Opinião
A sustentável leveza da Senhora Merkel
Espanha começou ontem a dizer aos mercados que não é Portugal.
É o que há seis meses dizemos da Grécia. Habitue-se à ideia: estamos hoje mais próximos de precisar do FMI do que de evitá-lo. Ricardo Salgado admitiu-o ontem pela primeira vez: "Já esteve mais longe." Muito mais longe.
Portugal é hoje a terceira peça do dominó que começou a tombar na Grécia. É o dominó GIPSI (foneticamente semelhante a "gipsy", ou cigano), acrónimo que estabelece a ordem da queda: primeiro a Grécia, depois a Irlanda, Portugal, Espanha ("Spain") e em último a Itália. Eis-nos emparedados entre o provável pedido de ajuda da Irlanda e o impossível SOS da Espanha.
Espanha é um país "too big too fail", grande de mais para cair sem levar a moeda única atrás. Esse pode ser, curiosamente, o nosso amuleto: servirmos como escudo de protecção à Espanha.
Passámos a depender dos outros. A intervenção externa em Portugal resulta hoje de um jogo de palavras e expectativas: a Alemanha e a França fecharam as escotilhas, deixando os outros países de fora do seu compartimento estanque.
A medida que a Alemanha prenuncia fará até sentido: que, depois de 2013, os credores passem também a perder quando os países colapsam. Mas dizê-lo nesta fase é como trocar a corda bamba em que caminhamos e a rede que está sob ela por uma lâmina afiada sobre uma piscina de álcool etílico. É revoltante, pois pensávamos que o euro era uma zona desmilitarizada. É incongruente, pois a mesma senhora Merkel já veio pedir que lhe dêem o desconto, assumindo que as suas frases têm intenções de popularidade doméstica. Mas é também irrelevante. Porque a Alemanha pode o que Portugal não pode. Ao contrário do ser do livro de Kundera, a leveza da senhora Merkel é bastante sustentável. A nossa economia é que não.
Em Portugal, começa a parecer que os partidos não estão sequer empenhados em evitar o FMI. Depois de demorarem meses a acordar e semanas a aprovar um Orçamento, continuam basbaques. O PS e o PSD anunciam agora que vão retomar as negociações na segunda-feira. Mas andaram a fazer o quê nas últimas duas semanas?! A descansar de uma semaninha mal dormida para o acordo entre Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga?
As ínfimas hipóteses de que dispomos exigem uma execução orçamental milimétrica, sem concessões e controlada ao minuto. Mas os partidos continuam empenhados em sair vencedores de uma crise política. Depois do inaceitável estado de negação do Governo durante meses, veio uma inaceitável derrapagem no PEC 2, a que seguiu um inaceitável calculismo em torno do Orçamento. Mas, nas últimas semanas, o PSD juntou-se ao PS neste pânico paralisante de testar em tempo real o impacto das suas acções e inacções. Portam-se como os alcoólicos anónimos, vivendo um dia de cada vez. Só que ao contrário: não em recuperação, mas em condenação. Cada dia a mais sem fazer nada é um dia a menos para evitar o degredo.
O Orçamento para 2011 poderia ser suficiente se não tivéssemos deitado a credibilidade pela retrete com o PEC 2. Fixados no estado crítico, ficámos vulneráveis às perfídias de Merkel e Sarkozy.
Mesmo com o FMI, todas as medidas têm de ser aprovadas pelo Parlamento, que passará a ser - como na Grécia - um tabelião que carimba as ordens dos "homens de fato preto e óculos escuros". Mas nem para isso há acordo político. Os nossos estadistas de há trinta anos eram tão falidos como os de hoje mas eram de outra cepa. Esta geração ignorante dos ex-jotas não merece o poder que lhe foi delegado. E por isso o perderá.
psg@negocios.pt
Portugal é hoje a terceira peça do dominó que começou a tombar na Grécia. É o dominó GIPSI (foneticamente semelhante a "gipsy", ou cigano), acrónimo que estabelece a ordem da queda: primeiro a Grécia, depois a Irlanda, Portugal, Espanha ("Spain") e em último a Itália. Eis-nos emparedados entre o provável pedido de ajuda da Irlanda e o impossível SOS da Espanha.
Passámos a depender dos outros. A intervenção externa em Portugal resulta hoje de um jogo de palavras e expectativas: a Alemanha e a França fecharam as escotilhas, deixando os outros países de fora do seu compartimento estanque.
A medida que a Alemanha prenuncia fará até sentido: que, depois de 2013, os credores passem também a perder quando os países colapsam. Mas dizê-lo nesta fase é como trocar a corda bamba em que caminhamos e a rede que está sob ela por uma lâmina afiada sobre uma piscina de álcool etílico. É revoltante, pois pensávamos que o euro era uma zona desmilitarizada. É incongruente, pois a mesma senhora Merkel já veio pedir que lhe dêem o desconto, assumindo que as suas frases têm intenções de popularidade doméstica. Mas é também irrelevante. Porque a Alemanha pode o que Portugal não pode. Ao contrário do ser do livro de Kundera, a leveza da senhora Merkel é bastante sustentável. A nossa economia é que não.
Em Portugal, começa a parecer que os partidos não estão sequer empenhados em evitar o FMI. Depois de demorarem meses a acordar e semanas a aprovar um Orçamento, continuam basbaques. O PS e o PSD anunciam agora que vão retomar as negociações na segunda-feira. Mas andaram a fazer o quê nas últimas duas semanas?! A descansar de uma semaninha mal dormida para o acordo entre Teixeira dos Santos e Eduardo Catroga?
As ínfimas hipóteses de que dispomos exigem uma execução orçamental milimétrica, sem concessões e controlada ao minuto. Mas os partidos continuam empenhados em sair vencedores de uma crise política. Depois do inaceitável estado de negação do Governo durante meses, veio uma inaceitável derrapagem no PEC 2, a que seguiu um inaceitável calculismo em torno do Orçamento. Mas, nas últimas semanas, o PSD juntou-se ao PS neste pânico paralisante de testar em tempo real o impacto das suas acções e inacções. Portam-se como os alcoólicos anónimos, vivendo um dia de cada vez. Só que ao contrário: não em recuperação, mas em condenação. Cada dia a mais sem fazer nada é um dia a menos para evitar o degredo.
O Orçamento para 2011 poderia ser suficiente se não tivéssemos deitado a credibilidade pela retrete com o PEC 2. Fixados no estado crítico, ficámos vulneráveis às perfídias de Merkel e Sarkozy.
Mesmo com o FMI, todas as medidas têm de ser aprovadas pelo Parlamento, que passará a ser - como na Grécia - um tabelião que carimba as ordens dos "homens de fato preto e óculos escuros". Mas nem para isso há acordo político. Os nossos estadistas de há trinta anos eram tão falidos como os de hoje mas eram de outra cepa. Esta geração ignorante dos ex-jotas não merece o poder que lhe foi delegado. E por isso o perderá.
psg@negocios.pt
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