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Futuro da agricultura nas mãos da tecnologia

A chamada agricultura de precisão utiliza a tecnologia para produzir mais e de uma forma mais sustentável. Sensores, drones, GPS... são apenas algumas das ferramentas utilizadas para produzir mais e melhor alimento.

20 de Março de 2024 às 13:30
O recurso a ferramentas tecnológicas permite, por exemplo, otimizar o uso da água.
O recurso a ferramentas tecnológicas permite, por exemplo, otimizar o uso da água. David Cabral Santos
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A agricultura enfrenta, hoje, um triplo desafio. Por um lado, tem de ser capaz de alimentar uma população mundial que já vai nos oito mil milhões de pessoas - a ONU estima que o valor chegue aos 8,5 mil milhões em 2030 e aos 9,7 mil milhões em 2050 - e, simultaneamente, cumprir as metas de sustentabilidade definidas pela Comissão Europeia (e pela sociedade). Isto ao mesmo tempo que luta contra a imagem negativa de que é a principal gastadora de água (potável).

Sobre isto Luís Mira, secretário-geral da CAP - Confederação dos Agricultores de Portugal, afirma firmemente que os "agricultores portugueses, pese embora todas as adversidades - naturais e políticas - que têm enfrentado, têm feito um excelente trabalho no que diz respeito à modernização da atividade agrícola, investindo fortemente em prol de um setor moderno e mais sustentável, que prima pela capacidade de gestão dos empresários agrícolas e pela implementação de novas tecnologias que permitem a gestão eficiente dos recursos para garantir a maior competitividade das explorações agrícolas".

Ao que Firmino Cordeiro, diretor-geral da AJAP - Associação dos Jovens Agricultores de Portugal, acrescenta que a agricultura digital, de precisão ou 4.0, como é conhecida, é uma realidade em Portugal há muitos anos. O executivo aponta que tecnologias de informação estão a mudar a forma como produzimos alimentos, proporcionando aumentos de produtividade, eficiência e a consequente redução de custos. As empresas portuguesas estão cada vez mais nessa vanguarda e fazem uso da tecnologia de forma exemplar. E dá o exemplo do regadio. Uma tecnologia que já está a contribuir significativamente para combater a escassez de água e, ao mesmo tempo, otimizar a produtividade.

Pedro Horta, "policy officer" da Zero dá uma outra perspetiva do tema. O ambientalista aponta que, no contexto nacional e europeu, a ideia de sustentabilidade advém muito do reconhecimento do peso da atividade humana nos ecossistemas e da complexidade destes. A continuidade da atividade agrícola já não se trata somente de manter (ou aumentar) a produtividade ao longo do tempo, mas de evitar, mitigar ou reparar os danos dessa atividade, pois os impactos cumulativos podem pôr em causa a prosperidade futura - por vezes de formas indiretas, dada a complexidade e as interdependências relacionais dentro e entre ecossistemas. As duas correntes daí decorrentes: i) o melhoramento do modelo da "Revolução Verde" de meados do século passado, e ii) na resposta aos impactos negativos desse modelo, assente em alternativas baseadas na ecologia, numa visão holística, têm impacto direto na agricultura portuguesa.

"Em Portugal, a primeira corrente tem expressão nas extensas monoculturas de amendoal e olival, nos grandes regadios coletivos. Assenta na mesma visão produtivista da "Revolução Verde" - olhando para agricultura como produtora de bens de mercado e para os agricultores como "operadores" - e continua a procurar eficiência no sentido estrito, ou seja, nos aspetos que têm impacto na rentabilidade. A evolução nas últimas décadas é semelhante à das décadas antecedentes: incorporação de inovações que permitam um melhor controlo sobre o agrossistema, aproximando-o da dinâmica de uma fábrica, mas condicionado pelas crescentes exigências societais em termos dos impactos sociais e ambientais", explica Pedro Horta.

Já no que concerne à segunda corrente, explica o ambientalista, esta tem expressão na expansão da agricultura biológica e no número crescente de experiências de agricultura regenerativa. A ecologia é a disciplina de base e o sistema agrícola é visto como parte de um agroecossistema, onde coexistem também as dimensões socioculturais. A procura não é de eficiência, mas de eficiências: contabilizando os bens e serviços gerados ou degradados, mesmo quando estes não tenham valor de mercado. A agricultura é vista como geradora de bens públicos e o agricultor como guardião dos bens naturais e da ruralidade.

