Opinião
A bonança veio antes da tempestade
Para um ano mau, o Governo preparou um Orçamento bom. Mas um Orçamento bom não faz necessariamente um bom Orçamento. Ou faz?
É preciso voltar ao século passado para encontrar um Orçamento tão expansionista como este. Que distribua tantas benesses. Que seja tão favorável para tantos segmentos da sociedade portuguesa. Para demonstrar a latitude dessa generosidade, não é preciso listar os beneficiados. Basta apontar os prejudicados: ninguém. Não há um novo imposto sobre bancos, uma nova classe de IRS para ricos, aumentos salariais reduzidos, classes profissionais que percam privilégios.
As empresas que têm lucros vão pagar menos IRC; os empresários e trabalhadores que têm dívidas à Segurança Social vão puder pagá-las em suaves prestações. As famílias têm um leque de deduções que lhes permite pagar menos IRS, seja com compras de computadores, de automóveis eléctricos ou com o crédito à habitação. Os proprietários de imóveis pagarão menos imposto municipal e se estiverem com dificuldades em comprar uma casa depois de vender outra, têm mais tempo de isenção de mais-valias. Os deficientes não perdem, afinal, o regime de privilégio fiscal. Mais dinheiro para creches de crianças e para lares de idosos. E os funcionários públicos recebem a mais eleitoralista das decisões: um aumento acima da inflação. É o maior aumento real desde 2000 e o primeiro ano em oito em que não perdem poder de compra. É, aliás, uma pressão inesperada sobre o sector privado, que prepara orçamentos de restrição e cortes de custos para 2009.
Há uma primeira leitura óbvia: o Governo só pôde fazer um Orçamento tão generoso por causa da crise financeira. De outro modo estaria a ser cilindrado pela Oposição, que foi previamente calada pelo apelo do Presidente da República aos apoios às famílias e às empresas. Ei-los. É por isso que este Orçamento é conveniente, porque ataca a crise e prepara eleições, porque é simpático para contribuintes e para eleitores. Análise política feita, assunto arrumado, passemos à frente.
Vamos à economia. Há aqui governação. A política fiscal, que no ano passado havia ficado suspensa, volta a ser uma arma de combate para animar a economia. Uma economia que trava às quatro rodas (0,6% de previsão é optimista) mas que não pode ficar refém dos parceiros europeus para voltar a exportar. No próximo ano não poderemos contar com eles, só com nós próprios e com os ganhos de quota de mercado que conseguirmos nas geografias que, apesar de tudo, ainda crescem. O Brasil, Angola, o leste europeu. Por cá, estamos tolhidos de endividamento, resta-nos o investimento. Seria errado cancelá-lo.
O caos financeiro das últimas semanas criou a tolerância mas também a necessidade para medidas tão abrangentes. Mas é agora, pacificado o caos, que entramos na verdadeira crise, a económica. E o Governo responde por antecipação. A crise virá e vai apanhar-nos melhor municiados, o que só foi possível porque os portugueses conseguiram de facto fazer uma consolidação orçamental nos últimos anos. Se assim não tivesse sido, estaríamos fritos.
Nos próximos dias, faremos a análise detalhada às medidas, suas repercussões e impactos. Mas vale a pena realçar já o seguinte: há muitas medidas que são simpáticas sem que tenham grandes custos orçamentais. Os aumentos para a função pública são a face mais eleitoralista da proposta. Mas a medida de maior alcance potencial é a criação dos Fundos de Investimento Imobiliário de Arrendamento Habitacional, verdadeiros coelhos tirados da cartola que permitem aos proprietários aflitos vender as suas casas e ficar a pagar rendas menores por continuar a ocupá-las.
Estes fundos são benéficos para as famílias aflitas, porque baixam as mensalidades; ajudam os bancos, porque lhes compram o crédito malparado (retiram activos tóxicos do balanço...); e são boas oportunidades de investimento para os seus detentores. Parece bom de mais para ser verdade, o que recomenda uma análise aprofundada. Mas é preciso garantir que os investidores dos fundos não estejam se não a ser oportunistas, explorando os aflitos que lhes vendem as casas baratas como quem deixa anéis numa casa de penhores. E que os contribuintes não estejam a pagar novas ganâncias. Os fundos são uma espécie de paraísos fiscais: não se paga IRS na mais-valia, nem IMT na compra, nem IMI na posse, nem imposto de selo nos actos, nem comissões de supervisão e as rendas ainda podem ser dedutíveis no IRS. Os advogados vão ficar radiantes.
