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Joaquim Letria: Tenho muito respeito pelos banqueiros

Foi porta-voz do Presidente Eanes e é seu amigo. Joaquim Letria foi responsável pela introdução dos debates televisivos, dos "talk shows" e dos apanhados em Portugal. Critica abertamente o panorama na comunicação social.

Bruno Simão
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Joaquim Letria tem 73 anos e fala sem papas na língua. O responsável pela introdução dos debates televisivos em Portugal, dos "talk shows" e dos apanhados, que aprendeu a fazer na BBC, critica abertamente o panorama na comunicação social. Admite que tem anticorpos no PS, que acusa de ter acabado com o seu programa na RTP "Tal & Qual". Eanes, recentemente homenageado nas comemorações dos 40 anos das primeiras eleições presidenciais livres, quis, juntamente com Marcelo, que o antigo assessor moderasse encontros-debate com jovens em Castelo Branco e Évora.  


Qual foi o ponto de partida dos debates que moderou recentemente?

Os 40 anos de eleições presidenciais livres. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa resolveu homenagear o Presidente Ramalho Eanes e ele ter-lhe-á dito que não estava para sessões solenes, que seria mais interessante estar com jovens e discutir abertamente os assuntos. E os dois terão chegado a um acordo, terão dito: o que seria giro era o Joaquim Letria moderar essas conversas. 

 

Houve alguma pergunta nesses debates que o tivesse surpreendido?

Houve alguns jovens, poucos, que foram bastante contundentes. "É tudo muito bonito, 40 anos, ai que bom, viva a liberdade, a democracia, e então? Não tenho trabalho. O que é que fizeram nestes 40 anos?"

 

No seu entender, o país que temos é culpa de quem?

É também da conjuntura. As coisas não são como se pensava que viriam a ser. Mas, se olharmos para a classe política que temos tido e que temos, não podemos confiar nesta gente.

 

O Joaquim costuma dizer que tínhamos "senhores" na política…

Porque, ao pé destes que estão lá hoje, eram uns senhores.

 

Mas o que é que os diferencia?

A cultura, o passado, o modo como lutaram pela liberdade. Não vieram das "jotas". E, depois, sabiam o que queriam.

 

Hoje não sabem o que querem?

Sabem. Tratar da vidinha deles. Mas, já agora, podiam tratar da vidinha do país e dos seus concidadãos, que lhes pagam. Basta ver o que se passa com os bancos. Acha que isto é competência? É seriedade?

cotacao Acho que [Marcelo Rebelo de Sousa] fala demais. E corre o perigo, embora com ele seja difícil, de se banalizar. Devia falar menos. 

Isso é culpa só dos políticos?

Não é só dos políticos, mas também. É culpa de muita gente, dos gestores, dos administradores, de tudo. Da pouca-vergonha que é a chamada regulação do Banco de Portugal, actual e passada. Andam a brincar com a gente.

 

Como é que vê a forma como o espaço público está neste momento? Quem é que tem voz na televisão e nos jornais?

Tem voz quem está no poder. Seja na oposição, seja no Governo. Isto é um esquema que aprendi a ver há bastante tempo numa empresa pública chamada RTP. Eles entendiam-se muito bem, uns e outros.

 

Quando diz "eles", está a falar de quem?

Estou a falar sobretudo dos principais responsáveis desta política e desta maneira de funcionar, o PS e o PSD. O chamado "centrão". "If you are nice to me, I’ll be nice to you." Foi isso que eu passei a ver e aquilo a que sempre assisti nas televisões, nas empresas públicas, etc.

 

A televisão foi sempre muito politizada, antes e depois do 25 de Abril?

Antes do 25 de Abril, foi um instrumento do poder. Mas era um instrumento com muita qualidade, que não voltou a ter depois do 25 de Abril. Também é preciso ter a coragem de dizer isto. A televisão antes do 25 de Abril, independentemente da liberdade, tinha muito mais qualidade. Quando digo qualidade, falo, por exemplo, do teatro que tínhamos: Ibsen, Beckett, Ionesco, Shakespeare. Hoje, nem uma revistinha.

