Notícia
Portugal, um território rasgado
Foi como Consórcio Técnico-Financeiro Brisa que, em 1972, ganhou o concurso público para a concessão da rede de auto-estradas lançado pelo Estado que, pela primeira vez, se valia dos recursos financeiros das empresas privadas.
Dos poucos mais de 300 quilómetros que foi encarregue de construir, conservar e explorar há 40 anos, hoje o grupo opera quase 1.600 em Portugal
"O sistema de financiamento privado na construção de auto-estradas, mobilizando o dinamismo das empresas privadas assim como novos recursos financeiros, permitirá economias significativas na execução das obras". A frase, que podia ter sido proferida nos últimos anos, tem, contudo, quatro décadas. Serviu para Rui Sanches, ministro das Obras Públicas de Marcello Caetano, justificar, a 4 de Dezembro de 1972, a assinatura do primeiro contrato para a construção, conservação e exploração de auto-estradas em regime de concessão em Portugal.
A partir dessa altura, a Brisa ficou responsável pela concessão dos troços existentes da A1, A2, A3 e A5 e pela conclusão destas auto-estradas, num total de 346 quilómetros. A assinatura do contrato, sublinhava no mesmo discurso Rui Sanches, "coroa muitos trabalhos e canseiras e longos e delicados estudos, mas assinala, essencialmente, um marco verdadeiramente excepcional para o fomento do País".
O ministro de Marcello Caetano avisava ainda que "a rede de auto-estradas que vamos rasgar no território continental é de si mesmo uma obra gigantesca, mas representa, sobretudo, um factor decisivo de progresso, elemento de promoção económica, turística e industrial, catalisador do fomento, nesta hora de viragem para os vastos horizontes do porvir, que estamos a viver".
De responsável pelo "grande empreendimento" que lhe foi entregue em 1972 - de construir, conservar e explorar quase 350 quilómetros -, em 40 anos o grupo aumentou a sua rede para quase 1.600 quilómetros. Hoje tem seis concessões em Portugal e presença internacional em três países.
Em quatro décadas, entregou auto-estradas à média anual de 34 quilómetros, tendo o crescimento da rede implicado um investimento directo próximo dos 8 mil milhões de euros. Até 2014, o investimento total anual na sua concessão principal ascenderá, em média, a 65 milhões de euros.
José Braga, actual administrador da Auto-Estradas do Atlântico e da Brisal, duas das participadas da Brisa, destaca, entre os momentos mais marcantes da história da empresa, a conclusão dos 1.200 quilómetros de rede previstos no contrato de concessão com o Estado, em 2007. Mas também o processo de privatização da empresa, iniciado dez anos antes. Como recorda, a forma como a operação foi concretizada permitiu apostar na modernização e no nível de serviço ao cliente. "Até aí, a preocupação do Estado era com a receita e em valorizar a empresa", sublinha.
A Brisa não ficou, contudo, imune aos desenvolvimentos económicos do país que começaram a reflectir-se sobre o valor das suas acções a partir de 2008. Este ano a concessionária foi objecto de uma oferta pública de aquisição lançada pela Tagus, participada do grupo José de Mello, e do fundo Arcus, que pediram já a perda de qualidade de sociedade aberta. Ainda a aguardar autorização da CMVM, o grupo sairá da bolsa 15 anos depois de ter entrado, em 1997.
A estreia internacional do grupo deu-se em 2001, com a aquisição de 20% da brasileira Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR), participação que entretanto alienou. Hoje tem uma concessão no estado norte-americano do Colorado, 50% da Brisa Nedmobiel Ventures (BNV) na Holanda, ligada a projectos de mobilidade, e 40% da Feedback Brisa Highways, empresa indiana área da operação, manutenção e cobrança de portagens de auto-estradas naquele país.
3.000 quilómetros de auto-estradas
Em 40 anos, a rede de auto-estradas em Portugal atingiu uma extensão próxima dos 3.000 quilómetros, uma das maiores na Europa. Um crescimento que, à semelhança dos argumentos usados por Rui Sanches em 1972, foi justificado pelos sucessivos governos com o desenvolvimento das diferentes regiões do País. E possível com o recurso ao modelo de parceria público-privada (PPP), que possibilitou ao Estado diluir por prazos mais alargados os custos de construção de todas estas infra-estruturas.
Contabilizando as antigas Scut, que entraram em funcionamento nos primeiros anos deste século, e as novas subconcessões da Estradas de Portugal, adjudicadas entre 2008 e 2010, os encargos totais para o Estado estimados com as PPP rodoviárias serão de mais de 20 mil milhões de euros ao longo da sua vida. Isto tendo já em conta os cortes na despesa previstos com a renegociação dos contratos com os privados que tem estado a ser feita. É a dimensão destes encargos que tem feito reflectir sobre o número de contratos de concessão em regime de PPP que foram assinados em Portugal e os custos que representarão para as gerações futuras.