Opinião
02 de Outubro de 2008 às 13:00
Acerto europeu
A discussão sobre as virtudes e os defeitos do capitalismo reacendeu-se a pretexto da crise financeira actual. Com fervor religioso, adeptos e adversários trocam argumentos. Enquanto o navio mete água, escuta-se a música ideológica que cada um toca para seu lado. Sob as barbas de Karl Marx, anuncia-se o dia do juízo final para a economia de mercado. Junto ao altar de Adam Smith, escutam-se os alertas sobre o regresso das ilusões do socialismo.
O resultado não é apenas uma composição falha de harmonia e rica na arte de desafinar. É, sobretudo, um desperdício de tempo. Com a falência do Lehman Brothers, há pouco mais de duas semanas, caiu o véu que ainda tentava encobrir o vírus dos riscos mal calculados nos balanços das instituições financeiras. Se a situação é diagnosticada como a mais grave desde a derrocada de 1929, parece evidente que o importante está em decidir quais os remédios mais eficazes, em vez de concentrar a atenção na cor da bata dos médicos.
As soluções que têm sido anunciadas e aplicadas com o objectivo de evitar males maiores revelam naturezas e consequências diferentes. No campeonato do pragmatismo em que se avaliam os custos e benefícios de cada solução possível, as medidas previstas no "plano Paulson" perdem em toda a linha face à sabedoria com que os governos europeus têm abordado os buracos que lhes têm surgido pelo caminho.
Na Europa, a opção pelas nacionalizações de bancos revela mais acerto do que a mera aquisição dos activos que sofrem de elevado nível de toxicidade. Noutras circunstâncias, seriam uma "bomba atómica", capaz de causar pele de galinha a quem acredita na economia de mercado e na liberdade individual como os piores pilares para o crescimento e a prosperidade, exceptuando todos os outros, já tentados e fracassados. No cenário actual, são um antídoto discutível mas menos penalizador para quem vai ser chamado a pagar a crise no curto prazo.
Quando a propriedade das entidades intervencionadas é transferida para o sector público, os contribuintes estão a ser chamados a suportar os custos imediatos das aflições disseminadas nos mercados por quem inventou o Frankenstein financeiro, sem imaginar que havia de lhe perder o controlo. É o preço razoável que têm que pagar hoje para, enquanto depositantes e investidores, poderem beneficiar do sopro de segurança e estabilidade capaz de evitar males maiores sob a pressão do pânico.
O assumir do controlo de instituições financeiras do Velho Continente e os recentes apelos à confiança no sistema financeiro protagonizados pelos líderes europeus, incluindo José Sócrates, revelam que a União Europeia traçou as prioridades correctas. Os contribuintes ficam na posse dos activos de boa e má qualidade. Se os piores episódios desta crise não aguçarem a tentação para prolongar o intervencionismo, mais tarde podem gerar retornos para os cofres públicos através do seu regresso a mãos privadas.
Utilizar o dinheiro público para absorver apenas o lixo financeiro seria a pior das estratégias. E um prémio imerecido para quem, focado na rendibilidade a qualquer preço, se esqueceu que não é boa política investir naquilo que não se entende.
P.S. - Através da aquisição de participações na Águas de Portugal e na REN, o Governo injectou mais capitais na Caixa Geral de Depósitos. Ao contrário daquilo que é exigível em nome da transparência nas transacções que envolvem entidades públicas, ainda para mais na conjuntura actual, o Ministério das Finanças não explicou porquê, nem para quê. Não basta ao Governo pedir calma e garantir que o dinheiro dos depositantes está garantido, se no dia seguinte esconde na gaveta os motivos que o levaram a fazer a terceira injecção de recursos na Caixa em menos de um ano.
As soluções que têm sido anunciadas e aplicadas com o objectivo de evitar males maiores revelam naturezas e consequências diferentes. No campeonato do pragmatismo em que se avaliam os custos e benefícios de cada solução possível, as medidas previstas no "plano Paulson" perdem em toda a linha face à sabedoria com que os governos europeus têm abordado os buracos que lhes têm surgido pelo caminho.
Quando a propriedade das entidades intervencionadas é transferida para o sector público, os contribuintes estão a ser chamados a suportar os custos imediatos das aflições disseminadas nos mercados por quem inventou o Frankenstein financeiro, sem imaginar que havia de lhe perder o controlo. É o preço razoável que têm que pagar hoje para, enquanto depositantes e investidores, poderem beneficiar do sopro de segurança e estabilidade capaz de evitar males maiores sob a pressão do pânico.
O assumir do controlo de instituições financeiras do Velho Continente e os recentes apelos à confiança no sistema financeiro protagonizados pelos líderes europeus, incluindo José Sócrates, revelam que a União Europeia traçou as prioridades correctas. Os contribuintes ficam na posse dos activos de boa e má qualidade. Se os piores episódios desta crise não aguçarem a tentação para prolongar o intervencionismo, mais tarde podem gerar retornos para os cofres públicos através do seu regresso a mãos privadas.
Utilizar o dinheiro público para absorver apenas o lixo financeiro seria a pior das estratégias. E um prémio imerecido para quem, focado na rendibilidade a qualquer preço, se esqueceu que não é boa política investir naquilo que não se entende.
P.S. - Através da aquisição de participações na Águas de Portugal e na REN, o Governo injectou mais capitais na Caixa Geral de Depósitos. Ao contrário daquilo que é exigível em nome da transparência nas transacções que envolvem entidades públicas, ainda para mais na conjuntura actual, o Ministério das Finanças não explicou porquê, nem para quê. Não basta ao Governo pedir calma e garantir que o dinheiro dos depositantes está garantido, se no dia seguinte esconde na gaveta os motivos que o levaram a fazer a terceira injecção de recursos na Caixa em menos de um ano.
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