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07 de Março de 2013 às 21:30

Uma metáfora para Obama

Agora que começa o segundo mandato, o presidente norte-americano Barack Obama precisa de uma forma simples de expressar a sua visão e as suas políticas para a economia – uma metáfora à volta da qual possa cristalizar o apoio às suas políticas e, assim, impulsionar a eficácia política da sua administração. Mas o que faz com que uma metáfora bem-sucedida funcione?

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A campanha de 2008 de Obama usava o slogan “Mudança na qual podemos acreditar” [“Change we can believe in”]. Mas a “mudança” não é uma metáfora para um novo governo: ela não representa quaisquer políticas. “Esperança” [“Hope”] e “Sim, nós conseguimos” [“Yes, we can”] também não.

 

A campanha de Obama de 2012 utilizou o slogan de uma só palavra “Adiante” [“Forward!”]. Mais uma vez, isto não significa nada no que diz respeito a políticas nem sobre a filosofia a elas adjacentes. Todos os políticos, sejam liberais ou conservadores, querem seguir em frente, não recuar.

 

Os slogans de Obama são exemplos de “metáforas mortas”. Não fazem parte de um esquema conceptual global.

 

Pelo contrário, nos anos 30, o presidente Franklin Roosevelt fez uso de uma metáfora que ainda continua bastante viva nos dias de hoje. A ideia de um “new deal” [“novo contrato” ou “novo acordo”] foi concebida durante a primeira campanha das eleições presidenciais em 1932, embora, naquela altura, o termo ainda fosse bastante vago em relação àquilo que significava.

 

Aparentemente, Roosevelt, ou quem escrevia os seus discursos, tirou o conceito emprestado do livro “A New Deal”, de Stuart Chase, que foi publicado em 1932 e adaptado, no mesmo ano, para o artigo de capa da revista “The New Republic”. Chase descrevia o seu “new deal”, em termos gerais, como a “revisão drástica e progressiva da estrutura económica, evitando uma ruptura total com o passado”. E, apesar de as propostas políticas específicas do livro serem pouco parecidas com as acções subsequentes de Roosevelt, o título tinha um apelo intrínseco que ele deve ter reconhecido.

 

O “novo acordo” criou uma imagem de uma transacção comercial, como a compra de uma empresa ou um pacote de incentivos para empresários – qualquer coisa que as partes contratantes discutiram e acordaram. Não é algo imposto. Ao chamá-lo um “acordo”, Roosevelt tornou claro que o seu plano não era anti-empresas: soava como uma oferta para trabalhar, para participar, para aproveitar a oportunidade. E, dado que os acordos podem ser bons ou maus, justos ou exploradores, a palavra “novo” dava uma profundidade metafórica, sugerindo que o acordo específico de Roosevelt era melhor, mais justo e mais atractivo.

 

A metáfora, esmagadoramente apoiada pelos eleitores, significava que o mandato de Roosevelt deveria ser para consertar a doente economia através de linhas inovadoras mas, ainda assim, predominantemente capitalistas. Algumas das inovações da sua administração, como a criação da reguladora Securities and Exchange Commision, eram entendidas como anti-empresas a determinada altura, mas há muito que foram aceites como uma bênção para a concorrência e para o dinamismo, ao impedirem comportamentos injustos ou a favor da manipulação.

 

Acontece que as metáforas não são apenas palavras. A neurociência moderna revelou que as metáforas são intrínsecas à criatividade, através do seu uso activam-se diversas regiões do cérebro associadas com os seus sentidos múltiplos. As boas metáforas são aquelas que desencadeiam as conexões intuitivas correctas nos nossos cérebros. Por exemplo, muito do progresso feito no entendimento do som e da luz aconteceu quando os cientistas os imaginaram como ondas do mar.

 

A formulação de uma boa metáfora para o segundo mandato de Obama é uma tarefa para um pensamento criativo intuitivo que implique repensar o que ele vai propor no seu segundo mandato. Uma boa metáfora poderá incorporar a ideia de uma “economia inclusiva”. A palavra “inclusiva” ressoa fortemente: os americanos não quererem mais governo per se; eles querem que o governo envolva mais pessoas na economia de mercado. As sondagens de opinião mostram que, acima de tudo, aquilo que os americanos querem é empregos – o começo da inclusão.

 

O paralelo ao livro de Chase nos dias de hoje é o “bestseller” de 2012 “Porque falham as nações” [“Why Nations Fail”, no original], do economista Daron Acemoglu e do cientista político James Robinson. Acemoglu e Robinson defendem que, na ampla extensão da história, as ordens políticas que incluíam todas as pessoas no processo económico são aquelas que têm mais probabilidade de virem a ser bem-sucedidas no longo prazo.


O nosso tempo parece estar preparado para esta ideia e adequa-se ao triunfo da inclusão simbolizada pelo próprio Obama. Mas é necessário um outro passo na construção da metáfora para sintetizar a ideia da inclusão económica.

 

Os maiores sucessos do primeiro mandato de Obama diziam respeito à inclusão económica. O “Obamacare”, legislação da área de saúde, disponibiliza o acesso a uma maior porção da população aos cuidados de saúde – e coloca mais pessoas sob seguros de saúde privados – como nunca antes nos Estados Unidos. As reformas financeiras Dodd-Frank criaram o Consumer Financial Protection Bureau (“gabinete de protecção do consumidor de produtos financeiros”), para que os produtos financeiros emitidos por entidades privadas sirvam melhor o público, e desencadearam incentivos para que os derivados fossem transaccionados nos mercados públicos. Além disso, Obama assinou a legislação JOBS, proposta pelos rivais republicanos, cujo objectivo é criar sites de Internet de financiamento colectivo (“crowdfunding”) que permitam que pequenos investidores participem em empresas em início de vida.

 

Ainda não alcançámos o auge da inclusão económica. Há centenas de outras possibilidades incluindo uma melhor educação e aconselhamento financeiro aos investidores, hipotecas mais flexíveis, melhores tipos de securitização, mais seguros para uma gama mais ampla dos riscos de vida e uma melhor gestão dos riscos da carreira. Um muito maior progresso feito para que os mercados de derivados e futuros estejam disponibilizados para um público mais abrangente iria ajudar. Da mesma forma, também seriam úteis políticas que estimulem o mundo emergente para participar mais na economia dos Estados Unidos. (Na realidade, a metáfora da inclusão é, na sua essência, global em espírito; se Obama tivesse utilizado no passado, as suas políticas económicas poderiam ter sido menos proteccionistas).

 

A metáfora correcta iria utilizar algumas destas ideias, ou outras deste género, em direcção a uma visão do futuro da América que, tal como o “New Deal”, iria ganhar coerência à medida que seria transformada em realidade. A 29 de Janeiro, Obama vai dar o primeiro discurso do Estado da União do seu novo mandato. [NT1] Deve estar a pensar sobre como irá expressar – vivida e convincentemente – os princípios que têm conduzido as suas escolhas até aqui e que definiram o percurso para o futuro da América.

 

Robert J. Shiller é professor de Economia da Universidade de Yale.

 

[NT1: O texto foi escrito antes de 29 de Janeiro mas é publicado na sequência do aniversário do 80º ano do New Deal, celebrado esta semana]

 

Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

Tradução: Diogo Cavaleiro

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