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Joaquim de Almeida: Continuo a ser o “Quim de Hollywood”

Ele é Don Epifanio Vargas na série “A Rainha do Sul”, exibida na Fox Life, ele é Foucher em “The Hitman's bodyguard”, filme onde contracena com Ryan Reynolds e Samuel L. Jackson. Joaquim de Almeida está agora em Portugal, onde é o anfitrião do festival “Grant’s Stand Together”, que está este fim-de-semana na Fundação de Serralves, no Porto.

Pedro Elias
30 de Junho de 2017 às 09:15
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Neto, filho e irmão de farmacêuticos, Joaquim de Almeida contornou o negócio familiar, aventurou-se por terras americanas e conseguiu entrar no "star system" de Hollywood. Ainda hoje é o actor português com maior projecção nos Estados Unidos. Ele continua a ser o "Quim de Hollywood", alcunha da autoria de João César Monteiro. Joaquim de Almeida, que celebrou 60 anos em Março, tem tido uns meses agitados com filmagens intensas. Ele é Don Epifanio Vargas, líder de um cartel mexicano, na série "A Rainha do Sul", exibida na Fox Life, ele é Foucher em "The Hitman’s bodyguard", filme de Patrick Hughes, onde contracena com Ryan Reynolds e Samuel L. Jackson. O actor está agora em Portugal, onde é o anfitrião do festival "Grant’s Stand Together", que acontece este fim-de-semana na Fundação de Serralves.

Joaquim de Almeida recorda os tempos passados nos laboratórios Jaba, negócio familiar fundado pelo avô paterno, José António Baptista de Almeida. O pai, João Baptista de Almeida, apoiava a oposição democrática ao regime de Salazar e brindou o 25 de Abril, mas depois lutou para evitar a nacionalização da indústria farmacêutica. Um pouco antes, Joaquim de Almeida já se tinha emancipado da família. Estudava no Conservatório e mantinha quatro empregos, um deles como cozinheiro na Universidade de Ciências. "Era o único homem entre 30 mulheres, chamavam-me o Flecha Negra porque havia uma série de televisão com esse nome e elas achavam-me parecido com o personagem". No total, ganhava sete contos por mês numa altura em que o ordenado mínimo era de dois contos e trezentos. Depois da Revolução, o Conservatório fechou por falta de verbas, e o actor andou pela Europa, viveu na Áustria, foi para Nova Iorque e hoje vive entre Santa Mónica, na Califórnia, e Sintra.  

Chegaram a chamar-lhe "Quim de Hollywood". Ainda se revê nessa alcunha?
Essa alcunha foi-me dada pelo João César Monteiro. Habitualmente, não me tratam por Quim de Hollywood, mas é aquilo que eu sou. Sempre fui Quim para os meus amigos de infância e para a minha família. Por isso, até achei graça a esse nome, Quim de Hollywood…

Porque não há muitos portugueses com a sua projecção nos Estados Unidos?
Diria mesmo que não há nenhum português com a projecção que eu tive. Temos a Daniela Ruah, que está a fazer a mesma série ("Investigação Criminal - Los Angeles") há muitos anos, são 24 episódios por temporada, ela está a ficar rica (risos), não tem é feito muito mais coisas. E agora há alguns portugueses, miúdos com 28, 29 anos que, por não terem uma série como eu ou como a Daniela, estão a criar o seu próprio trabalho, algo que os americanos se habituaram a fazer. Com muito pouco dinheiro, montaram uma produtora, criaram "sketches" para uma série, as pessoas gostaram e mostraram interesse. Eu investi no projecto deles, não posso contar muito mais. Mas acho que esta pode ser uma boa forma de os jovens entrarem no mercado.

Quando digo que sou português, respondem-me: ah, sim, quero conhecer! Os americanos descobriram Portugal. Há uns anos, nem sequer sabiam onde ficava.

E o que fez o Joaquim de Almeida para entrar no chamado "star system"?
Não sei. Fui para Nova Iorque muito novo, quando tinha 19 anos, e tive a sorte de conseguir entrar no meio artístico. Acho que, no momento em que lá cheguei, havia menos competição, apareci numa altura em que se procuravam pessoas com sotaques verdadeiros. Hoje, a maioria dos actores tenta perder a sua pronúncia de origem para poder fazer personagens americanos. Há muita gente, gente muito boa, e a concorrência é forte. Quando cheguei a Nova Iorque, não havia nenhum português, ainda hoje as pessoas acham que eu sou mexicano ou colombiano. Se bem que, agora, quando digo que sou português, respondem-me: ah, sim, quero conhecer! Os americanos descobriram Portugal. Há uns anos, nem sequer sabiam onde ficava. Portugal passou a ser um país na lista de destinos a visitar. Têm saído vários artigos na imprensa americana sobre o interior de Portugal, sobre as terras do xisto, sobre os vinhos portugueses…


É o sexto de oito irmãos, filho e neto de farmacêuticos. Nunca pensou em seguir essa profissão?

