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O modelo das SAD do futebol falhou

Os resultados trimestrais das Sociedades Anónimas Desportivas (SAD) do futebol português assustam. Pela gravidade e pela impunidade.

 

Qualquer outra empresa neste estado já teria assembleias de credores marcadas. O futebol é outra realidade. É pouco importante se isso é bom ou mau, justo ou ingrato. O que importa, neste caso, é perceber que este estado de calamidade financeira só é possível pelo arrastamento impune do sistema que se perpetuou com as SAD.

Foi ainda no final do século passado que os agentes do futebol decidiram que o futebol teria de ficar separado do resto dos clubes. A solução foi apresentada como um passo em frente na modernidade da gestão desportiva. Mas acabou por ser o contrário.

Sem ousar compreender as motivações individuais, a tragédia dos números, 15 anos depois, mostra um cenário que já é difícil esconder com cursos de gestão: as SAD foram um instrumento de cristalização. De fontes de financiamento, de receitas e de modelos de gestão. Permitiram cristalizar as "relações" entre todos os envolvidos no futebol português: patrocinadores, clientes, bancos, gestores.

A impunidade não é má em si mesma, se os clubes continuarem a dar aos seus seguidores aquilo que eles lhes pedem: emoções. Nenhum adepto quer saber, quando está a sofrer a mutação emotiva de ver uma bola passar por entre as pernas, se a SAD do seu clube está falida. Ou se as receitas que o clube gera cobrem os custos. Ou porque é que os maiores clientes do clube são os mesmos dos clubes rivais. Ou porque é que todas as SAD têm os mesmos accionistas. E os mesmos bancos. E os mesmos patrocinadores.

O adepto quer que a bola entre. E está disponível para "pagar" por isso, em todas as dimensões que esse sacrifício exigir.

Mas a impunidade em que viveram as SAD do futebol português até hoje tem um problema, que já está a chegar ao adepto. A festa acabou. O sistema é insustentável. A crise económica avassaladora já não absorve um crescimento galopante dos passivos, a tesouraria a crédito, o desvio de receitas para entidades externas aos clubes, a incompetência, os erros de gestão, o desperdício. As SAD já não podem ser mal geridas, os gestores já não conseguem ficar impunes. Porque o modelo falhou do lado das receitas (cristalizadas) e dos custos (incomportáveis e incompreensíveis). As SAD faliram porque os seus modelos de gestão falharam.

Os primeiros a mudarem terão uma clara vantagem competitiva, até porque o facto de os clubes continuarem a ser associações impede qualquer solução mágica de natureza russa ou árabe. As soluções passam pelos clubes retomarem o controlo total das SAD, rompendo as cumplicidades que elas criaram e encontrando soluções mais "criativas" para as substituir. E por uma gestão melhor, mais profissional e sem "desperdícios". E por devolver aos mais directos interessados (os adeptos) a responsabilidade de rentabilizar a sua militância.

Mas a mudança será dolorosa, tanto mais quanto maior for a resistência a essa mudança por quem implementou (e rentabilizou) o actual modelo falhado.

*Editor de Empresas

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