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Filipa Rocha, a jovem inventora que conquistou o Instituto Europeu de Patentes

A igualdade de oportunidades para todas as crianças é um dos propósitos de vida de Filipa Rocha, a engenheira informática de 27 anos distinguida esta semana pelo Instituto Europeu de Patentes, com o segundo lugar do Prémio Jovens Inventores
Susana Torrão 07 de Julho de 2023 às 14:45

Juntou peças de lego e um pequeno robô, falou com vários professores e desenvolveu um projeto para ajudar crianças com dificuldades visuais a aprender programação e a adquirir competências digitais. A investigadora portuguesa Filipa Rocha conquistou esta semana o segundo lugar do Prémio Inventor Europeu 2023, na categoria Jovens Inventores, lançado pelo Instituto Europeu de Patentes. Filipa tem 27 anos, é engenheira informática, está a fazer o doutoramento na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e ainda dá aulas no Instituto Superior Técnico. Mas os seus dias começam quase sempre em cima de uma prancha de surf.


Tem no sorriso rasgado e no entusiasmo a sua imagem de marca. Filipa Rocha foi distinguida esta semana com o segundo lugar do Prémio Jovens Inventores, promovido pelo Instituto Europeu de Patentes. A engenheira informática apresentou em Valência um sistema de aprendizagem inclusivo que, ao recorrer a peças de lego e a um pequeno robô, permite que crianças com dificuldades visuais aprendam programação e adquiriram competências digitais. O interesse pela educação e pela infância acompanham Filipa há vários anos, mas foi através do voluntariado que a investigadora despertou para a falta de oportunidades de algumas crianças.

A distinção "veio mostrar-me que aquilo que estou a fazer é mesmo importante", diz a estudante de doutoramento da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e professora assistente do Instituto Superior Técnico (IST). Os dez mil euros do prémio vão ser utilizados para continuar a desenvolver o projeto que, no futuro, Filipa Rocha quer colocar no mercado: "Gostava de criar ou de integrar uma startup na área de jogos educativos e, a partir daí, tornar o meu projeto sustentável financeiramente e acessível às escolas. Gostava mesmo que fosse uma coisa que qualquer criança pudesse usar".

Filipa divide-se entre o trabalho para o doutoramento, as aulas que dá no Instituto Superior Técnico enquanto professora assistente, o voluntariado e o desporto, com os dias a começarem em cima de uma prancha de surf, em Carcavelos ou na Costa da Caparica. O ritmo acelerado é-lhe essencial - "não gosto de estar parada, preciso de preencher o tempo!" -, mas obriga-a a um "malabarismo interessante".

Foi com 17 anos, quando começou a fazer "babysitting", que Filipa ficou mais atenta à temática da educação. Um ano depois fez o curso de monitora e passou a integrar a equipa dos campos de férias da Jovens Seguros e foi lá que teve contacto com a Cova do Mar, associação sem fins lucrativos que atua no bairro do Segundo Torrão, no concelho de Almada. "Uma colega, cuja família era da Cova do Vapor, começou a fazer campos de férias para crianças. Os campos evoluíram, passaram a ser feitos quase todo o ano, e de repente tínhamos uma associação. Conhecer a realidade das crianças que estavam tão perto - eu ia para a praia em São João da Caparica, elas vivem ali ao lado! - fez-me querer mudar a situação", conta. Desde então, a associação tem vindo a desenvolver várias iniciativas, como uma ludoteca comunitária. "Tentamos dar a estas crianças as oportunidades que não têm na escola ou em casa", explica.

Ao mesmo tempo, Filipa tornou-se voluntária da Just a Change, ONG que atua na reabilitação de habitações degradadas. "É um projeto com o qual me identifico muito. Começou em Lisboa, a organização identificava casas que precisavam de reabilitação e nós íamos em bando e fazíamos pequenas obras", explica. A associação cresceu, passou a incluir mestres de obras, a abraçar projetos maiores e a organizar campos de férias (como aquele em que Filipa participou no verão de 2018, em Arganil), que permitem aos voluntários intervir em várias habitações em simultâneo. "Este tipo de iniciativas dá-nos uma visão diferente da condição humana e de como, por vezes, as pessoas aceitam viver. Às vezes só falta apoio e alguém que diga ‘estou aqui contigo e, se queres melhorar, vamos ajudar’", afirma Filipa.

