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Prospeção em mar profundo aprovada na Noruega contra o aviso dos cientistas

O país pretende abrir a atividade no Ártico numa área maior do que o Reino Unido. Ambientalistas protestam e avisam dos riscos desconhecidos que a mineração do mar pode ter para o planeta.

Negócios 10 de Janeiro de 2024 às 10:42
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A Noruega poderá vir a ser o primeiro país do mundo a avançar com a exploração mineira em mar profundo, depois de ter aprovado, nesta terça-feira, a abertura das suas águas à prospeção, provocando o protesto de grupos ambientalistas. Em causa está a extração de metais necessários às transições verde e digital.

O Parlamento do país concordou em permitir a prospeção em cerca de 108.000 milhas quadradas do fundo marinho do Ártico, uma área maior do que o Reino Unido, entre a Noruega e a Gronelândia.

Mais concretamente, o Parlamento Norueguês votou pela prospeção, e não pela exploração, das profundezas do mar no Ártico. "Este é um passo na direção certa: conseguiu-se evitar que a exploração começasse agora, considerando que a proposta do Governo era avançar com prospeção + exploração, sem que o Parlamento voltasse a pronunciar-se. A proposta inicial do Governo não foi aprovada, foi antes alterada para que o Parlamento vote novamente antes de permitir o início da atividade mineira", explica Ana Matias, coordenadora de Clima e Poluição da Sciaena, ao Negócios.

"Ainda assim, envia uma mensagem negativa ao resto do mundo:a de que a Noruega não está a ouvir os seus cientistas, uma vez que a recomendação científica era no sentido de não avançar a prospeção nem a exploração. A Noruega revela não estar a ouvir nem a ciência produzida pelos seus cientistas nem pelos cientistas de mar profundo de todo o mundo", acrescenta Ana Matias.

A decisão na Noruega foi tomada apesar da crescente preocupação de cientistas, políticos e grupos ambientalistas sobre os potenciais danos que a exploração mineira em mar profundo pode infligir à vida marinha.

Existe uma grande necessidade de encontrar metais como cobalto, cobre, níquel, ferro, manganês, entre outros, para possibilitar o desenvolvimento de novos equipamentos e tecnologias que sirvam as transições digital e energética. E os olhos da procura estão agora a virar -se para o mar profundo, na medida em que este é rico nestes metais, sobretudo em três ecossistemas específicos: nos habitats de nódulos polimetálicos, depositados entre 4 a 6 mil metros de profundidades; em crostas ricas em cobalto em montes submarinos; e em fontes hidrotermais, localizadas sobretudo na junção de placas tectónicas.

"Quando levantamos estes sedimentos, forma-se uma pluma de sedimentos que pode atingir 800 metros de dispersão na vertical. Estes metais que estiveram acumulados vão ser libertados e suspendidos na coluna de água, e são metais bastante tóxicos. Todos os organismos que habitam nesta zona vão filtrar estes metais. Estamos a falar de impactar também cadeias tróficas a vários níveis", esclarece Ana Matias. Ou seja, por bioacumulação, quando os organismos servirem de alimento para níveis superiores da cadeia alimentar, levarão essa toxicidade com eles até nós.

Além disso, a biodiversidade da zona será afetada, não só pelos sedimentos dispersos, mas também pela poluição sonora, impactando sobretudo cetáceos "numa coluna cilíndrica que pode atingir os 500 km", e pela poluição luminosa, uma vez que o fundo do mar é escuro e é nessas condições que a biodiversidade se desenvolve, explica Ana Matias.

O tema da mineração no mar é polémico, porque contrapõe estes dois grandes interesses atuais: proteção do planeta e recolha de metais essenciais às revoluções verde e digital. De salientar que, a favor do oceano, foram aprovados dois instrumentos globais. No final de 2022, com o Tratado de Biodiversidade de Kunming-Montreal, e em 2023, com o Tratado da Biodiversidade Marinha de Áreas fora da Jurisdição Nacional (BBNJ), ficou assegurada a proteção de 30% do oceano até 2030, sendo consensual que o planeta, e os oceanos em particular, precisam de proteção urgente para fazer face às alterações climáticas.

Também a Agenda da UE para a Governação dos Oceanos, de 2022, é clara em "proibir a mineração em alto mar até que as lacunas científicas sejam devidamente colmatadas, não surjam efeitos nocivos da mineração e o ambiente marinho seja efetivamente protegido".

Quanto à aprovação de prospeção na Noruega, a coordenadora da Sciaena acredita que "a prospeção levará ainda algum tempo a avançar", pelo que "esperamos que este ganho de tempo sirva para que se avance mais internacionalmente e na Europa na adoção de moratórias e que isso pressione a Noruega a adiar indefinidamente os seus planos".

A nível global, as negociações no seio da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, sigla em inglês) para regular a mineração em mar profundo continuam ser ter luz verde para dar início à atividade. A expectativa é que nas reuniões da assembleia deste ano, em meados do ano, seja discutida formalmente a moratória de exploração em mar profundo. Neste âmbito, recorde-se que Portugal votou contra a mineração em mar profundo, em julho de 2023, exigindo a clarificação do quadro regulamentar e mais investigação científica.

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