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Rodrigo Simões de Almeida: “O maior risco a longo prazo é o envelhecimento da população”

Os salários baixos são “um problema que temos de enfrentar”, diz o CEO da Marsh, da Mercer e da Marsh McLennan em Portugal. Como gestor, um dos compromissos que tem é melhorar essa situação.

02 de Abril de 2025 às 12:30
Bruno Colaço
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      Bilhete de identidade Idade: 51 anos
      Cargo: Marsh Portugal, Mercer Portugal e Marsh McLennan, CEO, BES Espanha, diretor-geral (2003-15), Suiça (1999-2003) e BES Portugal (1996-99)
      Formação: IESE Business School (2008 -09) e Insead (2002), Licenciado em Gestão Universidade Católica (1991 -1996)
      Bom senso, calma, cautela, ponderando bem os investimentos para garantir que a instabilidade a curto prazo não tem um impacto negativo na empresa. É a estratégia do CEO da Marsh, da Mercer e da  Marsh McLennan em Portugal quando questionado sobre a melhor forma de enfrentar a disrupção gerada pela Administração Trump. E deixar a poeira assentar, esperando para ver se faz o que diz que vai fazer. Convidado das "Conversas com CEO", as empresas que Rodrigo Simões de Almeida lidera em Portugal dedicam-se à gestão do risco e das pessoas. Numa entrevista de mais de meia hora, que pode ser ouvida na íntegra em podcast, fala-se da importância de as empresas mapearem os seus riscos e terem planos para a sua mitigação, sendo o risco cibernético como o mais importante. Na gestão de pessoas sublinha a importância da liderança, especialmente pelo efeito que tem na evolução da empresa.

      Esteve quase duas décadas no Banco Espírito Santo que colapsou. Como é que enfrentou a situação? Lembra-se do dia em que soube?
      Lembro-me perfeitamente. Foi um dia traumatizante para mim e, julgo eu, para o país em geral. Estava em Espanha, na altura, e era diretor-geral do banco, com uma responsabilidade significativa. Sendo o único português na equipa executiva, era uma das pessoas a quem os nossos colaboradores e clientes pediam apoio, para perceber o que fazer. Foi uma situação muito difícil. Todo o verão foi extremamente complexo, nomeadamente o mês de julho, em que se começou a perceber que a situação do banco era muito difícil.

      Mas já se tinha apercebido disso?
      Começámo-nos a aperceber. Iam saindo comunicados a confirmar a sustentabilidade do banco e a capacidade de o manter independente. À medida que os dias foram passando, as notícias foram-se agravando, até que aparece aquela apresentação de resultados já no fim de julho. E, em seguida, nesse primeiro fim de semana de agosto, a notícia da resolução e do fim do Banco Espírito Santo com a criação da nova instituição, da qual todos passámos a fazer parte. Foi um momento muito difícil, com impacto em famílias, nos nossos colegas, em muitos clientes.

      Em 2015 entra para a Marsh Portugal, a seguir para a Mercer e depois para Marsh McLennan. Como é que concilia essas atividades?
      Temos uma equipa multidisciplinar e multiespecialista, preparada para atacar todos os nossos clientes. Quando olhamos para o risco e para pessoas parecem matérias muito diferentes, mas existem muitíssimos cruzamentos. As pessoas, na sua atividade, enfrentam muitos riscos e há muitos riscos induzidos pelos seus comportamentos dentro das empresas. Queremos posicionar-nos no mercado português como um ponto de entrada para todas as áreas de especialização do grupo.

      E quais são os riscos a que as empresas portuguesas devem estar atentas?
      Todos os anos temos um relatório, publicado pelo Fórum Económico Mundial, de que somos o ‘main sponsor’, o Global Risk Report. E acrescentamos a visão das empresas portuguesas. Começando pelo mundo e a curto prazo, o risco principal, que aparece pelo segundo ano consecutivo, é o da desinformação, seguindo-se o cibernético e o de conflitos armados e instabilidade social. No longo prazo prevalecem os riscos ambientais.

      A informação falsa [online] vai aumentar drasticamente.
      Com a Administração Trump essa hierarquia de riscos continua a fazer sentido?
      Julgo que sim. Há um estudo que indica que a percentagem de informação online verdadeira vai reduzir-se, ou seja, a informação falsa vai aumentar drasticamente. Mas se o ‘survey’ fosse feito hoje, o risco geopolítico e de conflito armado ganhava maior preponderância, porque aumentou a incerteza desde que o fenómeno Trump aconteceu, em janeiro. Quando passamos à visão das empresas portuguesas, já no ano passado apareceu a instabilidade política e social como o principal risco que as empresas portuguesas consideram vir a enfrentar.

      E como se deve lidar com esta imprevisibilidade da Administração Trump?
      Com bom senso, calma, cautela, ponderando bem os investimentos no curto prazo, tentando gerir melhor as potenciais consequências na cadeia de valor e nos custos de produção, para garantir que esta instabilidade a curto prazo não impacta, negativamente, a perenidade desses investimentos. Porque os investimentos fazem-se para o longo prazo. Uma das nossas empresas muito presente nos EUA está a gerir este processo com muita cautela, não deixando de ter confiança nos fundamentais. A economia americana vai continuar a ser a maior do mundo e onde vale a pena investir.

      Em Portugal há uma percentagem muito baixa da propriedade que tem seguro de risco sísmico.
      Portugal é um dos países mais expostos às alterações climáticas. Como é que as empresas podem minimizar este risco?
      Muitas empresas têm instalações em locais mais propensos ao risco. Há quem possa ter diversidade de instalações, há quem não o possa. É preciso ter um bom conhecimento dos potenciais riscos e ter ferramentas de mitigação. O seguro serve para transferir o risco. Mas apenas cerca de 20% dos riscos são seguráveis. E há outra questão. Em Portugal há uma percentagem muito baixa da propriedade que tem seguro de risco sísmico. Se houver um sismo – toco aqui na madeira - pode ser uma grande catástrofe.

