Opinião
A escolha de Alexis
Há pouco mais de uma semana, o "Efimerida to Syntakton", jornal tido como próximo do Syriza, noticiou uma alegada conspiração orquestrada a partir do banco central grego presidido por Yannis Stournaras, antigo ministro das Finanças do ex-primeiro-ministro conservador Antonis Samaras. Objectivo: "Transformar o primeiro governo de esquerda num mero parêntesis".
Os indícios dessa conspiração eram retirados de um email alegadamente enviado a partir do banco central a jornalistas, que foi reproduzido pelo "Times of Change", acusado de participar nela. Nesse email quantificavam-se alguns impactos dos 100 primeiros dias da administração de Alexis Tsipras: a fuga de depósitos rondou 20 a 35 mil milhões de euros, o valor das empresas gregas caiu entre 20 e 30 mil milhões de euros, o Estado fez 10 mil milhões de euros de empréstimos de muito curto prazo, 20 mil milhões de euros desapareceram de circulação, as dívidas do Estado a privados aumentaram em três mil milhões de euros e os bancos gregos precisarão de uma nova ronda de recapitalização.
O email alimentou nos dias seguintes uma polémica inflamada, com o governo a exigir ao banco central que demonstre que é uma instituição independente, este a negar que tenha enviado correspondência a jornalistas, numa troca de bolas sobre o acessório que não tapa o essencial: se a economia grega estava de joelhos, agora está de rastos. Dados divulgados já nesta semana pela confederação grega de comércio sugerem que a economia está a perder 600 postos de trabalho, 60 empresas e 22 milhões de euros por dia.
Quatro meses depois de o Syriza ter vencido as eleições antecipadas - detonadas por não querer viabilizar um presidente da República conservador que o mesmo Syriza acabou depois por eleger por iniciativa própria - a Grécia voltou à recessão, os cofres públicos estão vazios e o governo está a ser forçado a admitir que as promessas de que acabaria com a austeridade e dispensaria novos empréstimos não são exequíveis quando ainda se gasta mais do que se tem (o excedente orçamental só ainda não desapareceu porque a opção tem sido o Estado não pagar aos fornecedores) e se depende inteiramente do dinheiro e da boa vontade de terceiros – de fora e de dentro. Até ao momento, apenas dois dos 325 presidentes de câmara do país cumpriram a ordem de Tsipras de transferir para o Estado central as suas poupanças. Tal como FMI e europeus, não o fazem porque têm o receio de não ver o dinheiro de volta.
Em cima de tudo isto, como referia a "Economist", já não há muito mais esperança de que os novos donos da Grécia ataquem as patologias crónicas do Estado helénico: "O velho clientelismo parece ser tão inescapável como sempre: 11 dos 13 directores regionais de educação nomeados pelo governo são membros do Syriza e um dos outros é do Anel, membro da coligação de governo", escrevia a revista, citando uma denúncia do To Potami, novo partido pró-europeu.
Tal como Antonis Samaras e, antes dele, George Papandreou, também Alexis Tsipras parece continuar a acreditar que os europeus não vão deixar sair a Grécia do euro pelas mesmas razões geopolíticas que levaram o país a entrar nele (e, antes disso, na própria União Europeia), pelo que a ameaça de referendo ou de incumprimento seria suficiente para forçar um acordo. Eventualmente, ambos vão acabar por acontecer. E a Grécia prosseguirá no euro.
Ainda em Abril, o próprio Tsipras referiu-se à possibilidade de um referendo, ao passo que a ala mais radical do seu partido, que quer a saída do euro, defende eleições antecipadas. Esta última opção seria a mais honesta, quando se reconhece que ninguém, em boa-fé, terá algum dia acreditado que o programa de Salónica era exequível "sem uma máquina de fabricar moeda falsa", como dizia Jaime Gama.
As sondagens indicam que a maioria dos gregos quer manter-se na união monetária, mesmo que isso signifique dizer sim a mais cortes, e que o Syriza continuaria a ser o partido mais votado, o que, em caso de eleições antecipadas, até poderia reforçar a "mão" de Alexis Tsipras, caso este se divorcie dos radicais e se mova para o centro. "A minha esperança é que, estando o actual Governo a enfrentar o mesmo problema com o qual todos os partidos da esquerda à direita já tiveram de lidar, se acabe com o populismo e nasça uma nova Grécia". "Tudo seria mais fácil se houvesse consenso político", afirmou nesta semana, nas Conferências do Estoril, George Papandreou, o primeiro-ministro grego socialista que pediu o primeiro resgate para a Grécia em 2010.
