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Há 40 anos era assim

Há 40 anos, quando o Estado assinou o primeiro contrato de concessão rodoviária, com a Brisa, o desenvolvimento das auto-estradas em Portugal era um desejo colectivo.

30 de Novembro de 2012 às 12:41
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Nos anos 70, a sinalização de obras na via era feita com "bidões", o serviço de assistência mudava velas e platinados, havia engarrafamentos nas praças de portagem e as receitas geradas, contabilizadas em livros de "deve e haver", chegavam a ser transportadas em veículos de caixa aberta.

Dois touros fugidos do matadouro. Um avião que se fez à "pista". Um barco de salvamento que enfrentou a enxurrada. Pela Auto-Estrada do Norte (A1) passaram, ao longo dos anos que contam a sua história, mais do que apenas carros e camiões. Momentos únicos, insólitos e inesperados que Valdemar Mendes, hoje presidente da comissão directiva da Brisa Operação e Manutenção (BO&M), recorda das mais de três décadas em que está no grupo.

Naquela manhã de 1984, o SOS foi dado e o trânsito imediatamente cortado nos dois sentidos. Dois touros tinham entrado na auto-estrada pelo acesso de Vila Franca de Xira, perto do qual ficava então um matadouro. Valdemar Mendes estava há apenas quatro anos na Brisa, onde começou como chefe de centro de assistência e manutenção, hoje chamado de centro operacional. Um dos animais acabou por sair sozinho da via, mas o outro teve de ser abatido a tiro. Mesmo estando "mais assustado do que toda a gente" e "sem ter ido contra nenhum carro", conta.

Dois anos antes, a sua equipa tinha já sido chamada a intervir por causa das cheias que em poucas horas alagaram uma zona da auto-estrada entre Vila Franca e Carregado. Apesar de haver já um metro de água de altura, uma camioneta de passageiros da Rodoviária Nacional decidiu aventurar-se e atravessar a tormenta. A meio, contudo, o condutor parou, receando ser levado pela enxurrada e ir parar ao Tejo. A solução foi recorrer a um zebro (barco) dos bombeiros para salvar os passageiros. Por causa das cheias desse ano, lembra, a auto-estrada do Norte chegou a estar cortada quase 24 horas.

Mais trágica poderia ter sido a aterragem de um avião monomotor em plena via na zona de Leiria, no sentido Norte-Sul. A meio de uma tarde de Setembro de 2003, devido a problemas no motor, o piloto fez da A1 uma pista de aterragem. O episódio acabou por não ter consequências, provocando apenas a estupefacção de condutores, o corte do trânsito e o trabalho de desmontar as asas e remover a aeronave.

A história das auto-estradas em Portugal acompanha, em grande medida, a da Brisa. A empresa, então privada e liderada por Jorge de Brito, assinou com o Estado, a 4 de Dezembro de 1972, há 40 anos, o primeiro contrato para a construção, conservação e exploração de auto-estradas em regime de concessão. Esta englobava os troços então existentes da A1, A2, A3 e A5 e a sua conclusão, como era o caso de Lisboa/Porto, Fogueteiro/Setúbal e Estádio Nacional/Cascais.

A ligação de Lisboa ao Estádio Nacional - o primeiro lanço da A5 - tinha-se tornado muito antes, em 1944, a mais antiga auto-estrada do País, ainda que fosse conhecida na altura como estrada nacional nº 7. Foi quase 20 anos depois que o governo de então considerou de "importância nacional" a ligação entre as duas maiores cidades do país, dando-se início, em 1961, à construção da A1, no troço Lisboa-Vila Franca. Foi também nos anos 60, com a entrada em funcionamento da ponte sobre o Tejo, que arrancou a construção da A2, que viria a unir a capital ao Sul.



Lisboa ao Porto podia demorar oito horas
Há 40 anos, Portugal dava o primeiro passo no recurso a empresas privadas para o financiamento da construção de infra-estruturas rodoviárias. Dois anos depois, os acontecimentos políticos de 1974 colocaram a Brisa na esfera do Estado. Além disso, provocaram alterações no conceito, na administração e nas prioridades de actuação da empresa nacionalizada.

A existência de auto-estradas foi, nessa altura, muito questionada, conta Luís Geraldes, actual director jurídico da Brisa. "Havia a ideia de que as auto-estradas eram para ricos e que não eram necessárias", explica. Apesar da A5 e da A1 estarem, na altura, em construção, o governo saído da Revolução decidiu suspender os trabalhos em curso na ligação a Cascais, considerada uma "auto-estrada para privilegiados". Na A1 as obras só prosseguiram porque "havia o início, o meio e o fim". Algo que tornava inútil não construir o resto, recorda Luís Geraldes, sublinhando a decisão acertada, anteriormente tomada, de avançar com a construção Condeixa/Mealhada, a qual tornou possível continuar os trabalhos na A1. No total, foram necessárias três décadas para concluir a ligação Lisboa-Porto, o que aconteceu em 1991, ainda assim três anos antes do previsto.

