
- Partilhar artigo
- ...
Verde é uma cor – ou melhor, um conceito - que não se aplica, de todo, à agenda do novo Presidente norte-americano, Donald Trump, nem à catadupa de ordens executivas que tem vindo a assinar e a colocar em vigor desde que regressou à Casa Branca, a 20 de janeiro de 2025. Logo no seu discurso inaugural, o republicano declarou uma "emergência energética nacional", o que lhe permitirá redobrar a aposta na exploração de petróleo e gás natural no país.
Além disso, voltou a retirar os EUA do Acordo de Paris – que classificou como uma "farsa" -, tal como já tinha feito no seu primeiro mandato. "Estou a retirar-me imediatamente do acordo climático de Paris, que é injusto, unilateral e uma farsa. Os Estados Unidos não sabotarão a sua própria indústria enquanto a China polui impunemente", disse.
Logo nos primeiros dias no poder revogou as metas do seu antecessor, Joe Biden, para a mobilidade sustentável, de forma a evitar que metade dos carros vendidos na América sejam elétricos até 2030, e colocou em pausa o licenciamento de novos projetos de energias renováveis (sem esconder que é um feroz opositor da energia eólica "offshore"), entre outras medidas que representam uma clara marcha-atrás na transição energética e na luta contras as alterações climáticas.
"A influência de Elon Musk até poderia dar-nos alguma esperança nesse aspeto, porque se trata do dono da Tesla e terá interesse em aumentar a possibilidade de os carros elétricos virem a ser dominantes. Mas, infelizmente, essa influência do homem mais rico do mundo está a ser maior em temas como a destruição das agências federais e a intromissão nas democracias europeias", explica o analista.
Mundo rumo aos 3,1 ºC de aumento de temperatura
Donald Trump volta a sentar-se na Sala Oval depois de 2024 ter sido o ano mais quente de que há memória, e o primeiro em que a temperatura média global chegou a um aumento de 1,5 ºC acima das temperaturas pré-industriais. A Organização Meteorológica Mundial já avisou que o mais provável é que esta barreira seja ultrapassada já em 2027. De acordo com as Nações Unidas, as atuais emissões poluentes colocam-nos na rota de um aumento entre 2,6 ºC e 3,1 ºC até ao final do século.

Analista político internacional
Em 2025, a reunião anual da ONU sobre o clima (COP) será no Brasil e até lá os países que fazem parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas têm de apresentar as suas novas estratégias para limitar as emissões de gases com efeito estufa. Fora do Acordo de Paris, os EUA já não estão obrigados reduzir as suas emissões, nem a respeitar quaisquer compromissos financeiros com a luta climática global.
"É um recuo brutal num caminho que já estava atrasado e que, com este regresso de Trump, fica seriamente comprometido", alerta Germano Almeida, lembrando que no primeiro mandato a saída dos EUA do Acordo de Paris ainda contou com uma forte oposição da sociedade civil e com planos alternativos ("pró-verdes") de estados governados por democratas.
"Embora essa resistência pontual ainda aconteça, fica a noção de que desta vez o retrocesso é mais sério, até porque os anos que passaram desde a primeira presidência Trump são cruciais para o "relógio" que nos avisa que a Terra está mesmo em perigo", defende o analista de política internacional, identificando na estratégia do Presidente americano "uma fuga para a frente com alguns traços de delírio".
Ou seja, "ao negar o problema, Trump tenta culpabilizar quem o identifica, não se apercebendo que, no limite, não faz sentido colocar o foco económico e financeiro acima da responsabilidade ambiental, pela simples razão de que sem planeta não restará nada: nem empresas, nem empregos, nem dinheiro". Ainda assim, a sua forma de fazer política "explora esta discrepância entre a emergência climática iminente, que vários acontecimentos extremos nos confirmam, e uma certa desinformação sobre este tema", refere.
Se Trump diz "drill, baby, drill", acreditem
Germano Almeida lembra que os EUA não são os únicos poluidores do mundo. Mas são, sim, a maior economia mundial e, com a China, um dos dois maiores poluidores, sendo por isso "um pilar crucial nesta luta climática", remata, avisando que a célebre frase "drill, baby, drill" é mesmo para levar a sério. "É um pregão que entra no ouvido e que tem tudo a ver com a forma como Trump comunica com o seu eleitorado, projetando a ideia de promoção da soberania energética americana. E acusando quem - como Biden ou Obama – puseram a "agenda verde" no centro das suas plataformas políticas".
Diz o analista que o foco do Presidente está unicamente na proteção da indústria americana e numa afirmação da capacidade energética dos EUA, mesmo "negando as provas mais do que sustentadas de que o uso desregulado de indústrias poluentes agrava a emergência climática".
Aliás, é o próprio Trump que o diz: "A América será uma nação industrial de novo e temos algo que nenhum outro país tem: a maior quantidade de petróleo e gás da Terra. E vamos usá-los. Seremos ricos de novo e esse ouro líquido que está sob nossos pés que nos ajudará a fazer isso".

Ambientalista da Associação Zero
Francisco Ferreira também concorda que o "drill, babby, drill" é uma promessa séria de Trump, "mas com consequências que talvez não sejam tão grandes quanto pensávamos". "Não vamos passar de repente do 8 para o 80 no que respeita ao peso do petróleo e do gás natural. Há muitas políticas nos EUA que são da responsabilidade dos governos estaduais e não do Governo Federal. As lutas em tribunal que estão a acontecer para travar os investimentos em renováveis vão demorar o seu tempo", diz o presidente da Zero, apontando o foco para as empresas portuguesas que operam do outro lado do Atlântico: "É um risco. Não sabem se daqui a quatro anos aquilo que estão a fazer continuará a ser viável".
Também o ambientalista defende que, por si só, o homem que está ao leme da Casa Branca ameaça a luta climática global. "Uma redução dos esforços no quadro do Acordo de Paris, que agora é abandonado pelos Estados Unidos, vai ter uma influência à escala mundial. Além disso, apesar dos esforços da EU e da China, a Índia tem feito esforços mais lentos e depende muito do financiamento que os EUA agora vão bloquear em várias frentes", defende Francisco Ferreira.