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O défice de ética

A política portuguesa tem um problema com viagens: as de secretários de Estado para ir ver o Europeu de futebol pagas por empresas; as oferecidas por tecnológicas a altos quadros do Estado que depois lhes compram serviços; e agora as pagas pelos contribuintes a deputados que já recebem um subsídio pelas mesmas.

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Os casos são obviamente diferentes – se os primeiros podem configurar um recebimento indevido de vantagem previsto no código penal, no último parece certo que não há ilegalidade. Mas há falta de bom senso, chico-espertice e desrespeito pelos contribuintes.

Extraordinário é que apenas um deputado dos sete identificados pelo Expresso entendeu de imediato que havia aqui uma falta de ética da qual deveria tirar consequências: Paulino Ascenção, do Bloco de Esquerda, renunciou ao cargo e pediu desculpa pela "prática incorrecta". Há ainda Rubina Berardo, do PSD, que não pediu o reembolso das viagens por "opção pessoal". Por um dever de consciência, acrescentamos nós. Sara Madruga, do mesmo partido, veio entretanto dizer que devolverá o dinheiro por considerar a situação "eticamente reprovável".

Aquilo que estes três deputados viram, o presidente da Assembleia da República não descortina. Ferro Rodrigues considera que os parlamentares "não infringiram nenhuma lei, nem nenhum princípio ético, nem nesta nem em qualquer outra legislatura". Leis podem não ter infringido, já os princípios éticos...

Não se questiona que os deputados recebam um valor que os compense pelos custos que possam suportar na distância entre Lisboa e os seus círculos eleitorais ou as moradas de residência habitual. Estamos com Ferro Rodrigues quando diz que "todos os portugueses devem estar em igualdade de oportunidades para exercerem o mandato de deputado à Assembleia da República, independentemente da sua residência".

Diferente é aceitar como normal que os deputados, além de receberem um subsídio semanal de 500 euros para viagens às ilhas, possam ser reembolsados pelo Estado por algo que já foi o Estado a pagar. Os residentes nas ilhas recebem um apoio social para vir ao continente, mas não recebem duas vezes.

Remeter a análise do assunto para a Comissão Eventual da Transparência e a subcomissão de ética depois de o presidente da Assembleia da República ter já dado o seu corporativo vaticínio é um exercício de retórica. É_uma procrastinação, uma esperança de que o tema venha a morrer por si.

Fazendo sentido existir uma compensação pela distância, esta é na prática uma forma de melhorar o vencimento dos deputados. Era isso que Ferro Rodrigues deveria defender: um salário capaz de atrair os melhores, em regime de exclusividade.

O resto são comportamentos e atitudes que os eleitores não entendem, que os alheiam da política e, no limite, da democracia. 
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