Órgãos bioartificiais ou gerados através de impressão 3D. Pulmões transplantados de uma espécie para outra. Células estaminais combinadas com genes antienvelhecimento. Um mundo que parece ficção científica, mas não é. É a medicina regenerativa à procura da longevidade e até da imortalidade. É sobre isso que fala Joaquim Sampaio Cabral. Fundador do Departamento de Bioengenharia no Instituto Superior Técnico (IST) e do Instituto de Bioengenharia e Biociência, colocou desde cedo a engenharia bioquímica ao serviço da medicina. Foi um dos oradores no ciclo "Longevidade: Precisão, Implicações Sociais, Regeneração", uma iniciativa que decorreu nos meses de maio e junho na Culturgest.
O que o levou a dedicar-se à área da medicina regenerativa?
Tenho formação de base em engenharia química, mas estive sempre próximo da área das ciências da vida e da saúde, muito motivado pelos avanços da bioquímica e da biologia de desenvolvimento, sobretudo em torno das células estaminais. Por volta do ano 2000, criei uma área de investigação e de ensino em terapias celulares e medicina regenerativa no Instituto Superior Técnico. Em 2007, chegámos a ter um projeto com o IPO (Instituto Português de Oncologia) de Lisboa e com o Centro de Histocompatibilidade do Sul. Utilizávamos as designadas células estaminais mesenquimatosas, que têm excelentes propriedades imunomoduladoras e anti-inflamatórias, na chamada doença do enxerto contra o hospedeiro – ocorre quando há uma complicação após um transplante de medula e as células do dador atacam as do tecido do transplantado. As tais células estaminais são obtidas a partir da medula do dador, mas também podem ser extraídas do cordão umbilical ou da placenta – considerados resíduos hospitalares. Num recém-nascido, o número de células estaminais mesenquimatosas é muito superior ao que existe num adulto. Ou seja, num bebé, há uma célula deste tipo em cada dez mil células de medula óssea; numa pessoa com 80 anos, essa proporção é de uma em dois milhões.
Devemos então preservar o cordão umbilical e a placenta?
As empresas ou bancos públicos geralmente guardam o sangue, mas para tratar a doença do enxerto contra o hospedeiro é preferível usar a matriz, ou seja, o próprio cordão. Existem alguns constrangimentos neste tratamento, uma vez que é necessário um milhão de células por quilo de paciente. Ou seja, se a pessoa pesar 70 quilos, precisa de 70 milhões de células. E geralmente são aplicadas duas infusões. Para gerar essa quantidade, fazemos aquilo que se designa por expansão, ou seja, produzimos "ex vivo" as células, em biorreatores, e vamos multiplicando até termos a dose necessária para o tratamento.
Já não realizam esse procedimento?
Uma vez que o número de células (produto celular) necessárias para um dado tratamento é obtido "ex vivo", é considerado um ATMP (Advanced Therapy Medicinal Product – Produto Medicinal de Terapia Avançada) e por isso tem de estar devidamente enquadrado na legislação europeia e portuguesa, e a legislação portuguesa é mais restritiva. Por exemplo, para libertarmos esse produto celular, é-nos exigido – e bem – um diretor de qualidade em permanência, e esse diretor tem de ser um especialista farmacêutico. Em Espanha, por exemplo, pode ser um biólogo. Enquanto instituto académico, temos uma missão de ensino, investigação, inovação e até de transferência de tecnologia, mas não temos uma missão de produção, pelo que não contrataríamos um diretor de qualidade para a manufatura de um produto. Contudo, apoiamos a criação de startups que fizeram esse percurso (de produção de células estaminais) ou que o estão a fazer.