Opinião
Os 50 tons da austeridade
A austeridade está para ficar, pelo menos enquanto 'ground zero' do debate político em Portugal. O termo em si ganhou o concurso para Palavra do Ano no já longínquo ano de 2011, mas teima em não sair do léxico. E da prática política, e da vida dos portugueses?
Nota: Este artigo está acessível, nas primeiras horas, apenas para assinantes do Negócios Primeiro.
Foi esse o exercício que o Negócios procurou fazer, no trabalho do jornalista Nuno Aguiar que publicamos na edição de hoje. Perante a narrativa de que este Governo acabou com a austeridade e perante a outra, oposta, de que ela está igualzinha, quem tem razão? Pois, como costuma acontecer nestas trincheiras da retórica política, ambos, ou seja, nenhum dos dois, no seu determinismo.
Do lado da receita, a aposta nos impostos indirectos em detrimento dos directos significou uma recomposição da austeridade. Penaliza-se mais o comportamento económico e de consumo, e menos aquilo que se tira, à cabeça, ao salário que um trabalhador leva para casa. É claro que a utilização maior ou menor do automóvel, por exemplo, é muitas vezes uma falsa escolha, e penaliza muitas empresas (o que acontecerá quando o petróleo subir a sério?). Mas é inegável que, na mente do contribuinte, uma coisa não é igual à outra, mesmo que o dinheiro lhe pese o mesmo no bolso.
Na despesa é onde encontramos maior riqueza de análise, com esta a alimentar boa parte do esforço de consolidação, cortesia de um Governo socialista e dos seus apoiantes parlamentares mais à esquerda. Menos investimento e mais cativações foram a receita. Costa preferiu penalizar os serviços públicos para aliviar os funcionários públicos, enquanto Passos fez o contrário. São escolhas eminentemente políticas, e terão de viver com elas.
Podemos embarcar numa discussão clubística, que é vácua. A austeridade tem muitos tons, do mais carregado ao mais leve, e a sua aplicação tem apenas como limite as necessidades orçamentais. Está por cá, ainda? É claro que sim. É indiferente fazê-la de uma forma ou de outra? É claro que não. Costa prova que Passos podia ter consolidado de forma diferente? Não, porque tudo era diferente, desde as dificuldades do país à sua autonomia financeira e, consequentemente, decisória.
A consolidação, essa, veio para ficar, por mais que doa ao Bloco e ao PCP. E aqui não é ideologia, é a superfície dura da realidade. Enquanto há crescimento - e para este a política do Governo também contribuiu - as coisas vão-se fazendo: consolida-se e cresce-se. O pior será depois, quando o vento afrouxar nas nossas velas e não tivermos preparado o país para tempos de menor exuberância económica.
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