 

O Joaquim levou os debates para a televisão.

Acabei por ser eu a fazê-los, talvez por vir mais fresco de Inglaterra [trabalhou na BBC antes do 25 de Abril]. E por ter mais preparação para isso. Fiz muitos cursos de produção audiovisual, quer de rádio, quer de televisão. E aprendi muito.

 

Portanto, estreou-se na televisão quando veio para Portugal.

Trabalhar na televisão em Portugal, antes do 25 de Abril, só sendo do regime. Eu era contra o regime e, portanto, nunca pensei que um dia tivesse essa oportunidade. Curiosamente, foi algo que também nunca me seduziu muito. Até porque tive poliomielite aos 10 anos e, portanto, nunca pensei que pudesse, com as mãos como tenho, aparecer um dia na televisão.

cotacao Sabe quem eram os fulanos mais revolucionários que eu encontrei na RTP? Aqueles que eram mais fascistas antes do 25 de Abril. 

Mas isso nunca foi um problema para si, para fazer o seu trabalho.

Nunca ninguém me disse para não fazer. E eu também nunca pensei: não vou fazer porque tenho isto. Não. Vou de cabeça. Sou maluco. Agora, digo tudo como os malucos também. (risos)

 

Já sei que "dizer tudo como os malucos" foi uma decisão tomada aos 50 anos. Já passaram mais de 20. Não se arrepende?

Não. Estou é com vontade de ser ainda mais maluco. (risos)

 

Depois do referendo do Brexit, foi a correr para Londres. Porquê?

Tenho uma grande admiração por aquele povo e por aquele país. Eles discutem política, liberdade e democracia desde antes da Magna Carta. E ainda hoje não têm Bilhete de Identidade, que é uma coisa que eu acho espantosa. As pessoas acham que é um abuso e uma prepotência.

 

O resultado do referendo surpreendeu-o?

Não, de maneira nenhuma. Eles nunca quiseram entrar [na União Europeia]. Eu estava lá quando os arrastaram. Eu vivi lá com primeiros-ministros notáveis, desde o Harold Wilson ao Ted Heath, que eram muito diferentes. E hoje já vejo, sobretudo depois do senhor Blair, aquilo também…

 

Ou seja, a crise na classe política não é um problema português.

Não. Repare no que se está a passar nos Estados Unidos. Estou a falar ao nível dos partidos. Estão a conjugar-se para "assaltar" os bancos, como nós vemos os nossos políticos a estoirar com os nossos bancos. Um artigo que vem no The New York Times fala exactamente sobre isso, sobre as leis que foram criadas nos EUA para controlar os bancos, para fazer a diferença entre os bancos de investimento e os bancos de retalho. E hoje nós assistimos a este assalto desenfreado. Confesso uma coisa. Tenho muito respeito pelos banqueiros. Acho que ser banqueiro não é fácil. Quando oiço acusar os banqueiros, desconfio muito, porque não é essa a ideia que tenho dos banqueiros.

 

É curioso dizer isso porque, aos 16 anos, filiou-se no Partido Comunista. É sabido que o PC não tem muito boa impressão dos banqueiros.

Mas quando eu digo bem dos banqueiros é porque me lembro do respeito que as pessoas tinham quando iam a um banco. Os bancos tinham gente em quem se podia confiar. Podia confiar-se na sua palavra de honra. Podia acreditar-se num aperto de mão. Isso hoje desapareceu. O meu respeito pelos banqueiros vem daí. E penso que ainda hoje é possível encontrar, entre os banqueiros, gente com essa seriedade. Depois, aconteceu a entrada dos políticos, a invasão da corrupção, os favores…, é tudo isso que acaba por corromper. A ponto de chegarmos a histórias muito mal contadas.

 

É o caso do BES?

