mundo Rural do Museu de Etnologia, em Belém, Lisboa.
O lado melancólico desta nota é que os objectos existentes nas Galerias do Mundo Rural, reunidos graças a uma fantástica aventura de anos no terreno por parte de um grupo de etnógrafos, estão lá há décadas, quase ignorados e esquecidos, apesar dos esforços regulares de chamada de atenção por parte de um grupo de fanáticos, nos quais se inclui o autor destas linhas.
Daqui não há outro caminho a tomar que não seja o da nota sobre o nosso património e o seu valor para os portugueses contemporâneos e para o mundo. O livro de Morrison mostra, de novo, a riqueza patrimonial portuguesa numa área muito pouco estudada, a vida rural, e num período dilatado de tempo, que em alguns casos é de séculos, ou seja, desde que os homens aprenderam a moldar a madeira com o recurso a ferramentas de ferro.
Este património é realmente rico, tanto ao nível científico, como estético e, em alguns casos, é mesmo singular ao nível global, o que nos permite ter um orgulho verdadeiramente especial.
No entanto, mais uma vez, a vertente melancólica é que este património, e o conhecimento que envolve, raramente saiu dos trabalhos académicos de etnógrafos e do museu lisboeta. Deste modo, a terceira nota não poderá ser outra senão a que se segue. O encerramento do património rural português, e o encerramento do saber e da sua importância, no Museu de Etnografia pode ser classificado como algo próximo de crime.
A existência e a publicação do livro de Jasper Morrison é uma oportunidade de ouro para os decisores públicos e os investidores em bens culturais accionarem estratégias para alterar esta paisagem, tão desolada como um campo sem cultivo por falta de chuva.
A importância dos pequenos operadores
Os maiores heróis desta batalha contra o desaparecimento do património rural português são os antiquários regionais de norte a sul e os particulares e os seus pequenos museus. Os primeiros, ainda desvalorizados pela classificação de "loja de velharias", continuam a reunir e a comercializar peças de grande valor. Os segundos, movidos talvez pela nostalgia, gastam tempo e dinheiro a criar nas suas propriedades pequenos museus, que são, no entanto, incrivelmente ricos de objectos de relevo. Uma palavra ainda para algumas autarquias, que levantam pólos culturais do mundo rural.
*Nota ao leitor: Os bens culturais, também classificados como bens de paixão, deixaram de ser um investimento de elite, e a designação inclui hoje uma panóplia gigantesca de temas, que vão dos mais tradicionais, como a arte ou os automóveis clássicos, a outros totalmente contemporâneos, como são os têxteis, o mobiliário de design ou a moda. Ao mesmo tempo, os bens culturais são activos acessíveis e disputados em mercados globais extremamente competitivos. Semanalmente, o Negócios irá revelar algumas das histórias fascinantes relacionadas com estes mercados, partilhando assim, de forma independente, a informação mais preciosa.