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A Argentina não era uma piada

O cenário de Portugal sair do euro é demasiado mau para vir a tornar-se realidade. A questão é que os dois últimos anos estão cheios de hipóteses tidas como obra de mentes delirantes, mas que acabaram por verificar-se.

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O cenário de Portugal sair do euro é demasiado mau para vir a tornar-se realidade. A questão é que os dois últimos anos estão cheios de hipóteses tidas como obra de mentes delirantes, mas que acabaram por verificar-se.

O fim da moeda única, que seria a concretização da mais tenebrosa das possibilidades, nunca foi tão falado, discutido e comentado como nas semanas que antecederam a Cimeira que amanhã arranca e que tanto poderá ser a da salvação como a do enterro. Neste caso, entre mortos e feridos, aquilo que sobrar será muito pouco para que os líderes europeus se disponham a correr o risco.

Como é que se chegou aqui? O euro, baseado no optimismo irrealista dos amanhãs que cantam, foi um edifício construído com defeitos. Havia sanções para os incumpridores das regras de disciplina financeira, mas revelaram-se inconsequentes. Acreditou-se que a união monetária funcionaria como um poderoso incentivo para realizar as reformas estruturais que ajudariam as economias mais fracas a tornarem-se mais fortes, mas o resultado foi o inverso. Pior: as provas de que o projecto estava a falhar em toda a linha foram subestimadas.

Pelo final de 2009, a Grécia foi tomada como o caso isolado de um país que tinha enganado as autoridades para conseguir entrar no euro. E que tinha insistido na táctica da ocultação da verdade sobre a sua situação financeira para se manter no clube. Entre manifestações de incómodo e sobrolhos franzidos, com dissimulação ou sem ela, a Grécia foi apenas a primeira peça a soçobrar, antes de Irlanda e Portugal seguirem as pisadas. Sucederam-se as oportunidades para economias de maior dimensão, como Itália, Espanha, França e Alemanha, sentirem o aroma da crise, através de ameaças de descida do "rating" ou de dificuldades na captação de financiamentos.

A corrida para o abismo não parou, mas as lideranças europeias decidiram optar pela táctica do ensaio-e-erro. A Cimeira em que Angela Merkel e Nicolas Sarkozy prometem apresentar o seu mais recente plano para acabar de vez com todos as dúvidas e hesitações dos credores, é a quinta em que os líderes europeus prometem apresentar o seu mais recente plano para acabar de vez com todos as dúvidas e hesitações dos credores, desde a decisão de resgatar a Grécia do naufrágio, em Maio de 2010. Se as regras do euro foram inoperantes para evitar desastres, a estratégia escolhida para as corrigir não tem sido melhor.

É fácil criticar a chanceler alemã por causa da sua persistente recusa em ceder no ponto sensível de transformar o Banco Central Europeu num financiador de último recurso e causticar, em simultâneo, a perda de soberania que é exigida para tentar recolocar a Zona Euro nos eixos. Se os países que se afundaram em dívidas querem, desesperadamente, encontrar quem lhes garanta o pagamento das facturas, é normal que quem tem de largar o dinheiro pretenda contrapartidas. Se o euro tiver salvação, as palavras-chave do seu futuro resumem-se a ter mais cautela. E isto terá ser válido para quem empresta e para quem contrai dívidas.

Nesta encruzilhada, Portugal tem que provar que é capaz de fazer a sua parte e de mostrar que o caminho que trilhou desde a adesão à moeda única é uma experiência para não repetir. Durante demasiado tempo, os crentes nos poderes milagrosos do euro riram-se de cada vez que escutaram o alerta de que o país estava a cavar um fosso semelhante àquele em que a Argentina se afundou no arranque do século. Agora, a perspectiva de uma saída do euro, com fronteiras encerradas, bancos nacionalizados, contas congeladas, capitais impedidos de entrar ou de sair do país e uma depressão económica difícil de imaginar no pior dos pesadelos, deve ser prova bastante daquilo que o euro foi até hoje. Apenas disfarçou as doenças graves de um paciente que nada fez para cuidar da sua saúde.

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