Depois da blague da entrega do Orçamento aos pedaços, é tempo de começar a entender como consegue o Governo tantas conjugações impossíveis.
A carga fiscal diminui, há impostos com menor cobrança, os aumentos salariais são expressivos e a despesa aumenta, mas o défice permanece nos 2,2%. Como? A economia cresce 0,6%, à custa do consumo e do investimento. Como? Crescendo tão pouco, o desemprego mantém-se e o emprego cresce. Como? O investimento do Estado aumenta dois dígitos. Como? E Portugal converge com a Zona Euro, o que não acontece há uma década. Como?
Esta é a primeira interrogação: o Governo não só estima maior crescimento para Portugal que o FMI, como assume uma maior queda da produção da Europa. É optimista para dentro e pessimista para fora, o que favorece uma leitura de convergência com a Europa. Mas o voluntarismo vem também de assumir que a economia será puxada pela procura interna, a partir do maior investimento público desta legislatura.
O défice orçamental mantém-se nos 2,2% mas o défice do Estado agrava-se, o que acontece pela primeira vez com este Governo. Não se trata de um asterisco, mas de um parêntesis naquilo que estava a ser a consolidação orçamental. Sim, este é o mais generoso Orçamento deste Governo, mas é também o mais arriscado e o que menos consolidação orçamental faz.
E eis que chegamos a um número verdadeiramente surpreendente: a Segurança Social atinge o maior excedente da história, dá um "lucro" de 1,5 mil milhões de euros, o equivalente a 0,9% do PIB. Mais uma vez, é o Ministério da Segurança Social que vai salvar o défice.
Vieira da Silva já garantiu o primeiro lugar no pódio dos ministros mais reformistas deste Governo. A sua reforma da Segurança Social é revolucionária e, apesar de significar pensões menores ou mais anos a descontar para a Previdência, passou sem um cataclismo social. O resultado, disse-se, seria em benefício das gerações do futuro. Pois o futuro já chegou: eis os benefícios orçamentais da reforma da Segurança Social.
Quem vai pagar toda esta generosidade orçamental serão os novos pensionistas e os velhos desempregados. Os primeiros porque passam a receber pensões menores. Os segundos porque o agravamento das condições de acesso e a limitação das cobertura do desemprego de longa duração estão a significar menos subsídios pagos pelo Estado. E há congelamento das pensões elevadas. Só assim se compreende que, num ano de travagem económica, condição em que as despesas sociais sempre aumentam, a Segurança Social receba tão mais dinheiro do que o que gasta.
Ontem, quando só se conhecia metade do Orçamento, aqui se elogiou o intervencionismo do Governo para amparar os golpes que a economia afligirá às famílias e às empresas. O elogio mantém-se. Mas fica o aviso: a consolidação orçamental não pode ter sido abandonada. Este ano, o Estado não vai poupar consigo mesmo, o que é um retrocesso. E só o consegue porque, na Segurança Social, conseguiu poupar com os outros.