Opinião
A tragédia da perversidade
A informação "só desperta para o problema no meio da tragédia e esquece-se habitualmente do problema na hora certa de prevenir que a tragédia possa vir a ocorrer". A frase, proferida pelo primeiro-ministro António Costa no Parlamento, na passada quinta-feira, quando se debatia questão dos incêndios, foi entendida como uma crítica à comunicação social e, claro está, desencadeou reacções em cadeia.
Primeiro facto. Ninguém está imune a críticas e a comunicação social não é excepção. É verdade que magoa, às vezes pode até ser injusta, mas é bem mais desafiante do que os elogios protocolares.
Segundo facto. De Cavaco Silva a Passos Coelho, passando por António Guterres e José Sócrates, todos os primeiros-ministros, numa ocasião determinada, lançaram farpas à comunicação social. António Costa não é excepção.
Terceiro facto. O primeiro-ministro mais não fez do que utilizar uma estratégia antiga, a de criar um inimigo externo para unir as hostes e distrair do essencial, porque os trágicos incêndios do ano passado são impagáveis e constituem ainda o calcanhar de Aquiles deste Governo.
Quarto facto. António Costa decidiu fazer a sua avaliação numa matéria que é da exclusiva responsabilidade do Estado, parecendo exigir à comunicação social o cumprimento de funções que competem a entidades públicas, directa ou indirectamente tuteladas pelo Governo.
Quinto facto. As reacções a esta avaliação, materializadas na opinião publicada, são também elas legítimas e derivam de um princípio fundamental, o direito inalienável à pluralidade da opinião. Além disso, sustentam-se numa premissa que parece irrebatível, a de que uma das missões da comunicação social é a de fiscalização dos vários poderes. Podem pedir-lhe diagnósticos mas não exijam que tenha o poder da cura, porque a competência para tal está noutras esferas, como a política ou a judicial.
Conclusão. Tristes dos políticos que se julgam acima da sociedade que, ao elegê-los, lhes atribuiu tarefas como a detecção de problemas e a tomada de medidas para evitar que os mesmos se transformem numa tragédia.
António Costa foi infeliz porque quis transferir para terceiros uma responsabilidade que é exclusiva da esfera política. "A política tem a sua fonte na perversidade e não na grandeza do espírito humano", ajuizou Voltaire. O primeiro-ministro, com o seu comportamento, validou esta tese.