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Livros: Os dilemas do México

É o destino do México, que cabe num livro imenso, onde o drama se cruza com a comédia. É assim "O Exército Iluminado", de David Toscana.

01 de Novembro de 2014 às 08:02
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John Steinbeck dizia que o Texas era mais do que um estado de alma. Era uma mística, muito semelhante a uma religião. Sempre foi também a fronteira entre muitas realidades e ficções, entre os dilemas do México e as certezas dos colonos europeus que queriam conquistar a derradeira linha do horizonte. É um pouco desse mundo, mas sobretudo aquele que tem a ver com o destino do México, que cabe num livro imenso, onde o drama se cruza com a comédia: "O Exército Iluminado" de David Toscana. Carregado à dor de derrotas sem fim, o México surge no livro através do exército delirante de Ignatio Matus, professor patriota, que comanda cinco crianças deficientes mentais, que são os seus soldados.


O objectivo é irreal: reconquistar o Texas, perdido para os americanos há 150 anos. Dirigem-se para a batalha numa carroça puxada por uma mula. Tudo é simbólico: o professor declara guerra à História, à realidade, à falta de imaginação e à própria identidade nacional. Tudo é uma tragédia: o professor é um general sem estofo físico, as crianças seduzidas pelo seu visionarismo, vivem um sonho como se ele pudesse ser traduzido para a realidade. Tudo parece ser um "remake" da fabulosa carga de Dom Quixote contra os moinhos de vento.


Descreve Toscana o delírio: "Como se ganha uma guerra, Matus?, pergunta Azucena distraída, enquanto molha os dedos na saliva para limpar uma mancha nos sapatos de Cerillo, é preciso matar todos os gringos? Matus pára a mula; não esperava essa pergunta que nenhum soldado deve fazer a si próprio. Volta-se e apercebe-se de que Azucena e o resto da sua tropa olham para ele sem pestanejar. O seu impulso é responder que eles devem limitar-se a cumprir ordens e que o resto, triunfo ou derrota, virá por acréscimo; no entanto, vê-se a si próprio como o primeiro morto da batalha e conclui que um bom general tem de preparar os seus subordinados para continuarem a luta". Cercados de ficções, os personagens de David Toscana buscam uma bússola que os oriente no meio da infantilização total onde vivem. Todos cavalgam um sonho, o de uma "mexicanidade" quase perdida entre a realidade e a falta dela. Mas onde os homens não se resignam a ser quem não devem ser.


Desde o início da sua vida que Matus vive obcecado por ser recompensado pelo seu inconformismo, pela sua vontade de ser reconhecido. O seu destino é previsível, mas ele tem de ser encontrado através de uma rebeldia que vai contra o conformismo da vida que a pouco e pouco foi tornando esta sociedade mais triste. Tudo é uma questão de dignidade, aquilo que foi definhando no meio dos compromissos em que os homens e mulheres se perderam. A maratona sonhada de Matus é o símbolo de toda esta corrida sem fim. Tudo é um sonho trágico. À beira da cova do jovem Comodoro, Matus ajoelha-se: "Não foi em vão, Comodoro, El Álamo é nosso, o Texas fala espanhol e os gringos ainda não pararam de correr e de se esconder, trémulos, debaixo de mais camas de madeira. A pátria saúda-te, Comodoro, o México hoje dorme tranquilo, a saldo dos abutres. Abençoado sejas, soldado. Levanta-te e vai ter com os teus amigos". É uma ficção magnífica que nos atira para a realidade.

 

 

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