Notícia
Brindemos ao tropical
Embalar as nossas referências nas canções da memória. Distribuí-las, depois, pelos recantos de um corpo em tensão. A mensagem de Wagner Schwartz é sempre política, sempre actual.
Há um infinito no olhar azul de Wagner Schwartz. Um azul ao mesmo tempo límpido e cheio de mistérios, que nunca permite definir se o que revela é efectivamente tristeza. Porque nele há um sorriso constante.
Em "Transobjecto", o artista brasileiro mergulha nas (suas) referências do movimento tropicalista de finais dos anos 1960. Hélio Oiticica, Lygia Clark, Carmen Miranda ou Caetano Veloso juntam-se de uma forma mais ou menos explícita. Junta-se-lhes depois o vermelho do tecido a evocar outra inspiração: Pina Bausch.
Com todos eles integrados no seu corpo nu, desenha-se um retrato (político) de um Brasil sempre actual. O corpo que aqui se apresenta parece ter deixado de ser humano, pela forma como se dobra e contorce. Que corpo é este então? É o corpo da arte, da crítica, da reflexão. O corpo da vanguarda.
Wagner Schwartz atinge a relação máxima com o público quando se aproxima das frutas tropicais colocadas estrategicamente à frente de copos vazios. Ananás, melancia, manga ou maracujá. Agarra-os, espreme-os com as próprias mãos, mistura-os com o vinho, esforça-se por engolir a mistela.
Nesse gesto, as possibilidades de interpretação multiplicam-se. Na fruta que se esmaga, uma metáfora para tantas culturas que se perderam no Brasil com o historial de colonização. Esse cheiro de revolta impregna-se no ar, assim como o desconforto do lado de cá do palco.
Depois, a voz de Caetano Veloso, sempre presente, do princípio ao fim. Em "If you hold a stone", "London, London" e "Tropicália", três momentos da mensagem que Wagner Schwartz termina de costas a fumar. Nesse momento, o fumo embate num guarda-chuva transparente. E nele, se quisermos cultivar esse olhar, um alerta para os impactos que deixamos no planeta.
O Alkantara Festival juntou-se a uma corrente de solidariedade que se criou em torno do artista. Estendeu-lhe a mão (ou porque não o corpo todo?) depois da polémica em Setembro do ano passado. Durante a apresentação no Museu de Arte Moderna de São Paulo de "La Bête" - uma leitura de obra "Bichos" de Lygia Clark" - uma criança toca nos pés do artista nu.
Uma parte da apresentação foi parar à internet e as acusações de pedofilia (e inquéritos policiais) não tardaram a chegar. Recebeu mais de 150 ameaças de morte por algo que não fez, teve de ler (ele próprio) que se tinha suicidado ou que tinha sido morto às pauladas.
Mas não, Wagner Schwartz está bem vivo. E é um privilégio ver e apreciar o seu trabalho, a sua mensagem artística, estética e política. Sempre tão contida e sempre tão pronta a desdobrar-se nos meandros da interpretação, como "papel crepom e prata".
Em "Transobjecto", o artista brasileiro mergulha nas (suas) referências do movimento tropicalista de finais dos anos 1960. Hélio Oiticica, Lygia Clark, Carmen Miranda ou Caetano Veloso juntam-se de uma forma mais ou menos explícita. Junta-se-lhes depois o vermelho do tecido a evocar outra inspiração: Pina Bausch.
Wagner Schwartz atinge a relação máxima com o público quando se aproxima das frutas tropicais colocadas estrategicamente à frente de copos vazios. Ananás, melancia, manga ou maracujá. Agarra-os, espreme-os com as próprias mãos, mistura-os com o vinho, esforça-se por engolir a mistela.
Nesse gesto, as possibilidades de interpretação multiplicam-se. Na fruta que se esmaga, uma metáfora para tantas culturas que se perderam no Brasil com o historial de colonização. Esse cheiro de revolta impregna-se no ar, assim como o desconforto do lado de cá do palco.
Depois, a voz de Caetano Veloso, sempre presente, do princípio ao fim. Em "If you hold a stone", "London, London" e "Tropicália", três momentos da mensagem que Wagner Schwartz termina de costas a fumar. Nesse momento, o fumo embate num guarda-chuva transparente. E nele, se quisermos cultivar esse olhar, um alerta para os impactos que deixamos no planeta.
O Alkantara Festival juntou-se a uma corrente de solidariedade que se criou em torno do artista. Estendeu-lhe a mão (ou porque não o corpo todo?) depois da polémica em Setembro do ano passado. Durante a apresentação no Museu de Arte Moderna de São Paulo de "La Bête" - uma leitura de obra "Bichos" de Lygia Clark" - uma criança toca nos pés do artista nu.
Uma parte da apresentação foi parar à internet e as acusações de pedofilia (e inquéritos policiais) não tardaram a chegar. Recebeu mais de 150 ameaças de morte por algo que não fez, teve de ler (ele próprio) que se tinha suicidado ou que tinha sido morto às pauladas.
Mas não, Wagner Schwartz está bem vivo. E é um privilégio ver e apreciar o seu trabalho, a sua mensagem artística, estética e política. Sempre tão contida e sempre tão pronta a desdobrar-se nos meandros da interpretação, como "papel crepom e prata".