Notícia
O poder do testemunho
Os dois principais prémios europeus de fotografia documental foram atribuídos a trabalhos que nos fazem descobrir realidades contemporâneas que julgávamos conhecer bem.
13 de Maio de 2017 às 09:00
Ao contrário do conteúdo de algumas previsões especializadas, a fotografia como bem cultural de mercado continua a manter intactas as valorizações ascendentes, ano após ano. Dentro do tema, um dos casos mais curiosos é a manutenção do estatuto elevado do fotojornalismo, que, para o mercado, já não é conhecido por este nome, mas sim por fotografia documental ou, em alguns sectores, como fotografia de testemunho, que, temos de concordar, são classificações mais poéticas.
Entre nós, e só para apontar acontecimentos de tempos recentes, temos a vinda a Lisboa da notável exposição de João Pina sobre a operação Condor, a antológica de Alfredo Cunha e a publicação do tomo de António Pedro Ferreira sobre Fátima.
Ao nível internacional, encontramos um cenário ainda mais rico e ambicioso, determinado decisivamente por dois prémios, o Carmignac Photojournalism e o Pictet, que vieram realmente alterar a paisagem em tudo o que se relaciona com o jornalismo documental. Tanto pelo valor monetário, como pela projecção mediática que permitem, os prémios têm conseguido captar a atenção e o trabalho de alguns dos mais importantes fotógrafos em acção, o que gera trabalhos marcantes.
Os vencedores deste ano foram agora anunciados, e qualquer um deles realizou trabalhos que mudam o nosso olhar sobre algo que se passa no mundo, o que é o objectivo maior desta arte. O Carmignac foi para Narciso Contreras, com o trabalho "Libya: A Human Marketplace", e o Pictet, na sua sétima edição, foi para Richard Mosse, com a série "Heat Maps".
Contreras trabalhou sobre o autêntico caos que é hoje a Líbia, fotografando as pessoas e os locais onde se realiza um dos mais brutais tráficos de seres humanos. É um trabalho de uma crueza quase intolerável, tal o estado de crueldade com que são tratadas as pessoas apanhadas nestas teias.
Mosse é um caso muito curioso do ponto de vista técnico, pois nos últimos anos tem usado equipamento militar para as suas captações. O fotógrafo utiliza uma câmara de infravermelhos de onda média, que detecta o contorno dos corpos humanos, ou seja, a sua presença térmica, no lugar da luz ou da sombra de determinado local. As câmaras, que permitem a detecção a longas distâncias, são usadas essencialmente pelos militares na detecção de humanos numa área, mas nas mãos de Mosse transformam-se num instrumento que nos permite olhar para a realidade de outro modo. Neste caso, o mundo fotografado por Mosse é o dos percursos dos refugiados ilegais que todos os dias demandam território europeu, tanto em ambiente marítimo, como em ambiente terrestre. As imagens de Mosse, devido à interferência técnica, permitem descobrir um outro modo de ver os migrantes, os seus actos e os seus locais, como se estivessem envoltos num ambiente, ou numa luz, quase lunar, quase irreal.
Os trabalhos de Contreras e Mosse cumprem os objectivos do jornalismo documental, o de serem testemunhos detalhados de mundos que julgamos conhecer. Ambos os trabalhos estarão agora em itinerância pela Europa, e os detalhes dos "tours" e algumas fotografias podem ser vistos nas moradas virtuais da Carmignac e do Prix Pictet.
Nota ao leitor: Os bens culturais, também classificados como bens de paixão, deixaram de ser um investimento de elite, e a designação inclui hoje uma panóplia gigantesca de temas, que vão dos mais tradicionais, como a arte ou os automóveis clássicos, a outros totalmente contemporâneos, como são os têxteis, o mobiliário de design ou a moda. Ao mesmo tempo, os bens culturais são activos acessíveis e disputados em mercados globais extremamente competitivos. Semanalmente, o Negócios irá revelar algumas das histórias fascinantes relacionadas com estes mercados, partilhando assim, de forma independente, a informação mais preciosa.
Entre nós, e só para apontar acontecimentos de tempos recentes, temos a vinda a Lisboa da notável exposição de João Pina sobre a operação Condor, a antológica de Alfredo Cunha e a publicação do tomo de António Pedro Ferreira sobre Fátima.
Os vencedores deste ano foram agora anunciados, e qualquer um deles realizou trabalhos que mudam o nosso olhar sobre algo que se passa no mundo, o que é o objectivo maior desta arte. O Carmignac foi para Narciso Contreras, com o trabalho "Libya: A Human Marketplace", e o Pictet, na sua sétima edição, foi para Richard Mosse, com a série "Heat Maps".
Contreras trabalhou sobre o autêntico caos que é hoje a Líbia, fotografando as pessoas e os locais onde se realiza um dos mais brutais tráficos de seres humanos. É um trabalho de uma crueza quase intolerável, tal o estado de crueldade com que são tratadas as pessoas apanhadas nestas teias.
Mosse é um caso muito curioso do ponto de vista técnico, pois nos últimos anos tem usado equipamento militar para as suas captações. O fotógrafo utiliza uma câmara de infravermelhos de onda média, que detecta o contorno dos corpos humanos, ou seja, a sua presença térmica, no lugar da luz ou da sombra de determinado local. As câmaras, que permitem a detecção a longas distâncias, são usadas essencialmente pelos militares na detecção de humanos numa área, mas nas mãos de Mosse transformam-se num instrumento que nos permite olhar para a realidade de outro modo. Neste caso, o mundo fotografado por Mosse é o dos percursos dos refugiados ilegais que todos os dias demandam território europeu, tanto em ambiente marítimo, como em ambiente terrestre. As imagens de Mosse, devido à interferência técnica, permitem descobrir um outro modo de ver os migrantes, os seus actos e os seus locais, como se estivessem envoltos num ambiente, ou numa luz, quase lunar, quase irreal.
Os trabalhos de Contreras e Mosse cumprem os objectivos do jornalismo documental, o de serem testemunhos detalhados de mundos que julgamos conhecer. Ambos os trabalhos estarão agora em itinerância pela Europa, e os detalhes dos "tours" e algumas fotografias podem ser vistos nas moradas virtuais da Carmignac e do Prix Pictet.
Nota ao leitor: Os bens culturais, também classificados como bens de paixão, deixaram de ser um investimento de elite, e a designação inclui hoje uma panóplia gigantesca de temas, que vão dos mais tradicionais, como a arte ou os automóveis clássicos, a outros totalmente contemporâneos, como são os têxteis, o mobiliário de design ou a moda. Ao mesmo tempo, os bens culturais são activos acessíveis e disputados em mercados globais extremamente competitivos. Semanalmente, o Negócios irá revelar algumas das histórias fascinantes relacionadas com estes mercados, partilhando assim, de forma independente, a informação mais preciosa.