Opinião
Se ao menos servisse de lição
A primeira reacção dos partidos – PS, PSD, PCP e BE – às críticas às alterações na lei de financiamento foi de corporativa soberba. Que o processo legislativo foi o normal, que não existiam alterações de grande relevo, que nada havia de retroactivo ou mais dinheiro público. Negar o óbvio é uma grave forma de arrogância. Tardou, foi preciso um veto presidencial, mas lá lhes caiu a ficha.
Marcelo Rebelo de Sousa fez o que dele se esperava: mostrou-se um guardião zeloso dos bons costumes democráticos, deu eco à consciência cívica que sobre o tema se levantou, e devolveu o texto à Assembleia exigindo que se faça o escrutínio que não existiu. Aproveitou mais esta oportunidade que lhe foi oferecida para brilhar.
Há que distinguir a parte que diz respeito às novas atribuições à Entidade das Contas, o propósito original da legislação, das questões do financiamento. Sobre estas, diz o Presidente aquilo que os partidos quiseram esconder: estamos perante "uma mudança significativa no regime em vigor", há "uma linha de abertura à subida das receitas e, portanto, das despesas dos partidos", isto "sem que seja apresentada qualquer justificação do legislador", tendo faltado "processos decisórios susceptíveis de serem controlados pelos cidadãos".
Os partidos, não todos, mudaram de estratégia e de tom. O líder parlamentar do PS veio, humildemente, reconhecer que "a verdade é que houve um défice de publicidade, de esclarecimento sobre estes assuntos" e que o partido está agora "aberto a que essa discussão se faça no Parlamento com maior nitidez, com maior clareza, com maior exposição". Nos antípodas do que foi pedido a Ana Catarina Mendes para fazer. O Bloco, que já tinha recuado, também acabou a aplaudir o veto. Ferro Rodrigues lá deu um ar da sua graça. O PCP ficou-se, empedernido.
O Presidente aponta o caminho que já se intuía. A parte da Entidade das Contas passa rapidamente no Parlamento. O resto fica a marinar, há-de ser reapreciado quando houver novo líder e comissão política do PSD, se o chegar a ser. Já sem nada para ganhar, os partidos tentaram não perder mais.
Ter um país em que os partidos estão de um lado e o Presidente da República do outro é tudo menos saudável. Criar pasto para a indignação populista também não o é. Por isso Marcelo deixa, na carta ao Parlamento, um parágrafo redentor para "tão relevantes instituições democráticas".