Outros sites Medialivre
Notícia

Para onde caminha o país no roteiro da sustentabilidade?

A poucos dias de se assinalar o primeiro Dia Nacional da Sustentabilidade, o país mostra-se comprometido com este desígnio. Destacado nas renováveis, a fazer um caminho positivo na equidade, sofrível na gestão de resíduos, Portugal tem a braços alguns desafios particulares. Um plano de ação a ser lançado até ao fim do ano deverá clarificar o caminho.

20 de Setembro de 2023 às 12:30
95% das grandes empresas veem a sustentabilidade como estratégica. DR
  • Partilhar artigo
  • ...
Portugal está a evoluir positivamente em 61% das metas estipuladas em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a chamada Agenda 2030, de acordo com o segundo Relatório Voluntário Nacional.

O país está empenhado na implementação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e as metas estão "a evoluir no sentido desejado, não obstante os impactos quer da pandemia, quer da invasão da Ucrânia pela Rússia", destaca André Moz Caldas, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, em declarações ao Negócios.

Os dados disponíveis para Portugal assumem uma cobertura de 69%, relativamente ao total dos 248 indicadores da ONU.  André Moz Caldas
Secretario de Estado
"Os indicadores estatísticos disponíveis para Portugal assumem uma cobertura de 69%, relativamente ao total dos 248 indicadores da ONU, tendo aumentado 17% desde 2018. No que se refere a metas, tendo em conta o número de indicadores monitorizados e a sua alocação nos ODS, Portugal acompanha a evolução estatística em 124 metas, o que representa uma cobertura de 73%. Merece também destaque o facto de, desde 2017, ter vindo a registar-se uma gradual apropriação e integração da Agenda 2030 e dos seus objetivos no planeamento das políticas públicas em Portugal", acrescenta o governante.

Apesar disso, o secretário de Estado da Presidência reconhece que "existem desafios sistémicos na análise de cedências e compromissos entre ODS, efeitos colaterais ou externalizações positivas e negativas e benefícios recíprocos, que têm dificultado uma perspetiva transversal e holística ao longo do ciclo das políticas públicas". Sobretudo se tivermos em conta que, a nível global, apenas 15% dos ODS estão no caminho certo, segundo o último relatório anual "Unidos na Ciência", que combina contribuições de 18 organizações.

Mas é com base nos desafios identificados pelo Relatório Voluntário Nacional de 2023 que o Governo pretende lançar este ano um plano de ação, denominado Roteiro Nacional para o Desenvolvimento Sustentável 2030, para acelerar o cumprimento dos ODS. Trata-se de "um conjunto de ações que tenderão a dar resposta a esses mesmos desafios, promovendo a institucionalização da Agenda 2030 e a ampla participação de todos os atores relevantes", explica o secretário de Estado.

O roteiro está alicerçado em quatro objetivos estratégicos. Nomeadamente, melhorar a atividade de monitorização e avaliação do progresso face aos 17 ODS; elaborar um Quadro Estratégico de Políticas Públicas para o desenvolvimento sustentável, permitindo uma atuação concertada em todos os níveis de Governo; assegurar a coerência e o alinhamento das políticas públicas para o desenvolvimento sustentável através do desenvolvimento de ferramentas e mecanismos de suporte às mesmas; e aumentar os níveis de apropriação e conhecimento público da Agenda 2030, incluindo o estabelecimento de um mecanismo de diálogo com a sociedade civil e a capacitação de todos os atores para o desenvolvimento sustentável.

Entretanto, para reforçar a abordagem nacional, alguns passos já foram dados. O Governo adotou recentemente um novo modelo de governação desta temática. A coordenação da Agenda 2030 foi reposicionada na Presidência do Conselho de Ministros, enquanto que a nível externo continua a ser da responsabilidade do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Devemos celebrar onde estamos, reconhecendo, contudo, que estamos apenas a começar uma longa caminhada, com múltiplos obstáculos. Bruno Esgalhado
Sócio da McKinsey
Foi também criado um comité de acompanhamento de alto nível que inclui representantes destas duas áreas governamentais, dos Governos Regionais, das autarquias, do Conselho Económico e Social (CES) e de membros da sociedade civil.