Quanto à ameaça de incumprimento, à medida que o excedente orçamental grego se esfuma, esta torna-se, paradoxalmente, tanto mais plausível quanto ineficaz como arma de negociação. Com os mercados a reclamarem juros exorbitantes ao Estado grego, no dia seguinte ao "não pagamos" ou Atenas encontraria um amigo à-Sócrates em Moscovo ou teria de voltar a bater à porta de Bruxelas. E, enquanto não chega dinheiro fresco, Tsipras teria de ir rasgando mais promessas eleitorais, fazendo provavelmente cortes em salários e pensões - que hoje consomem 1,4 mil milhões de euros todos os meses - para que os impostos que vai cobrando fossem suficientes para cobrir a despesa. Nesse meio tempo, manter no euro um país que não cumpre as suas obrigações com os credores parece ser hoje mais um tabu que muitos europeus se dizem dispostos a quebrar.
Com a situação grega cada vez mais fora de pé, uma coisa parece certa. Não obstante todas as manobras do Syriza/Anel destinadas a fazer dos alemães os maus da fita, Angela Merkel terá feito a sua escolha. A chanceler não quererá fazer a vontade aos radicais que prometeram ao eleitorado o paraíso na terra, e ficar com o ónus de contrariar o desejo da esmagadora maioria dos gregos. E não estará, sobretudo, na disposição de deixar cair a primeira peça da construção mais ambiciosa da Europa, que poderia abrir um capítulo de desintegração (e o referendo britânico está à porta) e de instabilidade na região (a Grécia tem uma relação complicada com todos os seus vizinhos, da Turquia à Albânia, passando pelo Chipre e pela Macedónia – que, por sua insistência, se chama Fyrom – e tem agora um novo amigo no Kremlin que deixa os países da União Europeia de pé atrás).
Mas a escolha de Merkel só será a da Alemanha se o parlamento alemão concordar. E a batalha que a chanceler está a travar começa dentro do seu próprio partido.
Sem mais dinheiro para comprar muito mais tempo para adiar decisões, chegou agora a hora de Alexis fazer a sua escolha. Ou opta pela integridade do partido e pelo seu programa radical e lidera a Grécia rumo ao desconhecido; ou conclui que o caminho mais rápido e menos doloroso para a recuperação económica e estabilidade política da Grécia passa por manter o país como um protectorado financeiro da Europa por mais alguns anos.
Se escolher ser o líder da grande coligação Syriza, terá de abandonar o euro. "A nossa única escolha é a ruptura com os credores, suspender o pagamento da dívida, (impor) medidas para limitar a livre circulação de capitais, pôr os bancos sob controlo do Estado, tributar o capital e os ricos para financiar medidas para apoiar o cidadão comum", esclarecia nesta semana a ala mais à esquerda do partido.
Se escolher fazer a vontade à maioria dos gregos e ficar no euro, terá de conceder que a soberania vai continuar a ser muito partilhada e vigiada, que a austeridade se vai manter, e arrisca-se a perder boa parte do apoio parlamentar por dissidências, o que pode inviabilizar a aprovação de novas medidas e precipitar, até mesmo após um referendo, novas eleições.
Depois de gastar os sete mil milhões que ainda restam deste segundo resgate, Atenas terá de pedir um terceiro (30 mil milhões é o valor de que se fala em Bruxelas) que será complicadíssimo de negociar, e fazer uma nova ronda de recapitalização dos bancos "à la Chipre" – País-irmão que foi ao chão por causa da crise grega e que, dois anos antes do previsto, apresenta excedentes orçamentais primários, foi quem mais cresceu no primeiro trimestre deste ano e começa a ver a curva do elevado desemprego inverter-se (longe de perfeitos, os programas de ajustamento parecem, afinal, funcionar quando os governos tomam em mãos o processo e não legislam apenas para troikano ver).
Diferentemente do que lê na imprensa grega (e não só), a escolha de Alexis está a léguas do drama que foi a de Sofia. Mas não é uma escolha fácil e, nestes quatro meses, o Syriza com os seus parceiros do Anel só a tornaram mais difícil.