Apesar do interesse pela infância e pela educação, na altura de propor um projeto para o mestrado, Filipa estava inclinada a desenvolver uma solução na área da fisioterapia. Foi o orientador que, conhecendo o perfil da aluna, lhe fez a contraproposta: um projeto que tornasse a programação acessível a crianças com problemas de visão. Filipa aceitou de imediato. "Não faz sentido umas crianças irem para as aulas de TIC e as outras terem de ir para outra sala", aponta. Devem estar todas juntas a aprender as mesmas coisas. É este o propósito final da solução que desenvolveu e que, espera, pode fazer a diferença na vida destas crianças: "Não sabemos o que podem vir a ser no futuro, o que podem vir a inventar - temos de lhes dar as mesmas oportunidades para crescerem com os mesmos níveis de educação".

Filipa Rocha divide-se entre o doutoramento, as aulas que dá no Instituto Superior Técnico, o voluntariado e o desporto, com os dias a começarem em cima de uma prancha de surf, em Carcavelos ou na Costa da Caparica. O ritmo acelerado é-lhe essencial - "não gosto de estar parada, preciso de preencher o tempo!" 



As ferramentas virtuais usadas no ensino de programação a crianças são sobretudo visuais. "Apesar de divertidas e fáceis de compreender, acabam por ser baseadas em blocos, e quem não vê não as consegue percecionar", alerta Filipa. E as explicações áudio são difíceis de acompanhar pelas crianças mais novas. Para facilitar a aprendizagem, a engenheira portuguesa recorreu a blocos físicos e a um robô já existente no mercado e procurou o "feedback" de professores. "Com base nisso, nas peças que já existiam e nas nossas ideias, fizemos os blocos tangíveis. Assim, qualquer criança consegue ver ou perceber qual é a ação que estamos a programar para o robô fazer", diz.

No início foram programadas apenas ações básicas, como mexer, dançar ou falar, a que foram acrescentadas mais posições depois dos testes feitos junto de cinco famílias com crianças entre os seis e os 12 anos. "O ‘feedback’ foi muito bom, o que nos dá uma certa motivação e foi por isso que também decidi continuar o projeto no doutoramento", conta Filipa, que desenvolveu a fase de testes em 2020.

Filipa preparava-se para voltar às escolas com o protótipo quando começou o primeiro confinamento. A alternativa foi apresentar o modelo em vídeo e criar um "kit anti-covid" para partilhar com as crianças que o iriam receber em casa. O sistema - e sobretudo o robô - fez sucesso entre os mais pequenos e respetivas famílias, que acrescentaram sugestões, tais como a ligação do protótipo às disciplinas de matemática e geografia. "Gerou imensas ideias", conta a investigadora que agora está focada em perceber os métodos de colaboração em sala de aula e, assim, melhorar o sistema.

Da arquitetura à informática

Aos três anos, Filipa já sabia fazer "power points", mas, até aos 18, o que ela queria era ser arquiteta. "Gostava muito de arquitetura - ainda gosto! Um dos meus avôs era arquiteto, outro era desenhador, tenho tios arquitectos... No 12.º ano, acabei por escolher informática", conta. Filha de um informático, habituou-se a observar torres de computador desmontadas no escritório: "Um ‘stick’ de memória parece uma cidadezinha pequenina - ou parecia, na minha imaginação de criança! E eu ficava sentada no chão a olhar para os ‘motherboards’ ou para os ‘sticks’ de memória e imaginava pessoas a andar naquela cidade".

Licenciou-se e concluiu o mestrado no IST e escolheu a FCUL quando avançou para o doutoramento, mas é no Técnico que dá aulas, outra das suas paixões. "A primeira cadeira que dei foi Estúdios de Design e Interação, com o professor Hugo Nicolau. Gosto muito dessa cadeira, que também está ligada ao meu trabalho no dia a dia", afirma a investigadora, que no último ano letivo se estreou a lecionar a unidade de Visualização de Informação, mais centrada nos dados. "É muito giro! Tendo quilos e quilos de dados, trata-se de perceber como é que se arrumam e como se apresentam de uma maneira apelativa", explica. Esta disciplina acaba por acolher também o entusiasmo dos alunos, livres para escolherem os temas que querem desenvolver. "Um grupo fez um trabalho sobre ‘serial killers’, há quem escolha viagens… - e encontraram dados!", sorri Filipa. 

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