O bom, o mau e o assim-assim

Nesta jornada para a sustentabilidade, Portugal é visto por muitos como um bom aluno. Bruno Esgalhado, sócio da McKinsey e responsável para a área da Sustentabilidade na Península Ibérica, considera que "Portugal tem liderado o caminho na Europa nos últimos anos, tornando-se uma referência no que respeita aos esforços de descarbonização". E exemplifica com o facto de o país ter sido um dos primeiros do mundo a definir o objetivo de neutralidade carbónica para 2050 e ser um dos países da União Europeia com maior penetração de renováveis na matriz energética. "Devemos celebrar onde estamos, reconhecendo, contudo, que estamos apenas a começar uma longa caminhada, com múltiplos obstáculos e desafios que têm de ser ultrapassados nos próximos anos e décadas."

Nomeadamente, acrescenta, o aumento das temperaturas em Portugal, a redução dos recursos hídricos e o aumento do nível do mar são apontados como fatores de risco com impacto em setores como agricultura e o turismo e, por sua vez, em toda a sociedade.

Para Bruno Esgalhado, Portugal tem várias características que conferem ao país uma vantagem competitiva no processo específico da transição energética. Tem sol 300 dias por ano, é o principal produtor de óleo alimentar usado, tem uma grande área marítima, tem 30% das reservas de lítio da Europa, boas infraestruturas que podem ser aproveitadas para o transporte de hidrogénio verde, etc. "Através das suas fortes características intrínsecas, o país tem capacidade para atingir os seus ambiciosos objetivos de sustentabilidade e transição energética", defende o sócio da McKinsey.

A nível ambiental, fora as consequências do aumento da temperatura, o calcanhar de Aquiles do país é mesmo a gestão de resíduos. O Relatório do Estado do Ambiente indica que continuamos a produzir muito lixo e a reciclar pouco. Cada português produz 1,4 kg de lixo por dia. Já segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), os resíduos setoriais gerados em Portugal pelo tecido empresarial totalizaram 13,6 milhões de toneladas (+20% face a 2020), destacando-se as atividades de construção (+944 mil toneladas) e o comércio e serviços (+388 mil toneladas) com aumentos absolutos mais significativos.

As metas de produção de resíduos não são cumpridas e a taxa de circularidade de materiais em Portugal está bastante abaixo da média europeia. Em 2021, esta taxa para Portugal era de apenas 2,5%, enquanto que a média europeia era de 11,7%. De salientar também que a recolha de biorresíduos, obrigatória a partir de janeiro de 2024, não está ainda em estado avançado de implementação em muitos locais de Portugal.

Mas a sustentabilidade não se faz só de metas ambientais. Mário Parra da Silva, presidente da UN Global Compact Network Portugal, reconhece a evolução positiva na gestão energética e da água, o envolvimento crescente das empresas impulsionadas pelas suas cadeias de valor e o papel de muitas autarquias que estão a adotar programas de sustentabilidade. Porém, as "áreas que estão pior são quase todas, desde a saúde, onde o desinteresse pelas grandes questões de saúde publica é notório; a educação, que se limita a ser a administração da satisfação dos professores e da ocupação do tempo dos jovens, com especial desinteresse pela aquisição de competências; até às questões da agricultura sustentável, do combate à corrupção e da promoção da boa governação", destaca.

Por isso, Mário Parra da Silva salienta que "terá de se compreender finalmente que o desenvolvimento sustentável implica todos os setores e não é apenas ambiente". Na generalidade, diz, Portugal "está pouco envolvido" e "praticamente só segue as diretrizes da União Europeia e mesmo isso com pouca vontade".

Recorde-se que o país tem definidos como prioritários 6 dos 17 ODS: Educação de Qualidade (ODS 4); Igualdade de Género (ODS 5); Indústria, Inovação e Infraestruturas (ODS 9); Reduzir as Desigualdades (ODS 10); Ação Climática (ODS 13); e Proteger a Vida Marinha (ODS 14). Recentemente, o Tribunal de Contas (TdC) também analisou a implementação dos ODS e concluiu que Portugal apresenta um desempenho acima da média da UE na maioria deles. No entanto, o documento frisa que existem indicadores que mostram a necessidade de ações reforçadas ao nível das desigualdades (ODS 10), da erradicação da fome (ODS 2), da saúde de qualidade (ODS 3), da indústria, inovação e infraestruturas (ODS 9), das cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11) e da produção e consumo sustentáveis (ODS 12).

