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Portugal “não tem condições” para ceder água a Espanha

Andaluzia vai aprovar mais 200 milhões de euros para fazer face à seca extrema que assola a região e olha para Portugal como possível fonte de água. Em pleno inverno os reservatórios da comunidade estão a 20% da capacidade.

Sónia Santos Dias 22 de Janeiro de 2024 às 09:59
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No dia 29 de janeiro, o Governo da Andaluzia vai aprovar aquele que será o quarto decreto para fazer face à seca que assola a região, disponibilizando um investimento de 200 milhões de euros, anunciou o presidente da Junta da Andaluzia, Juan Manuel Moreno.

Deste valor, mais de 50 milhões vão para ajudas diretas ao setor agroalimentar, incluindo a implementação imediata de obras em zonas com situação mais extrema, para o reforço de centrais de dessalinização e para obras de recuperação em portos e barragens para aproveitamento de água. Além destas medidas, Juan Manuel Moreno pediu a canalização de fundos europeus, um maior envolvimento do governo central de Espanha e defendeu mais transvases entre rios espanhóis e "entre países", nomeadamente desde Portugal.

Uma hipótese que, para Joaquim Poças Martins, especialista em gestão hídrica, não é possível de ser concretizada. Isto porque Portugal "não tem condições" para ceder água a Espanha, explicou ao Negócios. Os olhos estão postos no Alqueva, mas Joaquim Poças Martins ressalta que este "é o maior lago artificial da Europa, mas não é o mar e está a ser muito solicitado".

O especialista sublinha que Portugal também está a atravessar uma situação grave de falta de água, sobretudo no Algarve. "A água não chega para os usos atuais. O Algarve está pior do que o Alentejo e queria, neste momento, estar ligado ao Alqueva", portanto, "a resposta neste momento é que não temos água que chegue no sul de Portugal".

Joaquim Poças Martins explica que está em causa a autonomia do país: "O Alqueva tem perto de 4 mil milhões de metros cúbicos de capacidade e gasta todos os anos cerca de 500 mil m³. No fundo, permite disponibilizar água mesmo que não chova durante quatro ou cinco anos. Mas isto infelizmente é pouco, porque no Alentejo é possível não chover durante sete ou oito anos seguidos".

Recorde-se que, em matéria de água, Portugal e Espanha têm desde há 25 anos a Convenção de Albufeira, que regula a cooperação entre os dois países. Porém, segundo Poças Martins, "esta parte não está contemplada".

Numa conferência sobre a água organizada pelo Negócios, no final de 2023, José Pedro Salema, presidente do conselho de administração da EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva, referia que a barragem rega cerca de 130 mil hectares de agricultura de regadio no Alentejo, serve o abastecimento público de Beja, Évora e circundantes, e também algum abastecimento industrial, entre os quais o perímetro de Sines, que desde 2022 tem uma ligação direta ao sistema do Alqueva. Quanto a poder servir outras necessidades, "a tentação é grande, não só a portuguesa como a de alguns vizinhos". Porém, "o problema é que o sistema está desenhado para uma determinada utilização e nós estamos a atingir a nossa capacidade".

Não é a primeira vez que os dirigentes da Andaluzia falam na possibilidade de ser pedida água a Portugal, o que dependeria de contactos entre os governos dos dois países. Em dezembro passado, Moreno chegou mesmo a dizer que o governo regional estaria a fechar um projeto para permitir levar água a partir de Portugal.

A Lusa contactou na altura o Ministério do Ambiente e Ação Climática português sobre este projeto, tendo fonte do gabinete de imprensa respondido que "as relações com Espanha devem seguir o que está definido pela Convenção de Albufeira". "Não fomos informados pela APA [Agência Portuguesa do Ambiente] de nenhuma proposta por parte de Espanha", acrescentou.

O Governo de Espanha, através do Ministério da Transição Ecológica e Desafio Demográfico, disse, também em dezembro, que por causa da queda do governo português só voltará a haver reuniões no âmbito da Convenção de Albufeira depois das eleições nacionais e da formação do novo executivo em Portugal, numa resposta a questões da Lusa sobre os contactos entre Madrid e Lisboa relacionados com as reivindicações da Andaluzia.

Relativamente à situação espanhola, Juan Manuel Moreno, que presidiu uma reunião da Comissão de Peritos em Secas na última quinta-feira, lembrou que este novo decreto se soma aos outros três já implementados, com mais de 300 milhões, dos quais os dois primeiros já ultrapassam 85 por cento da execução, para fazer face à "situação extrema" de seca. Segundo a Junta da Andaluzia, os reservatórios da comunidade estão atualmente a 20% da sua capacidade, configurando-se no pior cenário de seca da região.

O armazenamento de água em algumas zonas da Andaluzia está abaixo dos 15% da capacidade, depois de meses com escassez de chuva, e 500 mil pessoas na região têm já limitações no abastecimento, sendo que se não se alterarem os níveis de precipitação, haverá restrições no consumo humano nas grandes cidades (como Sevilha ou Málaga) antes do início do verão, disse Moreno.

A Andaluzia está já também a preparar todos os portos da região para "em caso de necessidade extrema" transportar água em navios desde outros pontos (que não especificou), introduzi-la na rede de abastecimento e garantir assim o fornecimento a toda a população, acrescentou.

O presidente da Junta da Andaluzia lembrou que a região, além de ser um dos grandes destinos de turismo de Espanha e da Europa no verão, com localidades da costa que chegam a triplicar a população, é também a "maior potência agrícola" do país e "produz alimentos para 500 milhões de pessoas" de diversos países.

Segundo afirmou, a seca que vive a Andaluzia já está a ter impacto na economia regional por causa dos efeitos na agricultura, nomeadamente a quebra em um ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) andaluz.

Além da Andaluzia, em Espanha também a Catalunha enfrenta uma situação de seca que as autoridades regionais dizem ter dimensões inéditas pela escassez de chuva há 36 meses consecutivos.

As reservas de água nas bacias hidrográficas catalãs geridas pelo governo regional, que abrangem a área metropolitana de Barcelona, a segunda maior cidade de Espanha, estão em 16,5% da capacidade e o executivo autonómico estima que fiquem abaixo dos 16%, o que levará à declaração da "situação de emergência", com um aumento das restrições no consumo.

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