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A agricultura encontra-se numa encruzilhada. Sofre pressão para fornecer alimentos a preços acessíveis a uma população mundial em crescimento, ao mesmo tempo que tem de se adaptar para minorar os efeitos das alterações climáticas e a degradação de recursos naturais, incluindo a escassez de água, empobrecimento dos solos e perda de biodiversidade. Para alimentar o mundo de forma sustentável, é necessária uma mudança radical nos sistemas alimentares e, neste contexto, a agricultura familiar surge como a solução que responde em simultâneo a vários desafios da Agenda 2030, seja a nível ambiental, social ou económico.
"A agricultura familiar pode fazer muito pelo país: contribui para a saúde da população através de uma alimentação saudável, fomenta o emprego de muitas famílias, oferece uma produção e consumo sustentáveis, reduz a pegada de carbono através do consumo local, defende o território, combate a desertificação do interior, reduz as desigualdades, reduz o défice alimentar do país, que depende da importação de alimentos, ajuda a combater a pobreza e a fome, entre muitas outras coisas", começa por explicar Laura Tarrafa, especialista na área da agroecologia na Confederação Nacional da Agricultura.
A agricultura familiar tem um impacto positivo de tal ordem nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que a própria Organização das Nações Unidas (ONU) estipulou 2018-28 como a Década da Agricultura Familiar. O propósito é concentrar esforços da comunidade internacional para trabalhar coletivamente na implementação de políticas sociais, económicas e ambientais que fortaleçam a agricultura familiar em todo o mundo. A ONU pretende chamar a atenção para o facto de os agricultores familiares produzirem mais de 80% dos alimentos consumidos no mundo, empregam 30% da população mundial, mas, paradoxalmente, encontram-se entre os grupos populacionais mais vulneráveis à insegurança alimentar.
Para além das vantagens ambientais, sociais e económicas, num mundo com tensões multipolares e crises globais que põem em causa os circuitos normais de abastecimento, é a produção local que salvaguarda as populações. "A importância da agricultura familiar foi posta à prova na pandemia: não faltaram vegetais, fruta, legumes, carne ou leite aos consumidores portugueses e nunca, como nessa fase, os agricultores familiares conseguiram escoar as suas produções. Perante uma perturbação grave, que interrompe as cadeias de fornecimento, é o que está próximo do consumidor que oferece segurança no abastecimento", destaca Joana Dias, coordenadora da ACTUAR, uma Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) que promove a conceção de sistemas alimentares sustentáveis.
Como país particularmente sujeito aos efeitos das alterações climáticas, nomeadamente calor, seca e incêndios, a agricultura familiar também pode ser uma arma importante de defesa do território. "Não é por acaso que hoje sentimos com muito mais violência os fenómenos extremos do clima e podemos dizer que estão ligados à transformação sofrida nas zonas rurais", destaca Laura Tarrafa, que acrescenta: "A expulsão das pessoas das zonas rurais deixou ao abandono o mosaico agroflorestal e as descontinuidades de serras com várias espécies florestais, que produzem alimentos, riqueza e fixam as populações. Estas condições impedem a progressão dos grandes fogos e garantem a presença de vegetação diversificada, nomeadamente de árvores autóctones, seja floresta ou agricultura, fundamentais para a conservação de matéria orgânica e o armazenamento de água, permitindo reduzir índices de seca e também são aliança no combate a incêndios."
Já aqui vimos que a agricultura familiar garante 80% dos alimentos consumidos no mundo. Em Portugal, é similar. Segundo dados divulgados no novo Plano Estratégico da Política Agrícola Comum de Portugal (2023-27), no final de agosto, cerca de 46% das explorações agrícolas do país são de dimensão muito reduzida, com menos de 2ha e 80% são de base familiar. Há cerca de 290 mil agricultores em Portugal, sendo que as mulheres agricultoras representam 39% desta mão de obra. Portugal tem ainda a população agrícola mais envelhecida da UE. Por cá, esta é uma atividade "ainda muito desconsiderada social, económica e politicamente e é esse estado de coisas que queremos mudar. O papel dos agricultores e das agricultoras familiares deve ser conhecido e reconhecido", assinala Joana Dias. Por isso, é preciso mudar a situação e "a primeira mudança que se impõe é considerar o setor como fundamental para o futuro sustentável do país", destaca a coordenadora da ACTUAR.