O agricultor do século XXI

A "nova" forma de praticar agricultura estará a mudar o perfil do agricultor? Aqui as opiniões divergem. Pedro Horta considera que o perfil tendencial do(a) agricultor(a) português(a) médio(a) permanece algo inalterado. Isto significa uma média de idades de 64 anos, com mais de metade a não ter formação agrícola fora da experiência prática. Firmino Cordeiro tem uma visão completamente oposta, o diretor-geral da AJAP afirma que "os jovens agricultores e os agricultores" estão cada vez mais preparados para um futuro (que é presente) cada vez mais tecnológico. E dá como exemplo, na área da digitalização, do recurso a sensores customizados à necessidade real do agricultor, e com transmissão de dados em tempo real, permitindo facilmente aceder a dados. "Falamos de uma panóplia de exemplos, como drones, softwares, tecnologia das sondas de humidade baseado em dados, e equipamentos agrícolas cada vez mais tecnológicos e autónomos", refere o executivo, que aponta que "temos cada vez mais agricultores preparados tecnologicamente para produzir mais com menos". Opinião partilhada por Luís Mira, que afirma mesmo que "o agricultor atual é um profissional altamente qualificado, uma vez que estas mesmas soluções tecnológicas exigem competências cada vez mais especializadas. Hoje, os empresários agrícolas têm de ter não só robustos conhecimentos técnicos, como tem de estar em constante procura de soluções inovadoras que permitam a promoção de uma agricultura sustentável e moderna, que crie valor em todas as suas vertentes - económico, social e ambiental".

Tecnologia faz a diferença

O recurso a ferramentas tecnológicas faz toda a diferença. Seja porque permitem uma melhor otimização do recurso água, seja porque permite a utilização de menos químico. No entanto, e como alerta Pedro Horta, a integração de inovações tecnológicas deve ser feita contextualmente, ou seja, deve partir das necessidades reais do(a)s agricultores(a)s. O ambientalista da Zero explica que muitas das tecnologias emergentes advêm do conhecimento de ponta em agroecologia, onde a compreensão mais profunda das relações do ecossistema agrícola pode permitir o uso de policulturas e consorciações que aumentam a produtividade por hectare e a resiliência do(a) agricultor(a), o uso de estruturas ecológicas para aumentar a limitação natural de inimigos culturais pode reduzir a dependência de pesticidas, a estruturação do agrossistema para desempenhar funções de conservação do solo e retenção da água pode ser um contributo-chave para combater a desertificação, etc… Portugal já deu passos neste sentido, com a criação do Centro de Competências para a Agricultura Familiar e Agroecologia (CeCAFA), é necessário prosseguir e investir de forma determinantes na investigação e na extensão rural.

O certo é que "a agricultura caminha para esse futuro tecnológico que já chegou", afirma Firmino Cordeiro, que acrescenta que, "sabemos que para conseguirmos produzir mais com o que temos, ou até com menos, temos de incorporar mais conhecimento, tecnologia e agricultura de precisão. E a agricultura 4.0, com muita incorporação de inteligência artificial, vai ser aquilo que, de facto, nos vai permitir dar passos enormes, ter eficiências muito elevadas com forte impacto económico nas empresas, mas também ter um uso muito mais eficiente dos recursos com grande impacto ambiental e societal".

Cinco tecnologias que estão a ser usadas • Sensores no solo para determinar a humidade presente nos terrenos, ligados a software que em conjunto com a previsão meteorológica para o respetivo local e o estado da planta, determinam com exatidão a quantidade de água de que cada planta necessita, podendo inclusivamente acionar o dispositivo de regar automaticamente (havendo aqui espaço para a utilização de IA, à medida que for introduzida nos softwares de gestão e nas aplicações informáticas aplicáveis à produção agrícola).

• Armadilhas de insetos para efeito de "luta biológica", colocados em pomares, no sentido de evitar a reprodução dos mesmos, de acordo com o tipo de inseto captado, e assim controlar possíveis pragas.

• Informação transmitida por satélite ou por drone sobre o estado de cada metro quadrado de terreno da exploração agrícola, no sentido de tratar, quer para efeito de rega quer para efeito de adubação ou qualquer outra intervenção, cada pequena área de terreno de forma individualizada, com óbvios ganhos de produtividade e redução de eventuais desperdícios.

• GPS nos tratores para sementeiras muito mais eficientes e rigorosas, evitando desperdício e otimizando a produção. 
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