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21 de Outubro de 2015 às 20:00

Fraude, tolos e os mercados financeiros

Adam Smith escreveu sobre a famosa "mão invisível", pela qual a perseguição dos interesses próprios de cada um em mercados livres e competitivos conduz ao avanço da sociedade como um todo.

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E Smith estava certo: os mercados livres geraram uma prosperidade sem precedentes para os indivíduos e para as sociedades. Mas, dado que podemos ser manipulados, enganados e até mesmo passivamente tentados, os mercados livres também nos persuadem a comprar coisas que não são boas para nós nem para a sociedade.

 

Esta observação representa um codicilo importante para a visão de Smith, que George Akerlof e eu exploramos no nosso novo livro, Phishing for Phools: The Economics of Manipulation and Deception.

 

A maioria das pessoas tem sido vítima de "phishing": e-mails e telefonemas indesejados com o objectivo de nos enganar. O chamado "phool" (termo próximo de "fool" que significa tolo ou tonto) é aquele que não compreende totalmente a omnipresença do "phishing". Um "phool" vê exemplos isolados de "phishing", mas não compreende o grau de profissionalismo envolvido nesta actividade, nem o quão profundamente este profissionalismo afecta a vida de todos nós. Infelizmente, muitos têm sido "phools" - incluindo Akerlof e eu, e foi por isso que escrevemos este livro.

 

O "phishing" rotineiro pode afectar qualquer mercado, mas as nossas observações mais importantes dizem respeito aos mercados financeiros – já era hora de estudar este tema, dado o grande ‘boom’ nos mercados imobiliário e accionista desde 2009, e a turbulência nos mercados globais de activos desde Agosto.

 

Como muitos optimistas aprenderam à sua custa, os preços dos activos são altamente voláteis, e há todo um oceano de "phishes" envolvido. Os devedores são atraídos por empréstimos inadequados; as empresas são despojadas dos seus activos hipotecas inadequados; as empresas estão despojados de seus bens; os contabilistas enganam os investidores; os consultores financeiros disseminam narrativas sobre riquezas inexistentes e os meios de comunicação promovem reivindicações extravagantes.

 

Mas, nas crises, os perdedores não são apenas aqueles que foram enganados. Uma cadeia de perdas adicionais ocorre quando os activos inflacionados foram comprados com dinheiro emprestado. Nesse caso, as falências e o medo de falência geram uma epidemia de novas falências, reforçando o medo. Em seguida, o crédito esgota-se e a economia entra em colapso. Este círculo vicioso que afecta negativamente a confiança empresarial envolve, tipicamente, "phishes" - por exemplo, as vítimas do esquema Ponzi de Bernard Madoff – descobertos apenas depois de o período de exuberância irracional ter terminado.

 

As epidemias, em economia, tal como na medicina, exigem uma resposta drástica e imediata. A resposta das autoridades ao Grande Crash de 1929 foi pequena e lenta, e a economia mundial entrou numa "Idade das Trevas", que se prolongou durante a Grande Depressão da década de 1930 e a Segunda Guerra Mundial. A crise financeira de 2007-2009 pressagiava um resultado semelhante, mas desta vez os governos de todo o mundo e os bancos centrais intervieram prontamente, de forma coordenada, e com um volume suficientemente elevado de estímulos. A recuperação tem sido fraca; mas estamos longe de uma nova Idade das Trevas.

 

Devemos estar gratos por isso. No entanto, alguns argumentam agora que as autoridades fiscais e monetárias não deveriam ter respondido tão fortemente ou de forma tão rápida quando a crise eclodiu em 2007-2009. Eles acreditam que a principal causa da crise foi o que os economistas chamam de risco moral: quem assumiu riscos previa que as autoridades iriam protegê-los quando as suas apostas corressem mal, e assumiram, por isso, riscos ainda maiores.  

 

Por outro lado, a nossa visão (apoiada por uma série de dados) é que o rápido aumento dos preços reflete, geralmente, a exuberância irracional, com a cumplicidade dos "phishes". Os irracionalmente exuberantes não estavam a pensar nos retornos que conseguiriam se as autoridades interviessem para manter a economia e o fluxo de crédito (ou, em casos extremos, agissem para salvar o seu banco ou a sua empresa). Tais possibilidades eram uma consideração marginal na euforia anterior à crise de 2007-2009: aqueles que vendiam a preços inflacionados obtiam lucros; e os compradores "sabiam" que estavam a fazer a coisa certa - mesmo quando não estavam.

 

A relutância em reconhecer a necessidade de intervenção imediata numa crise financeira baseia-se numa escola de economia que não consegue explicar a exuberância irracional que eu tenho explorado noutros lugares, e que ignora o marketing agressivo e outras realidades dos mercados da era digital examinado em "Phishing for Phools". Mas aderir a uma abordagem que negligencia esses factores é o mesmo que acabar com as corporações de bombeiros, com o argumento de que sem elas as pessoas seriam mais cuidadosas - e assim não haveria incêndios.


Descobrimos há muitos anos, para grande pesar do mundo, o que acontece quando se permite que uma epidemia financeira siga o seu curso. A nossa análise indica não só que existem forças endémicas e naturais que tornam o sistema financeiro altamente volátil como também que é necessária uma intervenção rápida e eficaz perante um colapso financeiro. Precisamos dar rédea solta às autoridades fiscais e monetárias para tomarem medidas agressivas quando a turbulência financeira se transforma numa crise financeira. Já bastou uma Idade das Trevas.

 

Robert J. Shiller, prémio Nobel da Economia em 2013 e professor de Economia na Universidade de Yale, é co-autor do índice Case-Shiller dos preços das casas nos EUA. O seu último livro, em co-autoria com George Akerlof, é Phishing for Phools: The Economics of Manipulation and Deception.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org 
Tradução: Rita Faria

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