Sou o único dos meus irmãos que decidiu ser actor. Cinco dos meus irmãos trabalhavam com o meu pai. Nós tínhamos um laboratório farmacêutico, o Jaba Laboratórios, fundado pelo meu avô, José António Baptista de Almeida, que vendemos há uns anos. Somos muitos e geralmente, na terceira geração, os negócios familiares complicam-se. Os meus irmãos não estavam a entender-se e o meu pai, que agora tem 95 anos, achou que era melhor vender, e vendeu na altura certa, aquilo vendeu-se bem.

Que recordações tem desses tempos de infância passados no laboratório?
Quando era miúdo, tínhamos os laboratórios da Av. Defensores de Chaves, na Casal Ribeiro, depois é que fizemos os grandes laboratórios na Abrunheira. A minha infância foi passada por ali e, como a minha mãe era "mão direita" do meu pai, todas as conversas andavam à volta de medicamentos e assim. O negócio corria bem, eu e os meus irmãos estávamos na Escola Alemã, mas aos 16 anos eu resolvi ser actor, depois de ter dado uma volta pela Europa.

Quando estava em Paris, encontrei uma actriz, a Cecil Gordon, que estava a ensaiar uma peça do Moliére. Fui assistir e depois disso pensei: mas isto é aquilo que eu ando sempre a fazer. Quando via filmes e gostava de um personagem, tentava sempre imitá-lo. Coxeava se fosse preciso. As pessoas até me ajudavam a subir as escadas! Eu fazia estas coisas na rua, a minha mãe é que não achava piada nenhuma. Então, quando vi aquela peça em Paris, pensei: ah, então isto é uma profissão. Quando regressei dessa viagem pela Europa, fui para o Conservatório Nacional. Fiz os primeiros dois anos e depois houve a revolução e o Conservatório fechou por falta de verbas.

Já que existem "lobbies" em Portugal, ao menos que sejam legislados, como nos Estados Unidos, com limites. Não havendo lei, não há limites.

Antes disso, foi expulso de algumas escolas. Era muito irrequieto?
Eu era um miúdo com hiperactividade e défice de atenção. Na altura, dizia-se que era um miúdo mal comportado. Tinha uma energia fora do normal, fui expulso de várias escolas, sim, chegava a ser eleito chefe de turma e depois proibiam-me de o ser. Se não gostasse de um professor, era capaz de fazer um sinal aos meus colegas para sairmos da sala e levar as cadeiras connosco… sei lá, tinha uma imaginação muito grande. No Conservatório, dei-me bem. Nessa altura, cheguei a fazer figuração no São Carlos, também era cozinheiro na Universidade de Ciências – era o único homem entre 30 mulheres, chamavam-me o Flecha Negra porque havia uma série de televisão com esse nome e elas achavam-me parecido com o personagem. Também fazia um programa na televisão. Eu tinha quatro empregos!

Os seus pais não o sustentavam?
Saí de casa aos 17 anos e o meu pai disse-me: ai é? Então pronto. Eu vivia à minha custa. Mas conseguia tirar sete contos por mês, numa altura em que o ordenado mínimo era de dois contos e trezentos. Vivi em Santa Catarina com a Teresa Ricou e com uma série de gente – ela tinha, e ainda tem, uma casa grande onde vivíamos todos. Depois aluguei um apartamento na Rua das Janelas Verdes com o Fernando Heitor e com uma amiga. Lembro-me que pagávamos três contos e trezentos, tínhamos nove assoalhadas ou uma coisa assim.

