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Sarao e os "flash boys"

Parece improvável que alguém possa, a partir de um quarto num subúrbio de Londres, ter causado sozinho o "flash crash" que em cinco minutos eclipsou 9% ao índice e perdas de quase um bilião de dólares.

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Parece improvável que alguém possa, a partir de um quarto num subúrbio de Londres, ter causado sozinho o "flash crash" que em cinco minutos eclipsou 9% ao índice e perdas de quase um bilião de dólares. Parece, e é.


A detenção de Navinder Singh Sarao na terça-feira passada, a pedido do FBI, foi apresentada como se o responsável pela queda súbita de 1.000 pontos no Dow Jones, a 6 de Maio de 2010, tivesse finalmente sido apanhado. O inglês de 36 anos usava e abusava de uma prática conhecida no jargão como "spoofing".


Usando um programa informático dava um grande número de ordens de venda de contratos futuros, a um preço em que dificilmente aquelas seriam executadas. As ordens criavam nos outros investidores, que estão constantemente a olhar para o registo das ordens pendentes no mercado, a ideia de que os preços iam cair. O que os levava também a venderem contratos, fazendo cair efectivamente o preço. Esta era a primeira fase.


Na segunda fase, Sarao cancelava as ordens de venda, que desapareciam do sistema, deixando de existir a ilusão da pressão vendedora. O que levava os preços a subirem. O inglês comprava na baixa para vender na alta.


É obviamente uma intrujice e configura um crime de manipulação de mercado, de que Sarao é acusado pelo Ministério Público norte-americano. Segundo o processo da Commodity Futures Trading Commission (CFTC), fazia-o desde Abril de 2010, e terá continuado a fazê-lo até à semana passada, quando foi detido. Terá ganho à volta de 40 milhões de libras.


Porquê então só a 6 de Maio de 2010 o "spoofing" de Sarao provocou um terramoto, sendo que o "flash crash" ocorre já depois de este cancelar as ordens? A versão da acusação diz que os algoritmos de Sarao, que negociava futuros sobre o S&P500, desencadearam uma reacção nos algoritmos usados na negociação de alta frequência por grandes investidores institucionais, que reverberaram na cotação de algumas das maiores cotadas americanas, levando ao colapso momentâneo do Dow Jones.


O cisne negro do dia 6 de Maio não teria resultado num "flash crash" não fossem os "flash boys", popularizados no título do livro de Michael Lewis. São investidores que, através de algoritmos e da negociação de alta frequência, usam as ordens no sistema para chegar primeiro às transacções, penalizando os outros investidores. É o chamado "front-running".


Sarao deve ser julgado por manipulação de mercado. Mas dizer que foi o responsável pelo "flash crash" é fazer dele o bode expiatório para práticas que fazem dos mercados uma piscina de tubarões onde os investidores particulares são pequenas sardinhas. E, já agora, se foram precisos cinco anos e uma denúncia anónima para o apanhar, quantos Sarao não andarão por aí?

 

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