Opinião
06 de Janeiro de 2011 às 11:32
Um Estado regulador fraco e capturado
Nunca se falou tanto em mercado e nunca o mercado esteve tão ausente da vida económica e financeira.
E a gerar uma sociedade cada vez mais desigual, com uns empresários e uns negócios mais iguais que outros, à boa maneira do "Triunfo dos porcos".
O processo do cartel das cantinas, iniciado em 2007 pela Autoridade da Concorrência foi anulado pelo Tribunal do Comércio (ver página 10). A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) aumentou ontem a nossa dívida às empresas de electricidade que pagaremos com a subida das tarifas no futuro (na página 14 da edição de hoje em papel). Estes são apenas dois exemplos, com razões diferentes, que revelam bem o estado em que o Estado está.
O Estado regulador em que vivemos é uma produção intelectual para criar mercado concorrencial onde ele não existe. É graças a essa criação que se pode privatizar empresas como a EDP e a REN ou ainda pretender colocar na esfera privada sociedades como os CTT.
O raciocínio do Estado regulador é fantástico: o legislador produz regras que criam artificialmente o ambiente concorrencial. E, assim sendo, tudo pode ser privatizado. Porque o Estado, com as suas entidades reguladoras e de protecção da concorrência, garante a aplicação das regras de mercado, mesmo quando só exista uma ou duas empresas a oferecerem o produto ou o serviço. Do ponto de vista intelectual é tão entusiasmante como para um engenheiro domar a natureza.
O problema do Estado regulador é que exige um Estado muito mais rico, forte e independente dos interesses do que o Estado que guarda para si as actividades económicas que só funcionam em monopólio. O Estado regulador tem ainda como pilar fundamental a justiça.
Regressemos aos casos que hoje o Negócios noticia em pormenor na edição em papel.
O cartel das cantinas é um processo que nasce na Autoridade da Concorrência em Fevereiro de 2007 fruto de uma denúncia - a primeira a beneficiar de estatuto de clemência. Em causa está um conjunto de empresas que combinava preços para concorrer ao fornecimento de refeições a entidades públicas, como escolas, ou hospitais. Viviam na regra do "ora agora ganho eu, ou agora ganhas tu, que assim todos ganhamos mais". A Autoridade da Concorrência tomou a decisão final, multando as empresas, em Dezembro de 2009. As empresas recorreram e o Tribunal do Comércio decidiu anular o processo por erros processuais. Resta agora à Autoridade da Concorrência reiniciar o processo como já o fez - e ganhou - no cartel das farmacêuticas. A estes casos junta-se o da PT, que já está perdido, com o Tribunal da Relação considerar que não se fez prova de abuso de posição dominante.
Os casos que têm acontecido com a Autoridade da Concorrência são típicos de Estados reguladores pobres e fracos. Como pode um Estado sem recursos ganhar processos quando do outro lado tem um batalhão de advogados.
O caso da dívida que todos nós consumidores de electricidade vamos acumulando sem saber nem como nem porquê é mais complexo. A ERSE decidiu mudar uns critérios e, de repente, ficamos a dever mais 185 milhões de euros às empresas de electricidade, como a EDP, que se somam aos mais de três mil milhões que já lá estão. Como é isso possível? Pois são os chamados custos de interesse económico geral - muitos deles subsídios - que os governos decidiram que pagaríamos na conta da electricidade.
Este é o Estado regulador que temos, pobre, fraco ou capturado por interesses mais privados que públicos. Que nada tem da eficiência que o mercado produz. E que está a gerar uma economia, e com ela uma sociedade, monstruosa.
O processo do cartel das cantinas, iniciado em 2007 pela Autoridade da Concorrência foi anulado pelo Tribunal do Comércio (ver página 10). A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) aumentou ontem a nossa dívida às empresas de electricidade que pagaremos com a subida das tarifas no futuro (na página 14 da edição de hoje em papel). Estes são apenas dois exemplos, com razões diferentes, que revelam bem o estado em que o Estado está.
O raciocínio do Estado regulador é fantástico: o legislador produz regras que criam artificialmente o ambiente concorrencial. E, assim sendo, tudo pode ser privatizado. Porque o Estado, com as suas entidades reguladoras e de protecção da concorrência, garante a aplicação das regras de mercado, mesmo quando só exista uma ou duas empresas a oferecerem o produto ou o serviço. Do ponto de vista intelectual é tão entusiasmante como para um engenheiro domar a natureza.
O problema do Estado regulador é que exige um Estado muito mais rico, forte e independente dos interesses do que o Estado que guarda para si as actividades económicas que só funcionam em monopólio. O Estado regulador tem ainda como pilar fundamental a justiça.
Regressemos aos casos que hoje o Negócios noticia em pormenor na edição em papel.
O cartel das cantinas é um processo que nasce na Autoridade da Concorrência em Fevereiro de 2007 fruto de uma denúncia - a primeira a beneficiar de estatuto de clemência. Em causa está um conjunto de empresas que combinava preços para concorrer ao fornecimento de refeições a entidades públicas, como escolas, ou hospitais. Viviam na regra do "ora agora ganho eu, ou agora ganhas tu, que assim todos ganhamos mais". A Autoridade da Concorrência tomou a decisão final, multando as empresas, em Dezembro de 2009. As empresas recorreram e o Tribunal do Comércio decidiu anular o processo por erros processuais. Resta agora à Autoridade da Concorrência reiniciar o processo como já o fez - e ganhou - no cartel das farmacêuticas. A estes casos junta-se o da PT, que já está perdido, com o Tribunal da Relação considerar que não se fez prova de abuso de posição dominante.
Os casos que têm acontecido com a Autoridade da Concorrência são típicos de Estados reguladores pobres e fracos. Como pode um Estado sem recursos ganhar processos quando do outro lado tem um batalhão de advogados.
O caso da dívida que todos nós consumidores de electricidade vamos acumulando sem saber nem como nem porquê é mais complexo. A ERSE decidiu mudar uns critérios e, de repente, ficamos a dever mais 185 milhões de euros às empresas de electricidade, como a EDP, que se somam aos mais de três mil milhões que já lá estão. Como é isso possível? Pois são os chamados custos de interesse económico geral - muitos deles subsídios - que os governos decidiram que pagaríamos na conta da electricidade.
Este é o Estado regulador que temos, pobre, fraco ou capturado por interesses mais privados que públicos. Que nada tem da eficiência que o mercado produz. E que está a gerar uma economia, e com ela uma sociedade, monstruosa.
Mais artigos do Autor
Até sempre
29.03.2016
O Orçamento segundo Marcelo
29.03.2016
Vencer o terror. 15 minutos de mais União
23.03.2016
No mundo dos sonhos de António Costa
21.03.2016
Como Lula e Sócrates criam Trumps
17.03.2016
O mistério do Banco de Portugal
14.03.2016