Para mim, é. E há uma coisa que não entendo. Como é que uma figura como o senhor Ricardo Salgado, de uma família como a família Espírito Santo, sem necessidade nenhuma de criar uma situação como esta… E pergunto o que é que aconteceria se, de facto, não tem sido a política a estoirar aquele banco também. O que aconteceria se tivesse havido uma preocupação de esperar, se calhar, um ano ou dois anos pela recuperação e pela volta que aquele banco poderia dar à situação. Acho que são histórias muito mal contadas. Eu continuo a pensar bem dos banqueiros. O Partido Comunista não tinha nada que ver com isso. Eu filiei-me, e ainda hoje tenho muito orgulho nisso, porque foi uma escola fantástica. O que me levou a filiar é que, para mim, era o único instrumento credível, eficaz de combate ao regime e à ditadura. Não havia outro. Porque agora nós ouvimos esses "pintados de fresco", que por aí andam…

 

Usa muito essa expressão, "pintados de fresco".

Antigamente eram mais fascistas que os fascistas e agora são todos uns antifascistas fantásticos. Dá-me vontade de rir.

 

Mas são pessoas que estão na política ou noutros sectores?

Na política, no jornalismo, estão um bocado por todo o lado. Antes do 25 de Abril, ninguém entrava para a televisão sem ser "cleared", como dizem os ingleses. Tinha de passar por instrumentos que o "limpavam". Tinham de saber qual era o seu passado, qual era a sua família. Só depois de saber se as suas convicções eram próximas do regime é que entrava. Sabe quem eram os fulanos mais revolucionários que eu encontrei na RTP? Aqueles que eram mais fascistas antes do 25 de Abril. O Partido Comunista, nesse período, foi acusado de muita coisa pela qual não tinha responsabilidade. Quem fazia as asneiras era esta gente que ninguém controlava. E os outros, que estavam na extrema-esquerda, ou na esquerda sempre em festa, como o Otelo, etc.

 

Quando saiu do PC? 

Saí com a invasão de Praga [em 1968].

 

Mas porque é que saiu?

Foi uma barbaridade, na minha opinião. Além de um erro político crasso.

 

E, hoje, como é que se coloca politicamente?

Sei lá. Tudo isso que eu era em jovem continua válido para mim. Os comunistas têm, na minha opinião, uma virtude que os outros não têm tanto, e que é: não mentem. E, quando prometem alguma coisa, cumprem, de uma maneira geral.

 

Isso faz-lhe crer que a estrutura política que temos neste momento, a tal geringonça, vai funcionar?

Vai funcionando mal. Não tem ar nos pneus, vai fazendo barulhos, chia… etc., mas não vai funcionar muito mais tempo.

 

Quando diz muito mais tempo, é o quê? Uma legislatura?

Não! Nem pense. Não chega ao fim, na minha opinião.

 

E que papel Marcelo Rebelo de Sousa pode ter nesta fase?

O Marcelo conseguiu criar uma relação de, pelo menos, simpatia ou de empatia entre nós e os políticos. O que eu senti é que aparecia aí um político e a gente instintivamente levava a mão à carteira. (risos) Agora já não levamos. Isso deve-se ao Marcelo. É esta maneira de estar.

cotacao [A geringonça] vai funcionando mal. Não tem ar nos pneus, chia… etc., mas não vai funcionar muito mais tempo.

Eu gostava de fazer programas com "conversas de autocarro". Entrevistas a gente que não se conhece.

Esteve na campanha do Marcelo Rebelo de Sousa à Câmara de Lisboa em 1989. Recorda-se de alguma situação engraçada?

O mergulho no Tejo.  

 

Foi o Joaquim que pensou nisso?

Não. O mérito é todo dele.

 

Ele também tem ideias…

Ele também, não. Ele tem ideias. O que é difícil é ele não ter ideias. E, normalmente, tem boas ideias. Nesse aspecto, é fantástico. E é uma máquina. Não pára. É muito divertido, muito respeitável. Tem uma noção de Estado e de respeito pelo Estado que encontramos pouco na classe política. Mas tinha­-me pedido um episódio… 

 

Sim, alguma coisa curiosa que tenha acontecido.