      Os salários que temos em Portugal dificultam a atração e retenção de talento?
      A atração de talento depende muito da empresa e do seu posicionamento. No grupo Marsh McLennan não é a maior dificuldade. A maior limitação é a capacidade das nossas empresas continuarem a investir, seja nas suas pessoas, nos seus riscos, na sua estratégia. Portugal tem um problema de salários baixos. Como gestor deste grupo, se há um compromisso que quero assumir, é o de conseguir melhorar essa situação. Adorava poder ter uma maior capacidade de evolução salarial neste país. É um problema que temos obrigação de enfrentar nos próximos anos.

      E como é que vai conseguir melhorar os salários em Portugal?
      Em primeiro lugar, como não podia deixar de ser, temos de conseguir desenvolver uma boa estratégia de negócio e atingir bons níveis de rentabilidade. Sem isso não é possível fazer o resto. Agora, estamos envolvidos na economia em que estamos envolvidos. Não podemos praticar em Portugal, infelizmente, os salários de Inglaterra, porque os nossos clientes também não nos podem pagar os serviços a esse preço.

      Ou seja, é preciso que os clientes paguem mais para que os salários subam?
      [risos] É preciso ser eficiente na gestão dos nossos processos, criar o máximo de automatismo para que o custo e o número de horas para desenvolver os nossos serviços se reduza, e assim aumentar o nível de rentabilidade.

      Como se aplica automatismos nestas áreas? A inteligência artificial pode dar um grande contributo para a gestão de risco?
      E nas pessoas também. Estamos já a tratar da nova diretiva de transparência salarial, que deve ser transposta até junho do ano que vem, e que obriga a uma grande adaptação das empresas. A IA pode ter muito impacto aí. A adoção da nossa inteligência artificial é superior a 90%. Os nossos colaboradores estão muito abertos à sua utilização.

      E identifica também preocupações nos jovens, como a missão da empresa, sobretudo nos Millennials, nos Z?
      Sem dúvida que sim. Hoje as pessoas não querem trabalhar para uma empresa, querem trabalhar com uma empresa. É o que diz o nosso Global Talent Trends da Mercer, que publicamos bianualmente. Cada vez mais precisamos de trabalhar no nosso ‘Employee Value Proposition’ e na experiência dos nossos colaboradores, que permita às pessoas sentirem que estão a coconstruir o caminho. Outro aspeto crítico para o futuro são as lideranças, essenciais a todos os níveis. A liderança de pessoas tem um impacto enormíssimo na evolução da empresa, na vontade de permanecer ou não numa organização: 70% da motivação de um colaborador manter-se numa empresa depende da pessoa com quem trabalha diretamente. É absolutamente crítico dedicarmos o máximo esforço e tempo na formação destes líderes.

      As políticas de diversidade, equidade e igualdade estão a ser banidas nos EUA. Está num grupo norte-americano. Também baniram estes princípios?
      Não, não banimos estes princípios. E não foram banidos. Houve sim empresas que fizeram declarações de princípio, logo a seguir às posições de Donald Trump quando assumiu a presidência dos EUA. Nós não retirámos os nossos princípios e temos um compromisso total. A nossa organização é muito centrada no bem-estar dos nossos colegas, que são mais de 85 mil a nível global, e também das comunidades a que pertencemos. Em Portugal temos uma agenda muito forte de diversidade, equidade e inclusão. E inclusão é a palavra na qual nos devemos centrar.

      Não há o risco de Donald Trump se vingar por manterem essas políticas?
      Acho curiosa a palavra vingança. Vamos ver o que nos reserva o futuro. Como alguns comentadores políticos dizem com frequência, ele fala muito, mas é preciso também ver o que faz. Vamos deixar que a poeira assente e a partir daí começar a tomar decisões. Desde que Donald Trump assumiu a presidência, a confiança dos consumidores e a expectativa de crescimento da economia americana caiu muito. Não quero dizer que não nos deva preocupar, mas temos muito como que nos preocupar dentro no nosso país, onde nos podemos concentrar para sermos ainda mais rentáveis e continuar a perseverar um país que cresce mais do que a média europeia.

      Está à espera que a reação às medidas de Trump leve a uma alteração da política nos EUA?
      Os políticos, em geral, ouvem e sentem o pulso da confiança para tomar decisões. Dito isto, não posso fazer qualquer conjetura. Os desígnios que temos para desenvolver Portugal e o serviço que temos para prestar aos nossos clientes, como parceiros, não mudam em função daquilo que tem acontecido na economia americana.

      Qual é o principal desafio da Europa?
      O principal desafio da Europa é conseguir, dentro desta dicotomia de uma sociedade mais social, encontrar o ponto de equilíbrio para continuar a crescer. E não é fácil. Temos uma sociedade cada vez mais envelhecida. O envelhecimento é possivelmente o maior risco que vamos enfrentar nos próximos anos. E o desafio da economia europeia, entre outros, é conseguir voltar a posicionar-se como inovadora. Quando olhamos para a inovação em geral, EUA, China, Israel estão a milhões de quilómetros da Europa. Portugal está numa boa situação para o futuro, com uma geografia muito longe das zonas de maior conflito social e armado e onde tem havido cada vez mais investimento estrangeiro. Continua a ser um país onde vale a pena continuar a investir.

      Se tivesse de eleger um risco para 2025, qual é que escolhia?
      O risco cibernético é o mais presente e aquele em que as empresas continuam a não estar suficientemente preparadas. O maior risco a longo prazo é o envelhecimento da população.
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