Antes disso, chegou a integrar o Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa. Era politicamente activo?
Sim, pertenci ao MAESL antes de ir para o Conservatório. Na altura, estava na D. João de Castro e eu e os meus colegas andávamos de escola em escola, sempre muito activos. No dia 25 de Abril, o meu pai acordou-nos e abriu champagne para celebrar. Ele era um anti-salazarista e contribuiu sempre para a oposição à ditadura portuguesa. De vez em quando, a PIDE ia lá a casa chateá-lo. Havia uma janela lá em cima, a partir da qual se via o portão, e, quando os ‘Pides’ apareciam, o meu pai pedia à nossa empregada, a dona Fernanda, para dizer que o doutor não estava. Mas depois do 25 de Abril, na altura do Vasco Gonçalves, fizeram-se coisas em Portugal que não cabiam na cabeça de ninguém e o meu pai teve problemas quando quiseram nacionalizar a indústria farmacêutica. Ele teve de explicar que, se nacionalizássemos a indústria farmacêutica, poderíamos ter um problema de matérias-primas. E lá conseguiu provar que não seria boa ideia nacionalizar a indústria farmacêutica.  

Já não me convidam para fazer filmes em Portugal, acham que não têm dinheiro para me pagar. Se me apresentarem um filme que
eu goste, direi: vamos embora.

Depois do 25 de Abril, o Joaquim de Almeida foi para os Estados Unidos.
Saí de casa dos meus pais um bocadinho depois disso. Estava a tirar o Conservatório e o antigo sétimo ano ao mesmo tempo, nunca cheguei a acabar e depois o Conservatório fechou. Estive na Áustria, vivi seis meses em casa do António Victorino d’Almeida, e trabalhava como jardineiro na Embaixada do Zaire, porque a minha namorada era a secretária da Embaixada. Ela tinha uma amiga, a francesa Sybil Harlé, que eu apresentei ao Victorino d’Almeida, e eles acabaram por casar. Entretanto, através dele, conheci a minha primeira mulher, pianista clássica, a Andrea Nemetz. Casámos e, como ela tinha uma bolsa de estudo para Nova Iorque, fomos para lá.

Tem tido um 2017 cheio de trabalho, com a série "A Rainha do Sul" e o filme "The Hitman’s Bodyguard", de Patrick Hughes.
Tenho trabalhado muito, sim, mas eu sempre trabalhei muito. Agora, acabámos de filmar a 2ª temporada de "A Rainha do Sul", tenho um filme para sair em Agosto, o "The Hitman’s Bodyguard" (de Patrick Hughes), com o Samuel L. Jackson e o Ryan Reynolds. Também estava a trabalhar na série "Training Day" mas entretanto morreu o actor principal, o Bill Paxton, que teve umas complicações numa operação. E fiz umas participações no filme "Downsizing", conheço o realizador, Alexander Payne, e ele foi buscar os amigos para fazerem umas coisas pequeninas.

Ganha mais dinheiro a fazer séries ou com os filmes?
Agora, ganhamos mais dinheiro nas séries, mas também trabalhamos muito mais. Por exemplo, a série da Daniela tem 24 episódios, isso eu não faria, ela está sempre a trabalhar. Mas é verdade que as séries dão um dinheirão e, além disso, cada canal paga os chamados "residuals". Hoje em dia há muito mais trabalho para televisão, os bons guionistas estão todos lá e os directores de fotografia também querem fazer televisão, porque o cinema independente, mesmo nos Estados Unidos, está um bocadinho em baixo, é difícil atrair investimento. O cinema que ainda continua a funcionar é o cinema de estúdio, com filmes de acção ou os Marvel.

Nunca pensou realizar um filme?
Pensei, mas, como disse o Michael Caine depois de realizar um filme: eh, pá, dá muito trabalho e eu gosto é de estar no outro lado da câmara.

Mas chegou a pensar fazê-lo em Portugal?
Em Portugal não há dinheiro para fazer filmes! Se fosse fazer filmes, iria para um sítio que desse dinheiro. Um episódio de uma destas séries de televisão que estou a fazer custa mais do que qualquer filme português. A dada altura, realizei uma ou duas curtas em França e depois não havia dinheiro para isto, não havia dinheiro para aquilo… Essa é a parte que não me apetece, eu quero é fazer aquilo que sei fazer.  

Numa entrevista, dizia que, cultural e cinematograficamente, já tinha "morrido" em Portugal.
Fiz filmes como os "Os Imortais", do António-Pedro Vasconcelos, fiz filmes com o Joaquim Leitão, numa altura em que ainda se pagava alguma coisa, e eu até fazia um preço muito especial. Agora já não me convidam, acham que não têm dinheiro para me pagar. Mas, se me apresentarem um filme de que eu goste, eu direi: vamos embora, tendo tempo, vamos embora.

Estaria disposto a fazê-lo quase "pro bono"?
Sei lá, daria aquilo que fosse possível fazer, mas dar-me-ia um certo prazer. Porque sou português.