O Eanes convida-me para ir para Belém ser seu porta-voz no segundo mandato. Eu era um dos sócios do semanário O Jornal e queria livrar-me da minha parte. Não ficava bem que o porta-voz de um Presidente da República fosse sócio de um jornal. E, aí, os meus queridos camaradas de aventura ofereceram-me coisa nenhuma pela minha parte. Eu, praticamente, tinha de dar a minha parte para me livrar daquilo. E como sabia que eles não gostavam politicamente do Marcelo, tive uma ideia. Telefonei ao Marcelo, fomos almoçar ao Bananas, que na altura era um restaurante muito popular em Alcântara, e achámos a ideia divertidíssima. Eu doava-lhe a minha parte para deixar de estar ligado àquela "geringonça". Os meus queridos camaradas e sócios ficaram todos alarmados e vieram pagar.

 

Mas quem trabalha com o Marcelo Rebelo de Sousa deve ter muitas dores de cabeça. Porque ele é muito espontâneo.

Dores de cabeça não. A gente nunca sabe o que é que sai dali. É mais esta a expressão. Agora, eu que estava habituado a, durante cinco anos de mandato do Eanes, gerir o silêncio…

 

Como é que se gere o silêncio?

Era ficar calado, no fundo, era isso. Porque, muitas vezes, era mais importante não andar sempre a falar. Se quer uma crítica que posso eventualmente fazer ao Marcelo, é que acho que fala demais. E corre o perigo, embora com ele seja difícil, de se banalizar. Devia falar menos. Devia falar só quando há coisas importantes. Em relação ao Eanes, era isto que eu o ajudava a fazer.

 

Isso foi uma estratégia concertada com o Presidente Eanes?

Ele sabia muito bem como é que ia comunicar com o país. A ideia dele foi excelente, foi ter alguém que o pudesse ajudar nessa função. Quando eu falava por ele, poupava-o, ele não se expunha, não se desgastava. Eu tinha acesso duas vezes por dia ao Presidente. Era uma coisa que fazia muitos ciúmes a muita gente.

 

Ciúmes? Está a falar dos outros assessores?

Pois. Porque, às vezes, está-se dias à espera que o Presidente possa receber alguém.

 

Qual foi o momento mais crítico desse período?

Houve momentos difíceis, muito difíceis, mas não houve nada de dramático. Houve a história das gravações das conversas com o primeiro-ministro, que era o Dr. Francisco Balsemão.

 

Conte essa história.

Havia aqueles encontros semanais em que o Presidente pedia: então senhor primeiro-ministro, trouxe-me aquele dossiê que tinha pedido? Tinha pedido? Não, não me lembro. Assim como havia muitas coisas que alguns saíam a dizer que se tinham discutido ali dentro e que não tinham discutido. Daí o Presidente fazer uma proposta: o senhor traz uma pessoa da sua confiança, eu tenho uma pessoa da minha confiança, nós conversamos na presença dessas pessoas e, no fim, faz-se uma acta. Fica escrito. Não, mas isso é desagradável porque há coisas que não se podem conversar mesmo perante pessoas da nossa confiança. E, aí, o Eanes disse que a única maneira, nesse caso, era gravar as conversas. Embora eu creia que a maior parte delas não tenha sido gravada.


 

Mas havia alguma tensão entre eles?

Houve este tipo de tensão. Depois houve outro tipo de tensão, mais complicada, em 1982, relacionada com a revisão constitucional, em que o senhor primeiro-ministro, que na altura era o Mário Soares, retira poderes ao Presidente da República.

 

O que é que aprendeu nesses anos na Presidência da República?

O processo da decisão. Aprendi muito. Não estávamos ali só para assistir. O Eanes obrigava-nos a participar.

 

Ele perguntava a sua opinião? Era uma pessoa que ouvia?

Sim. Não só a mim. Ele reunia com a Casa Civil, a Casa Militar e o gabinete, para discutir coisas importantes. E todos nós dávamos a nossa opinião. Agora, éramos nós que decidíamos? Muitas vezes, quando nos ouvia, já tinha a decisão tomada e já sabia o que iria fazer. Mas queria ouvir. Sobretudo a parte contrária. Sempre deu grande prioridade a isso.

