Opinião
Rica crise
O Governo acaba de aprovar a venda de 25% do capital da Galp em bolsa. E faz muito bem! Por duas ordens de razão. A primeira é que chega assim ao fim a telenovela portuguesa mais longa de sempre. O IPO que foi preparado durante exactamente seis anos, quat
Nem o «Morangos com Açúcar» vai aguentar-se tanto tempo.
O segundo motivo que torna esta decisão acertada pode encontrá-lo na página 42 desta edição, onde publicamos a lista das maiores empresas do mundo. Metade é companhias petrolíferas. Três estão nas cinco primeiras.
E se, em vez de dimensão, olhar para os lucros, então percebe porque a jornalista Dora Ribeiro arranca o texto sublinhando o contraste entre «o mundo que está a viver crescente ansiedade» com a escalada do preço do petróleo e «a velha economia do ‘big oil’ que passa muito bem».
Dito de outra forma, a privatização da Galp é acertada porque não podia ser mais oportuna. Não porque a nossa minúscula petrolífera conste da lista anual da Fortune, mas porque também o seu valor está no topo. Como o preço do petróleo.
O Estado português vai encaixar uma «pipa de massa». Américo Amorim entrou em Dezembro com uma valorização implícita da Galp próxima dos 5 mil milhões de euros. Seis meses depois, esse preço já peca por defeito. E a alta do crude é, exactamente, a razão do súbito «enriquecimento» da companhia.
É o mesmo ponto de partida da Exxon Mobil, da Shell, da BP, da Chevron e de todas as outras petrolíferas que há dois anos não param de trepar por cima de todos os outros colossos, de todas as outras actividades. E, repito, com lucros que, como a pornografia, deviam ser proibidos aos menores de idade.
Repare bem no quadro. A segunda maior empresa do mundo, a gigantesca cadeia de distribuição Wal-Mart, apresenta lucros fabulosos. Mais de 8,8 mil milhões de euros. Menos de um terço dos lucros da Exxon Mobil. Agora faça o rácio lucros/receitas e espante-se: as margens são brutais, só comparáveis às indústrias excluídas destes rankings: drogas e armas.
A relação entre a cotação do petróleo e os lucros das petrolíferas não é original. Sabemos que, nas fases de alta de preços, os consumidores transferem riqueza para os produtores. Isso é válido para as relações entre empresas e pessoas. Como é válido para as relações entre países.
Por isso, países como o nosso, que não têm petróleo, ficam mais pobres nestas circunstâncias. Por isso, governos como o nosso fazem sucessivas revisões em baixa do PIB, sempre que o barril supera recordes atrás de recordes nos mercados.
Também por isso, países e governos dependentes desta fonte primária de energia elevaram a ambição nas energias renováveis, intensificaram a agenda da eficiência energética e, vinte anos depois, retomaram o debate da opção nuclear.
Mas enquanto os Estados dos países consumidores procuram formas de se libertar dessa oil-dependência, e gastam bastante dinheiro nisso, financiando a investigação e novas tecnologias, subsidiando eólicas, biocombustíveis, biomassa e outras energias que não são competitivas, as petrolíferas continuam a «passar bem», usando a expressão de ironia cínica de Dora Ribeiro.
Não há mercado que resolva isto. Só Estado. Ou seja, mais impostos. Não os impostos «ad valorem» sobre o consumo, tipo ISP, porque estes também sobem. Mas uma tributação excepcional, sobre estes lucros excepcionais das petrolíferas. Não de todas. Não sobre as que aproveitam para realizar investimentos avultados na sustentabilidade dos recursos. Mas sobre aquelas que participam no banquete e se limitam a esbanjá-lo com a distribuição de dividendos aos seus accionistas.