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Opinião
20 de Março de 2008 às 13:59

Nacionalizaram a Saúde!

Um cidadão confia mais num hospital gerido pelo Estado do que noutro gerido por privados, porque sabe que não haverá poupanças excessivas para maximizar lucros? O primeiro-ministro diz que sim. Disse-o ontem, depois de anunciar que o Estado vai assumir a

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Não há outra interpretação nas palavras de José Sócrates: é uma posição ideológica. De esquerda. Contrária a anos em que a “modernidade” assentava no adágio “os privados gerem melhor que o Estado”. Gerem?

O ambiente entre o Estado e a Mello Saúde estava irrespirável. Desde 2004 que a Administração Regional de Saúde não reconhece as contas do Amadora-Sintra. Não há entendimento quanto à identificação de clientes (perdão: utentes...). O Tribunal de Contas causou embaraço ao Ministério Público e à Inspecção-Geral das Finanças quando absolveu gestores.

Este mal-estar resultou na morte do contrato com os Mello em Novembro. Havia dois caminhos: ou se abria um novo concurso, incluindo o velho Amadora-Sintra (que está a rebentar pelas costuras) e um novo Hospital de Sintra; ou o Estado tomava posse da gestão. O ministro Correia de Campos chegou a anunciar a primeira solução. A ministra Ana Jorge preferiu a segunda.
 
Vários argumentos foram invocados. A confiança dos cidadãos. A “controvérsia nunca resolvida” entre público e privado. O facto de os custos de controlo da gestão serem superiores aos ganhos de eficiência. Mas estes são meros argumentos para a posição ideológica que lança um anátema sobre a gestão privada.

Amadora-Sintra é um caso único de gestão hospitalar privada numa infra-estrutura pública. As quatro “parcerias” previstas (Braga, Cascais, Loures e Vila Franca) são construção privada e gestão clínica pública, imitando os modelos públicos espanhol e inglês.

Primeiro, uma questão de justiça: Sócrates mudou de intenção quando mudou de ministro, mas não mudou de opinião. O Programa de Governo publicado há três anos não tem contradições: lá se lê a intenção de “rever o modelo das parcerias público-privadas”, num Serviço Nacional de Saúde que se tornou “presa fácil de interesses particulares”. A desconfiança de hoje é a mesma de então o que mostra o enorme cinismo de chamar “parcerias” a estes contratos. Parceiros não falam assim uns dos outros. Sobretudo quando continuam a assinar contratos entre si: os Mello em que o Governo não confia em Sintra e com quem contende enfaticamente entre exércitos de advogados são os mesmos Mello a quem aperta a mão em Braga.

Mas se a relação entre Grupo Mello e Governo não é boa, há outra pergunta a fazer: a contradição entre criticar os desviantes economicismos das empresas privadas e os critérios também economicistas definidos para os hospitais empresarializados. Os hospitais EPE são uma espécie de “gestão pública com critérios privados”. Parece um híbrido mas tem uma enorme virtualidade para o Governo: não negoceiam. Não se eternizam em revisões de contratos de gestão, contratação de serviços, definições de acto médico a acto médico; não exigem renegociar o que quer que seja para adoptar uma inovação clínica. Mas, adivinhem, quais são os critérios dos EPE? Económicos. Poupança de custos. Racionalização da oferta. O mesmo pecado.

No final, tudo seria mais fácil entre Estado e privados se houvesse um regulador na Saúde. Mas espere: há um regulador! A Entidade Reguladora para a Saúde existe! Pena que não saibamos bem o que anda a fazer...

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