 

Deixe-me voltar ao tempo da televisão, a um programa inovador, em 1978, que misturava informação e entretenimento, o "Tal & Qual". Era um programa completamente diferente daquilo a que as pessoas estavam habituadas.

E eu tive o cuidado de querer que ele fosse transmitido no segundo canal.

 

Porquê?

Só havia dois canais. Quando as pessoas ligavam a televisão, aquilo acendia logo no primeiro. E as pessoas, geralmente, viam o primeiro canal. Era muito raro quererem ver o segundo. E eu achei que se tivesse um programa no segundo canal as pessoas só me viam porque queriam.

 

Depois o programa acabou mal. Foi despedido.

Não fui despedido porque não era funcionário da RTP, era colaborador. Era um produtor independente. Por isso é que eu fiz o jornal Tal & Qual, em resposta. Saiu no dia em que o programa devia ir para o ar. Acabou por aqueles apetites e raivinhas que os políticos têm.

 

Mas não teve que ver com a Igreja Católica, que não gostou de uma entrevista histórica com uma figura da Igreja?

Não. É uma completa falsidade e invenção dos senhores do Partido Socialista, que mandavam na televisão na altura. A desculpa foi essa. Eu dava-me muito bem com o Cardeal D. António Ribeiro. Tive o cuidado de lhe telefonar a dizer: então já sei que estão zangados comigo. Ele nunca tinha ouvido falar em nada. Portanto, aquilo foi uma invenção para acabarem com o programa.

 

Mas tinha anticorpos com o Partido Socialista?

Creio que tenho.

 

Mas isso vem de onde?

Não sei. Penso que vem muito da informação, na altura em que estava na RTP [foi director-adjunto de informação para programas não diários logo após o 25 de Abril], e da maneira como eles sempre tentaram, ou trataram de dominar.

cotacao Nós queremos ler uma história num jornal e não temos. Ou lemos no El País, no Le Monde ou no Le Figaro Magazine. Os portugueses
não têm.

Então, só o PS é que lhe deu problemas?

A mim, não me deu problemas. Mas dá problemas a qualquer pessoa que queira ser independente e dizer a verdade.

 

E o PSD não entrou nesse tipo de questões?

Nunca tive nenhum problema com eles. Com o CDS, a mesma coisa. E com o PC a mesma coisa. Isto não é nada contra o PS, eu fui aluno da Dr.ª Maria de Jesus Barroso, fui amigo do Mário Soares, ainda no tempo do antigamente, fiz a campanha e fui muito amigo do Salgado Zenha. Portanto, como vê…

 

Então, não se pode dizer que seja o PS, são pessoas dentro do partido…

Exactamente. Algumas. Porque há outras por quem tenho e sempre tive muito respeito e muita estima.

 

Em relação ao jornal Tal & Qual, levou menos de uma semana para pôr o primeiro número na banca. Como é que conseguiu fazer isso?

Foi relativamente fácil porque o primeiro jornal tinha oito páginas.

 

E o que é que trazia de novo? Também teve muito impacto na altura.

Eu lembro-me que o Tal & Qual vendia 150, 160 mil exemplares. O primeiro teve um grande impacto porque foi a primeira vez que publicámos uma fotografia do Dr. Sá Carneiro com a Snu Abecassis. Naquela situação em que ainda não eram marido e mulher. Eram amantes.

 

Isso foi complicado na altura? Teve alguma reacção?

Para mim não. Era complicado para o Dr. Sá Carneiro, que teve de ter muita coragem.

 

Foi um jornal que pegou em coisas que os outros jornais não pegavam.

Pegava em tudo o que os outros não diziam. Sobretudo numa altura em que os jornais estavam na mão do partido dominante. Nós fazíamos jornalismo, que era contar o que se passava às pessoas. A Dona Branca, os escândalos da banca, a corrupção, tudo. O caso Casa Pia começou lá. Fomos os primeiros a falar disso.

 

Teve algum processo em tribunal?

Tivemos cento e tal. Ganhámos todos.