Um plano para Portugal
Nesta linha, promover a agricultura familiar é o que pretendem a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Direção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), a Escola Superior Agrária de Viseu (ESAV) e a ONGD ACTUAR, ao elaborarem o Plano para a Década da Agricultura Familiar em Portugal (PADAF), que propõe ao Governo uma série de medidas que fortaleçam a agricultura familiar até 2030. Portugal é, assim, um dos primeiros países a responder ao apelo da ONU para mobilizar a comunidade internacional e os governos para trabalhar dinâmicas sociais, económicas e ambientais que fortaleçam a agricultura familiar.
O PADAF resulta de um trabalho de campo participativo, tendo sido submetido a consulta pública. Apresenta diversas propostas legislativas para fortalecer a agricultura familiar, funcionando também como um guia com ações e metas organizadas em áreas prioritárias, desde políticas públicas necessárias, participação das mulheres ou defesa da sustentabilidade.
O PADAF propõe também a promoção dos circuitos curtos, uma vez que quanto mais curta for a distância entre a produção de alimentos e o nosso prato, melhor é para o ambiente, para a saúde e para a economia local. O plano propõe ainda a criação de um selo que estimule a diferenciação dos produtos e que permita ao consumidor saber que está a consumir alimentos provenientes da agricultura familiar. Para cumprir a Agenda 2030, são também propostas soluções para promover a inclusão social e a igualdade de género, entre outras medidas. "O que temos no PADAF é um verdadeiro ‘roadmap’ para chegarmos a 2030 com um país com autonomia e segurança alimentar, com uma população saudavelmente alimentada, com um mercado de produtos agrícolas eficiente e transparente e com agricultores familiares com produções rentáveis, ao mesmo tempo que se reduz a pobreza e se defende o território", sintetiza Joana Dias.
"A agricultura familiar pode fazer muito pelo país: contribui para a saúde da população através de uma alimentação saudável, fomenta o emprego de muitas famílias, oferece uma produção e consumo sustentáveis, reduz a pegada de carbono através do consumo local, defende o território, combate a desertificação do interior, reduz as desigualdades, reduz o défice alimentar do país, que depende da importação de alimentos, ajuda a combater a pobreza e a fome, entre muitas outras coisas", começa por explicar Laura Tarrafa, especialista na área da agroecologia na Confederação Nacional da Agricultura.
A agricultura familiar tem um impacto positivo de tal ordem nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que a própria Organização das Nações Unidas (ONU) estipulou 2018-28 como a Década da Agricultura Familiar. O propósito é concentrar esforços da comunidade internacional para trabalhar coletivamente na implementação de políticas sociais, económicas e ambientais que fortaleçam a agricultura familiar em todo o mundo. A ONU pretende chamar a atenção para o facto de os agricultores familiares produzirem mais de 80% dos alimentos consumidos no mundo, empregam 30% da população mundial, mas, paradoxalmente, encontram-se entre os grupos populacionais mais vulneráveis à insegurança alimentar.
Para além das vantagens ambientais, sociais e económicas, num mundo com tensões multipolares e crises globais que põem em causa os circuitos normais de abastecimento, é a produção local que salvaguarda as populações. "A importância da agricultura familiar foi posta à prova na pandemia: não faltaram vegetais, fruta, legumes, carne ou leite aos consumidores portugueses e nunca, como nessa fase, os agricultores familiares conseguiram escoar as suas produções. Perante uma perturbação grave, que interrompe as cadeias de fornecimento, é o que está próximo do consumidor que oferece segurança no abastecimento", destaca Joana Dias, coordenadora da ACTUAR, uma Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) que promove a conceção de sistemas alimentares sustentáveis.
Como país particularmente sujeito aos efeitos das alterações climáticas, nomeadamente calor, seca e incêndios, a agricultura familiar também pode ser uma arma importante de defesa do território. "Não é por acaso que hoje sentimos com muito mais violência os fenómenos extremos do clima e podemos dizer que estão ligados à transformação sofrida nas zonas rurais", destaca Laura Tarrafa, que acrescenta: "A expulsão das pessoas das zonas rurais deixou ao abandono o mosaico agroflorestal e as descontinuidades de serras com várias espécies florestais, que produzem alimentos, riqueza e fixam as populações. Estas condições impedem a progressão dos grandes fogos e garantem a presença de vegetação diversificada, nomeadamente de árvores autóctones, seja floresta ou agricultura, fundamentais para a conservação de matéria orgânica e o armazenamento de água, permitindo reduzir índices de seca e também são aliança no combate a incêndios."