Mas já vive fora de Portugal desde os 19 anos.
Venho cá muitas vezes. E continuo a falar português, apesar das minhas calinadas e bacoradas. No início da minha carreira, vinha cá poucas vezes, depois as coisas começaram a correr bem e eu comprei um apartamento em Portugal, depois comprei um apartamento maior, depois comprei uma casa. E quis ter os meus filhos em Portugal, quis ter filhos portugueses, apesar de o Lourenço estar agora em Nova Iorque – e achar que, tão depressa, não quererá regressar. A minha filha tem 15 anos e este Verão tirei férias sobretudo para estar com ela, o Facetime ajuda mas não é tudo…

Continua a viver entre Sintra e Santa Mónica, na Califórnia.
Entre Ranholas e Santa Mónica. Vivo na praia. De minha casa para Hollywood, sem trânsito, demoro cerca de 25 minutos. E agora há muitos realizadores e produtores que vivem em Malibu e têm escritórios em Santa Mónica. Descobri que viver na praia é uma maravilha, então vendi o meu "loft" em Nova Iorque, já não estava a gostar muito de lá estar, e comprei um apartamento em Santa Mónica. É um 3º andar. Agora, está a apetecer-me ter mais luz natural, queria estar num andar mais alto, então fui ver um apartamento um bocadinho maior que o meu, mais 30 metros quadrados e com uma vista melhor. O preço? 3,2 milhões de dólares. Está tudo maluco! Mas também comprei o meu por 900 mil e agora vale a 1,4 milhões.

A especulação imobiliária não existe apenas em Lisboa.
O meu irmão comprou um apartamento ao pé da Avenida da Liberdade, e eu fui à procura de um apartamento na mesma zona. Percebi que, a cada seis meses, os preços aumentam brutalmente. Custa-me perceber se vale mesmo a pena estar a pagar aqueles preços. Ainda ontem vi uns prédios na Costa do Castelo, onde vivi em tempos, estavam lá uns apartamentos de 90 m2 por 650 mil euros! Eu tive uma casa na Lapa, que vendi há 18 anos por 450 mil euros, mas tinha 220 m2.

Como é que é viver na América de Trump?
É uma confusão enorme, porque ninguém percebe o que é que Trump quer. Um dia diz uma coisa, no outro dia diz outra. Trump é um menino mimado, sempre foi. Quando cheguei aos Estados Unidos, ele tinha 30 anos e estava a construir a Trump Tower, já era aquele gajo com um narcisismo incrível. Mas ele não tem o apoio do mayor de Los Angeles nem de Nova Iorque. E a mão-de-obra mexicana é considerada essencial, os mexicanos fazem aquilo que os americanos não querem fazer, são um bocadinho como eram os portugueses em França.

Mas em zonas como o Texas é diferente. Estive lá e vi as autoridades a mandarem parar os mexicanos na rua, obrigando-os a identificarem-se, e a separar famílias. Via-se isso nas ruas. Trump ganhou por causa da estupidez dos democratas, que acharam que tinham a vitória na mão e não prestaram atenção às pessoas. Hillary não era a presidente que os americanos queriam. E agora o Trump está a tentar destruir tudo o que ajuda as camadas menos privilegiadas.

Como olha para os políticos em Portugal?
Vejo as capas de jornais e todos os dias há escândalos e casos de corrupção, algo impressionante para um país tão pequeno. Pedem aos portugueses para apertar o cinto, mas eu vejo cada vez mais gente rica. Como é que os políticos, com o dinheiro que ganham na política, de repente têm casas, e carros e tudo? Já que existem "lobbies" em Portugal, ao menos que sejam legislados, como nos Estados Unidos, com limites. Não havendo lei, não há limites.

Tem a percepção de que a justiça portuguesa está a funcionar melhor?
Não sei. Eu fechei um restaurante há nove anos – o Churrascão do Tejo – e esperei nove anos para que o tribunal considerasse que não tinha sido uma falência fraudulenta. Depois disso é que se avançou com uma acção contra a Porto de Lisboa, e agora terei de esperar mais uns nove anos. Dezoito anos para resolver uma coisa! Acabei por gastar um dinheirão. Não sei se isto é a Justiça a funcionar.

Mesmo assim, quer vir para Portugal quando se reformar?
Posso reformar-me aos 65 anos, já não falta muito. Depois, irei tentar passar os invernos na Califórnia e os verões em Portugal. Quando não puder andar mais de um lado para o outro, nessa altura, então irei ficar mais por este lado.

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