 

Havia muita investigação, também.

Mas não era a investigação que nos fazia descobrir as coisas. Na maior parte das vezes, os assuntos vinham cá parar. Nós tivemos o cuidado de dizer aos jornalistas de praticamente todos os jornais, que estavam amordaçados pelos rapazes do sistema: se vocês tiverem uma boa história, tragam-na cá que nós pagamos bem. Mas nunca publicámos nada sem investigar. As coisas, além de serem fundamentadas, só eram publicadas depois de vistas pelos nossos advogados.

 

Olha para o panorama dos jornais em Portugal com alguma preocupação?

Não se pode olhar de outra maneira. Ver o que fizeram aos jornais é uma coisa inacreditável.

 

Mas a culpa é de quem? O que é que está a falhar?

Tudo. Sobretudo ter, nas administrações e nas direcções, gente que não sabe nada do que está a fazer ou que está ali para "abanar o chocalho". Nós queremos ler uma história num jornal e não temos. Ou lemos no El País, no Le Monde ou no Le Figaro Magazine. Os jornais portugueses não têm.

 

Mas as pessoas também não estão menos interessadas em ler jornais? 

Eu sei que há as novas tecnologias aí pelo meio, mas não é só isso.

 

Mas será que as novas gerações sentem essa necessidade de ler jornais?

Se lhes derem a possibilidade de comprar e de sentir o papel, de sentir o livro, não acredito que vão todos para os Kindle [livros electrónicos]. Deixam de ler livros? Não acredito. Uma fotografia não é só virtual, também precisa do suporte de papel e por isso é que há exposições, porque as pessoas gostam de ver em papel. O problema, depois, é a administração de tudo isto. Isso é aquilo que eu acho que falha. E falta saber o que é que interessa às pessoas. No Daily News, os redactores não podiam ter carro. Tinham de andar nos transportes públicos para ouvir o que as pessoas diziam. Quando fiz o Tal & Qual, pensei muito nestes exemplos. As pessoas não sabem e estão noutra realidade. Ouvimos aqueles debates, aquelas cabeças sentadas que a gente tem nas televisões. Pelo amor de Deus!

 

Como é que vê os debates actuais e a forma como os jornais espelham a actualidade? 

Andam todos a dizer a mesma coisa. Não se ouvem uns aos outros? Eu não percebo. São sempre os mesmos, dizem todos o mesmo. Também percebemos que há uns rapazes ali que ganham a vida a dar recados. Não se queixem se as pessoas não compram jornais. É tudo mau. E depois não digam que é o online, as tecnologias. As pessoas não querem ler jornais porque não vale a pena.

 

Se voltasse a fazer entrevistas, quem é que gostaria de entrevistar?

Isso era um problema que eu já tinha nos últimos programas que fiz na televisão. É que eu gostava muito de fazer programas com "conversas de autocarro". Entrevistas a gente que não se conhece. Se reparar, tem de se ser famoso, rico e não sei o quê para ir à televisão. São uns chatos, são sempre os mesmos. E eu gostava de entrevistar pessoas que ninguém sabe quem são.

 

Mas chegou a fazer isso?

Não é fácil. Eu tinha um programa chamado "Conversa Afiada". Nesse programa, procurei fazer isso. Ainda fiz algumas. Mas não é o que querem.

 

O cidadão comum não tem acesso à televisão?

Não. Teve, naquela fase louca dos anos a seguir ao 25 de Abril. Agora não. Se reparar, até chamam aquela coisa "vox populi", para dizer que… estendem o microfone a quem vai a passar e fazem aquelas perguntas completamente idiotas. "Quem é que vai ganhar? Quem é que marca o golo?" Isso não é fazer entrevistas.

 

Os debates políticos, quando os começou a fazer, tinham picos de audiência. Neste momento as pessoas mudam de canal.

Tinha o país pendurado na televisão. Agora aquilo está tudo combinado. Parecem os combates de boxe no Parque Mayer, em que normalmente já se sabia quem é que ia ganhar. O tempo das perguntas, é tudo cronometrado, não há paciência.


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