Já aqui vimos que a agricultura familiar garante 80% dos alimentos consumidos no mundo. Em Portugal, é similar. Segundo dados divulgados no novo Plano Estratégico da Política Agrícola Comum de Portugal (2023-27), no final de agosto, cerca de 46% das explorações agrícolas do país são de dimensão muito reduzida, com menos de 2ha e 80% são de base familiar. Há cerca de 290 mil agricultores em Portugal, sendo que as mulheres agricultoras representam 39% desta mão de obra. Portugal tem ainda a população agrícola mais envelhecida da UE. Por cá, esta é uma atividade "ainda muito desconsiderada social, económica e politicamente e é esse estado de coisas que queremos mudar. O papel dos agricultores e das agricultoras familiares deve ser conhecido e reconhecido", assinala Joana Dias. Por isso, é preciso mudar a situação e "a primeira mudança que se impõe é considerar o setor como fundamental para o futuro sustentável do país", destaca a coordenadora da ACTUAR.
Um plano para Portugal
Nesta linha, promover a agricultura familiar é o que pretendem a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Direção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), a Escola Superior Agrária de Viseu (ESAV) e a ONGD ACTUAR, ao elaborarem o Plano para a Década da Agricultura Familiar em Portugal (PADAF), que propõe ao Governo uma série de medidas que fortaleçam a agricultura familiar até 2030. Portugal é, assim, um dos primeiros países a responder ao apelo da ONU para mobilizar a comunidade internacional e os governos para trabalhar dinâmicas sociais, económicas e ambientais que fortaleçam a agricultura familiar.
O PADAF resulta de um trabalho de campo participativo, tendo sido submetido a consulta pública. Apresenta diversas propostas legislativas para fortalecer a agricultura familiar, funcionando também como um guia com ações e metas organizadas em áreas prioritárias, desde políticas públicas necessárias, participação das mulheres ou defesa da sustentabilidade.
Não significa que não haja iniciativas e programas visando outra abordagem, mas o seu alcance é insignificante.
Francisco Sarmento
Consultor da FAO
Uma das principais bandeiras do plano é alterar a legislação das compras públicas dos alimentos, considerando que não faz sentido que o Estado prefira os alimentos processados, na sua grande maioria importados, que não trazem valor à economia nacional e nem à saúde das pessoas. Segundo Francisco Sarmento, consultor da FAO e antigo representante da FAO em Portugal, no nosso país, os alimentos que entram nas cantinas das escolas, hospitais e restantes serviços públicos "são maioritariamente alimentos industrializados nacionais e importados, ou seja, inseridos em cadeias alimentares globais. Não significa que não existam iniciativas e programas visando outra abordagem, como é o caso da fruta nas escolas, mas o seu alcance é insignificante." Para os promotores do PADAF, com o sistema atual, estamos a falar de dinheiro público investido em alimentos de fraca qualidade que vão gerar doença que o SNS vai ter de tratar. Por isso, defendem ser urgente rever a legislação para criar o acesso dos agricultores familiares aos programas de compras públicas nacionais, regionais e locais. O PADAF defende, neste sentido, uma discriminação positiva para os agricultores familiares poderem aceder às compras públicas de alimentos. Tal medida seria importante para melhorar a qualidade dos produtos nos serviços públicos e também a vida destes agricultores. "É preciso alertar os consumidores, os governantes e os agricultores que, mais importante do que exportar, é reduzir as importações e sermos autossuficientes do ponto de vista alimentar. Comer uma laranja do Algarve ou uma laranja que vem da África do Sul não é a mesma coisa. A duas coisas têm impactos completamente diferentes no ambiente, na sociedade e na economia. E quem fornece os alimentos saudáveis, nutricionalmente mais ricos, com menores custos para a sociedade, é a agricultura familiar", refere Laura Tarrafa. Francisco Sarmento
Consultor da FAO
O PADAF propõe também a promoção dos circuitos curtos, uma vez que quanto mais curta for a distância entre a produção de alimentos e o nosso prato, melhor é para o ambiente, para a saúde e para a economia local. O plano propõe ainda a criação de um selo que estimule a diferenciação dos produtos e que permita ao consumidor saber que está a consumir alimentos provenientes da agricultura familiar. Para cumprir a Agenda 2030, são também propostas soluções para promover a inclusão social e a igualdade de género, entre outras medidas. "O que temos no PADAF é um verdadeiro ‘roadmap’ para chegarmos a 2030 com um país com autonomia e segurança alimentar, com uma população saudavelmente alimentada, com um mercado de produtos agrícolas eficiente e transparente e com agricultores familiares com produções rentáveis, ao mesmo tempo que se reduz a pobreza e se defende o território", sintetiza Joana Dias.