Este Orçamento não é apenas activo - é activista. Age antes da crise. Traz a bonança antes da tempestade. Agora arregacemos as mangas: o Orçamento não nos salvou de nada, só nos alertou melhor para o que aí vem.
As empresas que têm lucros vão pagar menos IRC; os empresários e trabalhadores que têm dívidas à Segurança Social vão puder pagá-las em suaves prestações. As famílias têm um leque de deduções que lhes permite pagar menos IRS, seja com compras de computadores, de automóveis eléctricos ou com o crédito à habitação. Os proprietários de imóveis pagarão menos imposto municipal e se estiverem com dificuldades em comprar uma casa depois de vender outra, têm mais tempo de isenção de mais-valias. Os deficientes não perdem, afinal, o regime de privilégio fiscal. Mais dinheiro para creches de crianças e para lares de idosos. E os funcionários públicos recebem a mais eleitoralista das decisões: um aumento acima da inflação. É o maior aumento real desde 2000 e o primeiro ano em oito em que não perdem poder de compra. É, aliás, uma pressão inesperada sobre o sector privado, que prepara orçamentos de restrição e cortes de custos para 2009.
Vamos à economia. Há aqui governação. A política fiscal, que no ano passado havia ficado suspensa, volta a ser uma arma de combate para animar a economia. Uma economia que trava às quatro rodas (0,6% de previsão é optimista) mas que não pode ficar refém dos parceiros europeus para voltar a exportar. No próximo ano não poderemos contar com eles, só com nós próprios e com os ganhos de quota de mercado que conseguirmos nas geografias que, apesar de tudo, ainda crescem. O Brasil, Angola, o leste europeu. Por cá, estamos tolhidos de endividamento, resta-nos o investimento. Seria errado cancelá-lo.
O caos financeiro das últimas semanas criou a tolerância mas também a necessidade para medidas tão abrangentes. Mas é agora, pacificado o caos, que entramos na verdadeira crise, a económica. E o Governo responde por antecipação. A crise virá e vai apanhar-nos melhor municiados, o que só foi possível porque os portugueses conseguiram de facto fazer uma consolidação orçamental nos últimos anos. Se assim não tivesse sido, estaríamos fritos.
Nos próximos dias, faremos a análise detalhada às medidas, suas repercussões e impactos. Mas vale a pena realçar já o seguinte: há muitas medidas que são simpáticas sem que tenham grandes custos orçamentais. Os aumentos para a função pública são a face mais eleitoralista da proposta. Mas a medida de maior alcance potencial é a criação dos Fundos de Investimento Imobiliário de Arrendamento Habitacional, verdadeiros coelhos tirados da cartola que permitem aos proprietários aflitos vender as suas casas e ficar a pagar rendas menores por continuar a ocupá-las.
Estes fundos são benéficos para as famílias aflitas, porque baixam as mensalidades; ajudam os bancos, porque lhes compram o crédito malparado (retiram activos tóxicos do balanço...); e são boas oportunidades de investimento para os seus detentores. Parece bom de mais para ser verdade, o que recomenda uma análise aprofundada. Mas é preciso garantir que os investidores dos fundos não estejam se não a ser oportunistas, explorando os aflitos que lhes vendem as casas baratas como quem deixa anéis numa casa de penhores. E que os contribuintes não estejam a pagar novas ganâncias. Os fundos são uma espécie de paraísos fiscais: não se paga IRS na mais-valia, nem IMT na compra, nem IMI na posse, nem imposto de selo nos actos, nem comissões de supervisão e as rendas ainda podem ser dedutíveis no IRS. Os advogados vão ficar radiantes.
Este Orçamento não é apenas activo - é activista. Age antes da crise. Traz a bonança antes da tempestade. Agora arregacemos as mangas: o Orçamento não nos salvou de nada, só nos alertou melhor para o que aí vem.
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