"Para ir ao Porto fazíamos o testamento e despedíamo-nos da família", brinca Valdemar Mendes, lembrando que percorrer a estrada nacional nº1 era cansativo e stressante, até porque era necessário atravessar uma série de localidades, como Leiria, Coimbra ou São João da Madeira. Com muita sorte, a viagem exigia quatro horas e meia. Mas "podia demorar oito em épocas como o Natal, a Páscoa ou os Finados", lembra, realçando o desejo que a população via na conclusão da A1.


O tempo do "TD"
A gestão das auto-estradas era então totalmente diferente do que é hoje. Fundamentalmente, sublinha o actual responsável da BO&M, por causa das comunicações. Se hoje a empresa tem um centro de coordenação operacional e a fibra óptica permite a transmissão da informação por todo o país, no início de 80, quando não havia telemóveis, a única forma de comunicação nas auto-estradas com o exterior era através da Brisa. E por cabo de cobre, que não permitia fonia a mais de 40 quilómetros.

O transporte diário de documentação entre os centros de assistência e a sede da empresa era assegurada pelo "TD". Assim era conhecido o Peugeot 504 que saía da sede em Lisboa, alternadamente para Norte e para Sul, para levar e trazer documentação, cheques, expediente em geral. "Em 1980 não havia fax. Só um telex e estava na sede", recorda Valdemar Mendes, que se lembra do primeiro telemóvel - com ar de rádio da tropa - usado pelo director de exploração já no início dos anos 90.

As ocorrências na via eram, há 30 anos, muito semelhantes às de hoje no que respeita a socorro a acidentes. Muito diferente era a desempanagem, ou assistência técnica, já que na altura era possível substituir velas, platinados ou cabos de acelerador na estrada. Falta de combustível já havia. Furos nos pneus eram correntes. Já casos de contramão constituem um fenómeno recente, que se tornou mais frequente nos últimos 10 anos, refere o responsável, que não encontra explicação para tal.

Muitas das regras de sinalização e protecção introduzidas nesses tempos pela Brisa vieram a ser adoptadas pelo código da estrada. Os progressos nesta área foram uma constante ao longo dos últimos 40 anos. Em 1977, no Carregado, não havia cones de sinalização de obras. "Usavam-se bidões", recorda José Braga, actual administrador da Auto-Estradas do Atlântico e da Brisal, participadas da Brisa, que entrou na empresa em 1981 para a área de segurança de circulação.


As inovações
Ao mesmo tempo que abria ao público lanços de auto-estradas, a concessionária criava novos produtos e serviços. A assistência a clientes foi desenvolvida em 1981 e, seis anos depois, surgiu a primeira área de serviço do país, na Mealhada. Em 1990 são instaladas barreiras acústicas e em 1994 aplicou-se, pela primeira vez em no país, pavimento drenante. O desenvolvimento da Via Verde, sistema de portagem electrónica utilizado desde 1991, foi, no entanto, o verdadeiro "ovo de Colombo" do grupo.


José Braga era director de exploração quando Gastão Jacquet, então responsável pelo núcleo de investigação e desenvolvimento electrónico, encontrou a forma de adaptar às auto-estradas um sistema de controlo de acessos então utilizado na Noruega. "Quando se conseguiu associar a identificação de um veículo à classificação de tráfego estava criada a Via Verde", recorda. Na altura, explica, o tráfego estava a crescer a forte ritmo e as estruturas de cobrança de portagem da concessionária encontravam-se desajustadas. "Era necessário diminuir as filas sem fazer grandes investimentos", o que foi resolvido de forma inovadora com a Via Verde. Hoje, o objectivo em cima da mesa é a interoperabilidade com Espanha, algo que José Braga garante que acontecerá em pouco tempo.

Longe vão os tempos em que o controlo dos proveitos das portagem era feito à mão, num livro de "deve e haver", no qual era registado o dinheiro movimentado. José Braga ainda se lembra da receita proveniente de Sacavém ser transportada para o Carregado em viaturas de caixa aberta. "E nunca houve um assalto" , garante.


A abertura à concorrência
Só nos anos 90 a Brisa deixou de ser a única concessionária de auto-estradas no país, na sequência da decisão do governo de construir uma segunda travessia sobre o Tejo. A Lusoponte ganhou o concurso então lançado, ficando responsável pela operação das duas pontes. Assinado em 1995, o contrato é hoje considerado a primeira parceria público-privada em Portugal. Seguiu-se a Auto-Estradas do Atlântico, cujo contrato de concessão data de Dezembro de 1998, e a Aenor, actualmente Ascendi, detida pela Mota-Engil e pelo BES, que ganhou a primeira concessão em 1999.

Nos anos que se seguiriam, a aposta do governo de António Guterres foi nas auto-estradas sem custos para o utilizador, as chamadas Scut, concursos em que a Brisa teve de ficar de fora. O sector abria-se à concorrência. Ainda mais a partir de 2008, quando começaram a ser adjudicadas as sete novas subconcessões da Estradas de Portugal.

 

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