Opinião
A fria renovação dos votos
Uma moção de censura é sempre um ponto simbolicamente importante em qualquer legislatura. Mesmo que a prática demonstre que não serve para nada, há um ritual parlamentar muito próprio, umas três horas em que o Governo está num xeque formal, ainda que não substancial.
O desfecho foi o previsível e conhecido há muito, pelo que não é esse o ponto de análise mais importante. É preciso lembrar as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, no discurso mais duro que se lhe conhece, na sequência do desnorte do Governo e de António Costa. "Se na AR há quem questione a capacidade do Governo para realizar estas mudanças indispensáveis e inadiáveis (...), a mesma Assembleia que clarifique se quer ou não manter em funções o Governo", disse.
Ou seja, mais do que um teste à sobrevivência do Executivo, que nunca esteve em causa, este foi um teste à solidez desta solução governativa e à convicção dos seus protagonistas.
Sobrou o resultado, a validação formal da geringonça. Se levarmos literalmente as palavras do Presidente, está tudo bem: a Assembleia clarificou que quer manter em funções o Governo.
A história acabou por ser outra, logo abaixo da superfície. A esquerda foi dura para com o Governo, e parca, muito parca, em apoio audível no hemiciclo. Tal como a cola na origem da geringonça foi um medo comum, o de Passos Coelho e do PàF, aqui foi o oportunismo político de Assunção Cristas. Com um ponto muito importante: a queda do Executivo nesta altura não seria abrir à direita a porta do regresso ao poder, e sim estender a passadeira da eventual maioria absoluta ao PS. A decisão de Bloco e PC era uma não decisão.
Neste casamento de conveniência - que apesar de tudo tem corrido melhor do que as expectativas iniciais - o dia de ontem foi uma fria e desapaixonada renovação dos votos. Na política não existe o conceito de "até que a morte nos separe".