Uma sociedade envolvida

Para se atingirem os objetivos da Agenda 2030, toda a sociedade é chamada a intervir. Por isso mesmo, no próximo dia 25 vai assinalar-se, pela primeira vez, o Dia Nacional da Sustentabilidade. A comemoração, defendida pela Deco Proteste desde 2019, faz de Portugal o primeiro país do mundo a celebrar oficialmente a sustentabilidade, colocando na agenda mediática os compromissos que cada um deve assumir para fazer deste um mundo globalmente melhor.

"Devemos envolver todos no processo: indivíduos, sociedade civil, governos e empresas. Somente alertando todas as partes interessadas sobre estas questões, aumentando a participação e mobilizando pessoas, é que podemos alavancar a liderança ética de que precisamos para provocar a mudança sistémica que a Europa e o mundo estão pedindo", defende Rita Rodrigues, diretora de comunicação e relações Institucionais da Deco Proteste. Por isso, "é essencial que a sustentabilidade se torne parte do quotidiano e que seja levada para todo o lado", acrescenta a responsável.

Se nos focarmos na ação empresarial, apesar de as empresas portuguesas estarem cada vez mais alinhadas com a sustentabilidade, elas não sabem como implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nas suas estratégias, concluiu a Católica Lisbon School of Business & Economics no último Relatório do Observatório dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nas Empresas Portuguesas.

Ou seja, 95% das grandes empresas e 77,7% das PME veem a sustentabilidade como uma oportunidade estratégica, mas para ambos os universos a falta de conhecimento de como operacionalizar é a principal barreira para a adoção dos objetivos da Agenda 2030. Porém, tal é mais expressivo nas PME (49,4%) do que para a grandes empresas (21,7%), que por motivos de cumprimento de legislação e concorrência já estão na prática a implementar alguns ODS.

A banca deverá apoiar com criteriosas políticas de crédito e as universidades com transmissão de conhecimento. Mário Parra da Silva
Presidente da UN Global Compact Network Portugal
"É essencial fazer-lhes chegar conhecimento sobre as novas tendências e exigências, sob pena de cair a competitividade e ficarem em perigo postos de trabalho e distribuição de riqueza criada", destaca o presidente da UN Global Compact Network Portugal. Por isso, para além das entidades públicas serem chamadas a apoiar e a mobilizar recursos públicos para este impulso, Parra da Silva defende também que "a banca deverá apoiar com criteriosas políticas de crédito e as universidades com transmissão de conhecimento para proporcionar aos gestores e técnicos das PME as competências para este novo desafio".

Com um tecido maioritariamente de micro e pequenas empresas, a migração para a sustentabilidade pode ser de alguma forma condicionada por uma gestão financeira apertada. Reconhecendo isso, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, salienta, no entanto, que "temos vindo a notar uma preocupação crescente em corresponder a esse desígnio, ainda que tal não encontre, para já, tradução expressa nos instrumentos estratégicos dessas mesmas empresas. Para tal, contribui o facto de estes atores económicos terem já bem presente que esta é condição essencial para melhor responderem ao mercado a médio-longo prazo". Por este motivo, André Moz Caldas refere que "o Governo e a própria sociedade têm apresentado um conjunto de ferramentas que potenciam o seu desempenho e melhoram a sua resposta à Agenda 2030, aos ODS e aos ESG (ambiental, social e governação, na sigla em inglês), critérios que aproximam o mundo empresarial dos ODS". Acrescentando que "é imperativo prosseguir este caminho conjunto - apoiar, colaborar, estimular a participação e a iniciativa - disponibilizando mais e melhores recursos para que o futuro das empresas possa ser social, ambiental e economicamente mais responsável".

Por fim, os cidadãos são também chamados a abraçar o desígnio da sustentabilidade. Mas para o responsável da UN Global Compact Network Portugal, os portugueses ainda não estão envolvidos. "As pessoas são essenciais à transformação, mas têm de acreditar nisso e tomar os destinos das comunidades nas suas mãos".

Nesse sentido, Rita Rodrigues salienta o papel de todos, pois "é necessária uma alteração de comportamento e de padrões de consumo, começando nas marcas que promovem um consumo exagerado, desnecessário e insustentável, até aos consumidores que devem recusar o que não necessitam. Adicionalmente, é crucial que os consumidores vejam os benefícios das suas boas ações, quer através de incentivos ou outra forma que mantenha todos motivados".
Mais notícias